A um mês da 30ª Conferência das Partes (COP30) começar no Brasil, Santa Catarina registra ocorrências relacionadas à ressaca marítima, com casas e ruas danificadas em cidades como Florianópolis e Barra Velha. As prefeituras chegaram a decretar estado de emergência devido aos estragos e à erosão costeira. Os recentes episódios surgem como um verdadeiro símbolo do papel que pesquisadores catarinenses podem ter no evento ligado à agenda climática mundial, que será feito pela primeira vez no país, entre 10 e 21 de novembro, em Belém, no Pará.

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Na semana passada, os danos à infraestrutura costeira, erosão de orlas, riscos a edificações próximas ao mar e bloqueios dos acessos viários fizeram a prefeitura de Barra Velha assinar o decreto. O documento, com validade de 180 dias, permite facilitar os gastos com ações imediatas de contenção. Itapema e Florianópolis, já nesta semana, fizeram o mesmo e se juntaram a um grupo de sete municípios que declararam emergência devido ao assunto apenas neste ano. Na capital, as fortes ondas atingiram propriedades à beira-mar e até postes de iluminação.

A grande coincidência nisso tudo está no principal papel que o estado deve ter em Belém no próximo mês. Ao mesmo tempo em que o oceano deixa o recado das mudanças climáticas com ocorrências de erosão costeira, cientistas de Santa Catarina irão à COP30 para destacar a importância dessas águas no combate não só ao aquecimento global, mas também a cenas como as presenciadas em Florianópolis, Barra Velha e Itapema.

Santa Catarina, conforme dados federais do Atlas Digital de Desastres no Brasil, é o estado que mais sofre com erosão entre todos do Sul e Sudeste. Oficialmente, nos últimos 15 anos, foram 66 registros reportados à Defesa Civil nacional, com Florianópolis no topo da lista. Professora da UFSC, Marinez Scherer acredita que já passou da hora das cidades costeiras entenderem que a necessidade por se adaptar é mais que urgente:

— Santa Catarina vai ser um estado com muita vulnerabilidade por causa da crise climática em relação aos processos erosivos, a gente já tem levantamento sobre isso. O aquecimento global e do oceano já está dado.

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Conhecimento produzido em SC na COP30

Pelo que se sabe até o momento, duas “frentes” científicas levarão o nome de Santa Catarina à COP. A primeira é a professora Marinez. Pesquisadora com uma sólida trajetória na questão da Gestão Costeira e Marinha, a docente é uma das enviadas especiais escolhidas pela organização da COP30. A missão dela é tentar fazer com que o tema oceano entre na declaração final assinada pelos quase 200 países participantes. Para isso, tem viajado muito e participado de debates e eventos científicos para explicar a importância dessas águas no contexto das mudanças climáticas.

Além de Marinez, outro professor da Universidade Federal de Santa Catarina está em vias de conseguir autorização para circular pela área dos negociadores, a Blue Zone. Paulo Horta será o único representante da UFSC e tentará conversar com os estrangeiros para mostrar o que de melhor tem sido produzido e pensado dentro da instituição. Entre os destaques que pretende levar está um projeto relacionado ao oceano, batizado de “Florestas Marinhas para Sempre”.

O nome, não por acaso, é muito similar ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre, ideia encabeçada pelo Brasil que será uma forte bandeira na COP30. Na prática, o objetivo é criar uma “poupança conjunta” entre as nações para beneficiar financeiramente os territórios que garantem a conservação desse bioma. No total, mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais poderão receber os recursos deste que deve ser um dos maiores fundos multilaterais do planeta.

Para Paulo, o oceano precisa entrar nessa conta, já que tem tanta importância quanto as florestas para a manutenção da estabilidade climática. Estudos demonstram que essas águas são o principal regulador climático do planeta, o “pulmão do mundo”, como ilustra Marinez. Pesquisá-lo e cuidá-lo, porém, não são coisas simples nem baratas, e é aí que surge a necessidade de investimento pesado.

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— Se a gente não mudar os compromissos das nações, isso vai nos levar para o aquecimento de 2.7°C ou mais. Isso acaba com os principais biossistemas do planeta. E a gente sabe, especialmente cidades como Florianópolis, estados como Santa Catarina, dependem de um oceano saudável, seja por conta da pesca, do turismo, da maricultura… Então a gente vai tentar levar e reforçar essa proposta — detalha o professor.

Os ecossistemas costeiros e marinhos, como os recifes de coral, manguezais e dunas, precisam estar bem conservados para que o oceano atue como um verdadeiro soldado frente às mudanças do clima. O que se vê, no entanto, é exatamente o contrário. Pelos níveis de destruição ambiental e poluição globais, as projeções indicam que até 2040 ecossistemas podem deixar de existir, sem chance de retorno.

— Se nós perdemos, estamos falando de 2 milhões de pessoas que ficarão completamente vulneráveis. A gente não pode deixar chegar nesse ponto. O custo/clima será maior que a capacidade do PIB global de fazer os pagamentos por perdas e danos — alerta o pesquisador em mudanças climáticas.

Na lista desse possível cenário futuro estão as erosões costeiras ainda mais frequentes em um contexto também de nível médio do mar mais elevado. Paulo e centenas de outros cientistas repetem constantemente: não dá para construir próximo ao oceano, porque não há dúvidas de que ele vai avançar nas próximas décadas. Dependendo do lugar, o aumento pode chegar a três metros ainda neste século.

