Prezados leitores, é com preocupação que retorno a este espaço para discutir uma decisão preocupante na comunidade científica internacional, especialmente entre nós, infectologistas. O Comitê Consultivo em Práticas de Imunização (ACIP) dos Estados Unidos, responsável por definir as diretrizes de vacinação do país, revogou a recomendação universal de vacinação contra a Hepatite B para recém-nascidos.

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Esta é uma decisão que vai diretamente contra as evidências científicas e o sucesso histórico de uma política de saúde pública com mais de 30 anos. Por décadas, a dose da vacina contra Hepatite B ao nascer tem sido a estratégia americana para controlar a doença, com resultados inegáveis: a Hepatite B crônica foi erradicada em crianças e jovens nos EUA devido a essa política de vacinação universal no nascimento.

A vacinação imediata (nas primeiras 12-24 horas de vida) previne o contágio de mãe para filho (transmissão vertical), que é responsável por até 90% das infecções crônicas em recém-nascidos e uma das principais vias de transmissão da doença no mundo.

Com a nova diretriz, a vacinação no nascimento não é mais uma recomendação universal, passando a ser uma “decisão individual” a ser discutida com o médico — exceto em casos em que a mãe é sabidamente positiva para o vírus. Se o bebê não for vacinado na maternidade, o início do esquema passará a ser recomendado apenas aos 2 meses de vida. Esta decisão é irresponsável e perigosa. Ao remover a vacinação no nascimento, perde-se a oportunidade de imunizar o bebê em seu momento de maior vulnerabilidade e reverte-se décadas de progresso.

O Comitê Consultivo em Práticas de Imunização (ACIP) dos Estados Unidos, sob a atual gestão, tem sido fortemente criticado por incluir membros que não são reconhecidos pela sua experiência na área de infectologia/imunologia e que já demonstraram ceticismo em relação às vacinas, o que coloca em xeque a base científica e técnica das novas recomendações.

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Essa mudança se soma a outros alertas recentes, como o ressurgimento de casos de sarampo nos EUA, uma prova de que a queda na cobertura vacinal universal tem consequências letais e imediatas.

A vacina contra a Hepatite B é uma das mais seguras e eficazes que temos, sendo um verdadeiro divisor de águas na prevenção do câncer de fígado. Não há novas evidências científicas que justifiquem o atraso ou a remoção dessa proteção. Delegar essa decisão, que foi historicamente um sucesso de saúde pública, a uma escolha individual de risco, é um erro crasso com potencial para causar um grave retrocesso nos indicadores de contaminação e de doença crônica.

Felizmente, no Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) mantém a Vacina contra a Hepatite B como obrigatória para todos os recém-nascidos, com a primeira dose devendo ser aplicada nas primeiras 12 horas de vida. Essa política é inegociável e para nossa meta de eliminação das hepatites virais até 2030, conforme o compromisso com a OMS.

Confie na ciência e deixe a política de fora de decisões cientificas.

Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.

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