*Por Becky Hughes
Nova York – Quando Jade Golden, que é bartender no 169 Bar, na Chinatown de Manhattan, chegou aos Alcoólicos Anônimos, seu padrinho recomendou veementemente que ela deixasse de trabalhar no setor.
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"A ideia era a de que, se alguém passa tempo demais em um salão de beleza, vai acabar cortando o cabelo. Mas não acredito nisso. Eu poderia deixar meu cabelo crescer até os pés sem sair do salão. Quando quero cortar o cabelo, simplesmente me sento na cadeira do cabeleireiro e explico o que quero", comentou.
Golden está sóbria há oito anos, equilibrando a vida pessoal com as demandas do setor em que trabalha. Assim como outros bartenders que não bebem – e que sempre existiram no setor –, ela não está apenas em pé no meio do salão; ela é a cabeleireira.
O interesse em deixar de beber, ou em beber menos, está em ascensão nos últimos anos. A semissobriedade deixou de ser exclusividade do "Janeiro Seco", o desafio mensal que ganhou enorme popularidade há cinco anos. Além disso, o movimento dos "sóbrios curiosos" ajuda as pessoas que não acreditam ter necessariamente um problema com a bebida a parar de beber.
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Segundo a indústria de bebidas dos EUA, as bebidas sem álcool ou com baixo teor alcoólico estão em alta. As vendas de bebidas não alcoólicas no varejo saltaram de US$ 3,2 bilhões para US$ 87,2 bilhões apenas no ano passado, de acordo com Danny Brager, vice-presidente sênior da Nielsen, que acompanha números de venda. "A abstinência – ou redução – do consumo de álcool ganhou uma nova cara", comentou por e-mail.
Bares que não servem bebidas alcoólicas estão abrindo as portas em inúmeras cidades dos EUA. Antigos bares especializados em coquetéis também começam a acrescentar drinques sem álcool em seu cardápio. Além disso, os bartenders profissionais também começam a sentir que algo está mudando na cultura do setor.
Em 2010, quando Jack McGarry abriu as portas do Dead Rabbit, no distrito financeiro de Manhattan, em parceria com Sean Muldoon, a bagunça típica dos restaurantes era comum. "Eu era fã do oba-oba. Bebia durante meu turno e continuava bebendo depois que o trabalho acabava", contou McGarry.
Contudo, McGarry, que deixou de beber há três anos e meio, depois de reconhecer sua tendência ao vício, disse que começou a perceber um interesse crescente pela sobriedade nos últimos anos e que agora se fala disso muito mais abertamente. "As pessoas do setor me procuram com frequência em busca de conselhos sobre como beber menos", contou.
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No fim de setembro do ano passado, McGarry foi a uma degustação de drinques depois de ficar um bom tempo sem comer e acabou ficando bêbado, uma história que ele compartilhou em um post no Instagram. (Para provar os coquetéis, McGarry puxa um pouquinho com um canudo e depois cospe em uma xícara.)
A ideia do post era assumir a responsabilidade e anunciar publicamente que aquela era sua nova data de sobriedade. Um dos primeiros comentários no post dizia: "Mas, se todos parássemos de beber, o setor deixaria de existir." O comentário foi feito pelo embaixador de uma empresa de bebidas.
McGarry acredita que aquela reação é típica de um problema mais amplo: seus companheiros presumem incorretamente que ele prescreve a sobriedade para colegas e funcionários. "O álcool nunca vai deixar de existir", afirmou, e as pessoas sempre vão beber. O setor precisa não necessariamente de mais pessoas sóbrias, mas de mais transparência.
Joanna Carpenter, consultora de coquetéis que trabalha com uma série de marcas de bebida, atribui parte das mudanças de atitude em relação à sobriedade no setor à "forma como nos comunicamos na era digital e à presença da cultura da exposição" – as pessoas são agora mais sinceras nas redes sociais a respeito das próprias experiências e de como sentem que os outros passaram dos limites.
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Carpenter deixou de beber devido ao histórico de dependência de sua família, ficou sóbria por seis meses em 2018 e tem reduzido o consumo desde então. Ela encontrou solidariedade em um grupo fechado no Facebook, em que pode conversar com outras mulheres do setor que deixaram de beber ou que bebem pouco. Mais difícil, porém, foi encontrar espaços seguros fora da internet. "Quando você não bebe, as pessoas questionam e tiram sarro", contou.
Um de seus objetivos é normalizar os debates sobre abuso de substâncias e saúde mental entre os bartenders. (Em um setor que raramente oferece assistência médica aos funcionários, é difícil ter acesso a recursos de saúde mental. Nas palavras de Golden: "Não recebemos seguro-saúde, mas os drinques são gratuitos.")
Julia Bainbridge, cujo livro de receitas dedicado a coquetéis não alcoólicos será publicado em outubro, atribui a tendência a beber menos no setor em parte ao movimento #MeToo. O mau comportamento no setor de restaurantes frequentemente está ligado ao consumo generoso de bebidas alcoólicas. (Em novembro, o "The New York Times" publicou as acusações de quatro mulheres da indústria do vinho que denunciaram um famoso sommelier por agredi-las ou tentar agredi-las sexualmente.)
Bainbridge é otimista em relação ao setor e nota que há cada vez mais pessoas curiosas com a sobriedade em seu meio. "As conversas e ações estão se realizando. Vejo empresas estabelecendo políticas de melhores práticas, contratando pessoal de RH e buscando a profissionalização em geral", comentou.
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Mas a ideia de um bartender sóbrio ainda surpreende alguns clientes. Quando Adrienne Oakes, bartender no Up & Up, em Greenwich Village, explica aos clientes que não bebe, a reação muitas vezes é respeitosa, mas nem sempre. "Algumas pessoas respondem que sou como um chefe de cozinha que não come", comentou.
Ela parou de beber por recomendação médica, mas muitas vezes tem de mentir para que o cliente mude de assunto. "Tenho de inventar razões para não beber. Mas simplesmente dizer que não bebo deveria ser o bastante", afirmou.
Além disso, Oakes destaca que não é obrigada a ser companheira de bebedeira de ninguém. "Isso não faz parte do trabalho. Meu serviço consiste em receber bem o cliente, preparar um coquetel corretamente e me assegurar de que ele esteja se divertindo no espaço que criamos para ele. O fato de eu não beber é irrelevante para essa experiência."
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