Pelas ruas de Moscou é fácil perceber que as últimas décadas de abertura econômica trouxeram transformações importantes para a capital russa. O centro financeiro, tomado por novíssimas torres espelhadas, lembra – ironicamente – muito mais a paisagem nova-iorquina do que propriamente o que se espera de uma ex-república soviética. Ainda assim, as torres que mais chamam atenção pela cidade não são os grandes arranha-céus comerciais…

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A capital que nasceu às margens do rio Môscova tem hoje 12 milhões de habitantes e um dos mais imponentes conjuntos de templos religiosos do planeta. São construções centenárias, que sobreviveram às mudanças políticas que sacudiram a Rússia nos últimos séculos e cujas cúpulas douradas parecem resplandecer um brilho ainda maior nos finais de tarde.

Em meio a tantos prédios históricos e a poucos metros da famosa Praça Vermelha, está a fachada-símbolo de um orgulho nacional russo. A construção em estilo neoclássico foi finalizada em 1825 e não poderia ganhar outro nome. Em russo, “bolshoi” significa grande, e no balé não existe nada maior!

Nos últimos séculos, o Grande Teatro de Moscou foi palco de alguns dos momentos mais importantes da dança clássica mundial, como a estreia de um dos balés mais famosos de todos os tempos. Em 1877, o público não sabia ao certo o que iria ver, a história ainda não era conhecida, até que os bailarinos subiram ao palco do Bolshoi e apresentaram pela primeira vez o espetáculo O Lago dos Cisnes.

O tempo passou e hoje o teatro abriga uma verdadeira indústria da dança. São mais de três mil funcionários, entre bailarinos, músicos e a equipe de produção. Uma gigantesca estrutura mantida pelo governo russo, que todos os anos investe cerca de 15 milhões de dólares para manter a tradição e o luxo da maior companhia de balé do mundo.

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Todo esse trabalho esteve seriamente ameaçado, em 2005, depois que uma análise minuciosa na estrutura do prédio revelou a notícia que deixou a Rússia inteira preocupada. O teatro não resistiu ao desgaste de mais de dois séculos de atividades e o prédio-símbolo do balé em todo o mundo tinha 70 por cento de chances de desabar.

Imediatamente, teve início uma reforma milionária, que recuperou a estrutura do prédio e as características originais do teatro, alteradas durante o regime soviético. Os mais de dois mil lugares foram revestidos de tecido italiano vermelho, os adornos folheados a ouro que enfeitam os camarotes do salão principal foram cuidadosamente refeitos. O teto ganhou um exuberante lustre de cristais franceses, que pesa mais de uma tonelada.

Hoje, para assistir a um espetáculo do Bolshoi, é preciso pagar até três mil reais e comprar com muita antecedência. Os lugares costumam se esgotar até seis meses antes das apresentações. Mas nem todos os lugares estão à venda. O camarote principal é destinado apenas a chefes de Estado e a grandes nomes da dança mundial, como o russo Vladimir Vasiliev.

Aos 78 anos, o homem que foi eleito o melhor bailarino do século passado ainda exibe o mesmo vigor que o consagrou nos palcos. Vasiliev ganhou fama mundial em 1968 como o protagonista de Spartacus e chegou a ser chamado simplesmente de “Deus da Dança“.

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– Eu nunca me considerei um Deus, porque Deus é algo ideal, algo que ninguém consegue atingir. Eu sempre tentei alcançar um ideal de perfeição na minha carreira, mas sempre soube que isso seria impossível – admite Vasiliev, com um sorriso de quem está satisfeito com o próprio passado.

O passado, aliás, está presente durante toda a longa conversa nas luxuosas dependências do Bolshoi. O maior bailarino de todos os tempos relembra seus personagens, suas grandes parceiras de palco, as turnês mundiais que o trouxeram uma fama que, até então, um homem jamais havia experimentado no balé. Até que o grande bailarino interrompe suas memórias por um longo pensar e revela o homem por trás do mito.

– Se em toda a minha carreira eu pudesse escolher apenas um trabalho, não seriam os balés que eu dancei, também não seriam as coreografias que eu montei. Com certeza, seria a criação da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil em Joinville! Nada foi mais importante na minha carreira do que a criação dessa escola.

A única escola do Bolshoi fora da Rússia foi criada há 15 anos por dois patronos-fundadores: Vladimir Vasiliev e o ex-governador e ex-prefeito de Joinville Luiz Henrique da Silveira, falecido em maio. Em quase duas décadas, já formou mais de duzentos bailarinos com a técnica russa do balé. Três deles hoje são contratados pelo balé do Teatro Bolshoi de Moscou.

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Uma relação que ficou ainda mais próxima nos últimos meses, quando o maior bailarino do século decidiu desafiar um dos maiores clássicos do balé de todos os tempos. Ele criou nova versão coreográfica do espetáculo O Quebra-nozes, que abriu o Festival de Dança de Joinville deste ano.

– Desde que eu era um jovem bailarino na Escola Coreográfica de Moscou, eu imaginava os soldados e os outros personagens dessa montagem na minha cabeça. E a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil tem tantos talentos, tanta gente criativa, que eu quis dar a eles um espetáculo totalmente diferente das demais montagens que eu já vi de O Quebra-nozes.

Os bailarinos do Bolshoi de Joinville, o público do Festival e a própria dança agradecem!

*Rafael Custódio, editor-chefe do Jornal do Almoço da RBS TV Joinville. Ele viajou a Moscou no período entre 30 de junho e 7 de julho para produzir o programa Cidade da Dança, que foi ao ar às 14 horas deste sábado na RBS TV.