O vírus da raiva, registrado na literatura como ‘’vírus da loucura’’ é muito temido por sua altíssima taxa de mortalidade, que chega a quase 100% dos infectados. Recentemente, um homem de 56 anos, morreu de raiva humana no estado do Piauí, após ser mordido por um sagui no dia 15 de julho. Este caso nos leva a refletir sobre a complexidade e os desafios de uma doença negligenciada: a raiva humana.
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É uma doença rara, mas presente em todos os continentes, e que provoca cerca de 60 mil mortes por ano. No Brasil, no período de 2010 a 2023, foram registrados 47 casos de raiva de acordo com o Ministério da Saúde.
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De acordo com a Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive-SC), o Estado de Santa Catarina é reconhecido pelo Ministério da Saúde como uma área controlada no ciclo urbano, devido à ausência de circulação do vírus rábico canino (AgV1 e AgV2) em cães e gatos há mais de duas décadas. Contudo, a situação se complica quando analisamos o ciclo silvestre da doença, onde variantes do vírus presentes em morcegos têm sido responsáveis por infecções em animais domésticos e humanos.
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O último caso grave e fatal em humanos em Santa Catarina ocorreu em 2019, no município de Gravatal, quando uma mulher de 58 anos morreu após uma mordida de gato. A transmissão do vírus, neste caso, se deu de morcego para gato e, subsequentemente, para o humano. E mais recentemente, em 2023 um gato foi identificado com a variante AgV4, associada ao morcego.
Como é a transmissão da raiva?
A raiva é um vírus RNA do gênero Lyssavirus, transmitido por mordida, ou por simples lambida ou uma arranhada do mamífero infectado que vai repassar o vírus pela saliva. O vírus, pode ser transmitido tanto por animais silvestres — morcegos, macacos e raposas —, como por animais domésticos (cães e gatos) e por animais que convivem em ambientes rurais como bovinos e equinos. O período de incubação do vírus em humanos é de até 45 dias, o que significa que desde o contato com o vírus, até aparecimento de doença, isso pode levar 45 dias.
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Quais os sintomas da raiva em humanos?
Os sintomas iniciais são inespecíficos, pois o vírus circula lentamente. A primeira fase é de mal-estar, inquietação e após alguns dias já ocorre a evolução para aumento de salivação, irritabilidade, confusão mental até atingir o coma e a morte cerebral. Isso porque a infecção provoca encefalite, ou seja, um inchaço importante no cérebro, comprometendo de forma grave o sistema nervoso. Infelizmente quando chega neste estágio da doença, já é irreversível, com taxas de letalidade de 100%. Estes sintomas também são observados em animais – e alguns deles também se isolam no escuro ou embaixo da cama, e demonstram pavor do contato com água, por exemplo.
Como prevenir a raiva?
Vacinar os animais anualmente ainda é considerada a forma mais eficaz de prevenção. Outra forma é oferecer doses da vacina de forma preventiva para veterinários e tratadores, entre outros profissionais, que correm mais risco de ter contato com os animais infectados. É recomendado também aos profissionais que recebem a vacina preventivamente fazer o controle de anticorpos protetores regularmente.
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Como tratar a raiva?
Em caso de mordida, lambida ou arranhada de animal suspeito, o primeiro passo é saber se o animal está vacinado contra a raiva e se ele pode ser observado por 10 dias. O segundo passo é procurar uma unidade de saúde para o tratamento após a exposição ao vírus, que inclui: o cuidado local do ferimento, vacina pós-exposição e a imunização passiva com o soro antirrábico e imunoglobulinas (solução concentrada e purificada de anticorpos, preparada a partir do soro de indivíduos imunizados contra a raiva).
Como a vacina contra a raiva funciona?
A vacina contra a raiva inativada age estimulando o organismo a produzir sua própria proteção, é indicada para crianças e adultos. Como a doença pode se manifestar em até 45 dias, a vacina pós-exposição induz a formação de anticorpos protetores contra o vírus, e o soro tem o poder de neutralizá-lo.
Tanto a vacina como o soro evitam que ele se espalhe, que a pessoa tenha a doença e vá a óbito. Mas é importante que todas estas medidas ocorram o quanto antes para evitar a replicação do vírus e que ele chegue até o sistema nervoso central.
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Diante desta notícia recente de uma morte pelo vírus da raiva, percebemos, a cada dia mais, doenças até então negligenciadas ou não diagnosticadas anteriormente, retornando não é mesmo? Cito aqui alguns pequenos exemplos: febre Oropouche, dengue, gripe aviária, dentre outras. A raiva é uma delas, uma doença que, apesar dos avanços no controle urbano, ainda representa um desafio no ciclo silvestre.
E, sem dúvida, a interação entre humanos, animais domésticos e silvestres, aliados ao desmatamento desenfreado está diretamente relacionado a casos que vamos vivenciar a cada dia mais. Essa realidade exige uma abordagem integrada e multidisciplinar para o controle e prevenção de doenças emergentes e reemergentes.
Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.