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— Infelizmente, é inevitável. A gente precisa se preparar.

Papel da COP30

O evento está ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) e reúne anualmente quase 200 países. Na prática, os diplomatas negociam e atualizam formas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. São cinco pilares: mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação.

A COP30 tem sido assunto nos últimos tempos por diferentes razões — desde os valores absurdos de hospedagens em Belém até o atraso por parte de alguns países no envio das ações climáticas, as chamadas NDCs. Apesar dos desafios (como equilibrar ambições econômicas com sustentabilidade), a conferência é tida como uma biblioteca de ideias e oportunidades, avalia Paulo Horta.

— Cabe a nós, nesse contexto amplo de clima, fortalecer a importância do oceano — diz o pesquisador catarinense.

Alesc em Belém

Que Santa Catarina é um celeiro de ideias já está claro. Então, para além do universo científico, o estado quer estar presente na COP de outras formas. A Assembleia Legislativa (Alesc) fez duas movimentações este ano que vão resultar em uma carta-manifesto e, se tudo der certo, haverá um estande junto a outras instituições catarinenses na Green Zone, espaço reservado no evento para o público em geral, que tem a oportunidade de debater e apresentar soluções sobre mudanças climáticas, financiamentos, biodiversidade e tecnologias limpas.

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O deputado Mauro de Nadal (MDB) liderou a Frente Parlamentar que circulou todas as mesorregiões do estado para ouvir a cadeia produtiva. Um vídeo com bons cases catarinenses de preservação está sendo elaborado para que Nadal o apresente em dois painéis que participará durante a conferência.

— Tem muita coisa para evoluir, mas a gente já tem avançado bastante — defende.

A carta levará ideias e boas práticas nascidas em Santa Catarina. No melhor dos cenários, o estado poderia se beneficiar de algum recurso internacional surgido na COP. E, se isso ocorrer, Nadal já sabe o que é prioridade para o setor produtivo catarinense: primeiro, isenção total de impostos e taxas para empresas que instalem fontes de energia renováveis; segundo, disponibilizar recursos aos municípios que dão exemplo de preservação para que se possa investir em saneamento básico; e, em terceiro, adotar a chamada compensação financeira para o agricultor que consegue conciliar cultivo e preservação ambiental.

Em paralelo, o deputado Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol), organizou a Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas. Assim como a Frente Parlamentar, a equipe “rodou” as regiões em busca de demandas e soluções de combate e adaptação às consequências das alterações no clima para além do setor produtivo.

Os caminhos encontrados — tanto pela Frente quanto pelas conferências regionais — serão encaminhados nas próximas semanas à presidência da COP. A coordenadora de mobilização na presidência da COP30, Luciana Abade Silveira, garantiu que o documento será lido pelas autoridades. A ideia de percorrer Santa Catarina e ouvir todas as regiões para elaborar a carta-manifesto, inclusive, foi elogiada por Luciana, que considerou o modelo extremamente interessante e importante.

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De diferentes maneiras, Santa Catarina buscará espaço e protagonismo na COP30. Diante de um evento global, com as negociações a portas fechadas, a missão é difícil, mas não impossível.

Erosão costeira, maré e aumento do nível médio do mar

A erosão costeira é um processo natural, assim como a maré (que sobe e desce diariamente), mas se torna um problema devido à urbanização que avança sobre a orla, expondo a necessidade de políticas de uso e ocupação do solo que considerem riscos costeiros, mostra um estudo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos.

Agravados pelas mudanças climáticas e por moradias à beira-mar, os desastres relacionados à erosão costeira são um problema global. No Brasil, aproximadamente 60% da população reside em uma faixa de 60 quilômetros ao longo da costa, expostos a eventos como os registrados neste mês em Santa Catarina.

O que houve foi uma “tempestade perfeita”, como detalhou Paulo. Ou seja, a combinação da maré astronômica com a meteorológica. A primeira, como o nome sugere, é caracterizada pela interferência da atração gravitacional exercida pela lua e pelo sol sobre a Terra. Desta forma, há o movimento periódico das águas do mar, que se elevam ou abaixam em relação a um ponto fixo da costa.

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Quando as forças gravitacionais dos dois astros se alinham, geralmente durante a lua cheia e a nova, a amplitude da maré aumenta significativamente, fenômeno conhecido como maré de sizígia, a maré alta.

Já a maré meteorológica resulta da influência dos ventos sobre determinado ponto do oceano. Quando eles são positivos, de Sul/Sudeste, no caso da costa catarinense, “empurram” ainda mais as águas, aumentando o avanço delas sobre a faixa de areia. E é aí que ocorre a ressaca (a união das marés astronômica e meteorológica). Ambas são comuns em Santa Catarina, mas ganham contornos cada vez mais dramáticos devido à urbanização muito perto da praia e à intensificação causada pelas mudanças climáticas.

Isso porque, o aquecimento global interfere diretamente no derretimento das geleiras nos polos do planeta. O derretimento origina o aumento no nível do mar, que já é uma realidade há décadas, com 20 centímetros a mais em relação ao que era no começo dos anos 1990. Parece pouco, mas o que preocupa a ciência é que, nos últimos anos, o comportamento do oceano indica um processo de aceleração nessa elevação. Com o nível mais alto, as marés também ficam mais fortes e invasivas (apesar de que, na realidade, a invasão mesmo é do ser humano).

Leia o conteúdo especial sobre aumento do nível médio do mar em SC