A decisão de Donald Trump, enquanto presidente dos Estados Unidos, de implementar tarifas em diversos setores, incluindo saúde, insumos médicos e medicamentos, deve, no mínimo, trazer um questionamento aos americanos: como oferecer saúde acessível em um sistema que privilegia o mercado em detrimento do aspecto social? Sua política comercial, baseada no protecionismo e na guerra tarifária, pode beneficiar certas indústrias, mas também pode encarecer tratamentos e dificultar o acesso aos serviços básicos de saúde. É aqui que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece algumas lições a Trump.
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O SUS é um sistema construído sobre um princípio revolucionário para população, em comparação ao modelo americano: a saúde como direito universal e dever do Estado. Nos EUA, o sistema depende de seguradoras privadas, planos corporativos e um modelo financiado majoritariamente por gastos individuais. O problema? Segundo dados do Kaiser Family Foundation, 23% dos americanos enfrentam dificuldades para arcar com gastos médicos mesmo possuindo seguro, enquanto mais de 30 milhões vivem sem nenhuma cobertura de saúde. Sem nenhuma, isso mesmo!
Trump, com sua política fragmentada para a saúde e foco na desmonte do Affordable Care Act (ObamaCare), parece ignorar que um modelo de saúde pública robusto não é um luxo, mas uma necessidade. O SUS, oferece desde vacinação até procedimentos complexos – gratuitamente! Imagine o impacto positivo se os EUA implementassem ao menos uma parcela dessa abordagem?
Com o tarifaço de Trump, insumos médicos – como remédios genéricos – ficaram mais caros. No Brasil, o SUS já entendeu que autossuficiência na produção de medicamentos é importante, mas vem com um detalhe importante: a combinação com o acesso público e preços regulados. Projetos como o da Farmácia Popular e o apoio a empresas públicas como a Fiocruz e o Instituto Butantan garantem que o Brasil produza vacinas, soros e medicamentos estratégicos a custos controlados, mais um aprendizado para Trump.
Diante disso, qual foi a saída inicial de Trump? Pressionar o mercado interno para trazer de volta a produção de medicamentos e equipamentos aos EUA, mas sem qualquer controle de preço ou meta de universalização. Será que isso funciona na prática? Spoiler: não.
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Nos EUA, os gastos anuais com saúde ultrapassaram 4 trilhões de dólares em 2022, segundo o CDC. Grande parte deste valor é destinada ao tratamento de doenças crônicas, muitas vezes preveníveis com estratégias públicas de base. Neste aspecto, o SUS dá de “relho” – programas de vacinação em massa, campanhas públicas de prevenção (como combate ao tabagismo e hipertensão) e uma atenção primária capilarizada que gera economia a longo prazo.
Em contraste, a lógica de mercado nos EUA criou uma cultura de tratamento e não de prevenção. Como resultado, problemas evitáveis como obesidade e diabetes seguem impactando o sistema com custos altíssimos.
Aqui está outro ponto que Trump parece ignorar: a saúde nos EUA é vista como um serviço pelo qual se paga e não como um direito humano. Apesar dos gastos exorbitantes com saúde (algo em torno de 11 mil dólares per capita ao ano, segundo a Organização Mundial de Saúde), os americanos não têm a tranquilidade de saber que serão atendidos independentemente de sua renda.
No Brasil, com todos os problemas que o SUS enfrenta – subfinanciamento, filas e corrupção –, uma coisa é certa: quando você vai a uma unidade básica de saúde ou a um hospital público, você não precisa escolher entre salvar uma vida ou declarar falência, como ocorre nos EUA.
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O SUS de Trump seria possível?
O SUS está longe de ser perfeito. Mas, diante da lógica tarifária e mercantilista de Trump, ele representa um ideal que parece inatingível para boa parte dos americanos: cuidar da saúde como um bem público acessível a todos. Se Trump estivesse aberto ao aprendizado, o SUS mostraria que a eficiência na saúde não reside apenas no lucro, mas na missão de garantir o básico: uma vida digna para todos.
E aí fica a pergunta: será que o modelo americano de saúde é realmente o melhor? Ou estamos diante de um Titanic insustentável que só aguarda o iceberg certo?
Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.
