As imagens do indiozinho espalhadas pelas ruas de Porto Alegre fazem de Xadalu uma figura onipresente na paisagem urbana da cidade. O que escapa ao olhar mesmo dos passantes mais atentos à visualidade da urbe é a multiplicação dos adesivos em escala global, como mostra o curta-metragem “Sticker Connection”.

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Lançado há poucos dias, com produção da Zeppelin Filmes, de Porto Alegre, o vídeo de 15 minutos integra o projeto do longa que o diretor Tiago Bortolini prepara sobre o artista Dione da Luz, que em 2004 criou Xadalu como forma de chamar atenção para o apagamento da cultura indígena.

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“Sticker Connection” lança um olhar sobre a sticker art, modo de produção em arte urbana que envolve prioritariamente adesivos, cartazes e colagens de todo tipo em lugar de tintas. Como um trabalho de intervenção visual nas ruas, tem seus antecedentes na pichação e no grafite, carregando em si um pouco de um e de outro: mensagem ativista atrelada a apuro gráfico, em ações às vezes proibidas, às vezes permitidas.

Acompanhando a produção de Dione e a proliferação do indiozinho Xadalu em diferentes países, o curta mostra as redes de colaboração formadas entre artistas de sticker no mundo todo. Das cenas dos protestos de 2013 em Porto Alegre que abrem o vídeo, o espectador é levado a uma viagem que passa por lugares como Rio de Janeiro, Buenos Aires (Argentina) e Assunção (Paraguai), além de países como Japão, França, Canadá, Itália e Holanda.

Em todas essas paradas, as imagens de “Sticker Connection” mostram a presença de Xadalu nas ruas. O alcance internacional do indiozinho, que pode parecer inacreditável à primeira vista ou, na pior das hipóteses, obra de uma ação marqueteira interessada em difundir um trabalho de arte como marca comercial, logo se explica quando “Sticker Connection” apresenta as conexões que Dione vem estabelecendo com colegas de arte urbana pelo globo todo nos últimos anos.

– O indiozinho se tornou um viral – conta Dione, em entrevista a ZH sobre o curta. – Isso começou quando tirei a primeira foto e postei em um site de arte internacional. Nessa foto, eu explicava meu conceito de arte, minha causa e a intenção de atingir todas as camadas sociais com uma arte popular. A partir disso, artistas do mundo inteiro começaram a me pedir para receber o trabalho do Xadalu em seus países.

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Ao recompor alguns dos percursos trilhados por Xadalu por meio dessas redes colaborativas, “Sticker Connection” joga luz sobre como a arte urbana parece ter seu caráter proibitivo minimizado em países europeus, a julgar pela liberdade e despreocupação dos artistas em suas ações e pela relação mais aceitável e amigável demonstrada por parte dos pedestres/público.

O documentário também dá amostras do quanto o “real” e o “virtual” se imiscuem nas estratégias desses artistas. Entre a internet e as ruas, eles realizam ações que conferem um caráter contemporâneo à guerrilha visual urbana da pichação e do grafite, tendo como “armas” o ato de intervir nas ruas com imagens que disputam a atenção da publicidade e das imposições visuais de toda ordem que se apresentam diariamente em nosso entorno.

– Meu primeiro contato com esses artistas é via internet – conta Dione. – O segundo é físico, através da troca de materiais e trabalhos por carta. Esses tipos de contato são frequentes no movimento sticker art. A relação que tenho com esses artistas é muito constante, muitos deles conheço há quase uma década, conversamos semanalmente sobre nossos trabalhos, o movimento e futuras ações e projetos que possam ser realizados de forma paralela.

O diretor Tiago Bortolini completa:

– Xadalu já vinha recebendo material de amigos e artistas ao redor do mundo e não queríamos ficar com esse material na gaveta por muito tempo, por isso criamos o curta “Sticker Connection”. Uma maneira de apresentar um pouco essa comunidade do sticker – ou da sticker art.

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O espírito colaborativo foi, inclusive, o que garantiu a realização de boa parte das imagens reunidas em “Sticker Connection”. Entram em cena artistas de diversos países falando sobre Xadalu e realizando ações de colagem do indiozinho nas mais distantes metrópoles.

– Foi um processo intenso, mas muito divertido, porque era um situação muito complexa e, ao mesmo tempo, simples. É que cada um tem seu ponto de vista sobre a arte urbana, sua causa, sua cultura e suas peculiaridades artísticas. Em alguns momentos, pensei que não chegaríamos a um resultado final, mas no fim deu tudo certo, o espírito colaborativo é algo fascinante, todos participaram ativamente do processo – conta Dione.

Um dos pontos altos do vídeo é a aparição de uma lenda da arte urbana de Porto Alegre: Toniolo. É uma surpresa ver que o autor dos adesivos com mensagens críticas à política colados nas calçadas de Porto Alegre desde os anos 1980 é um senhor insuspeito que caminha usando um chapéu Kangol e que, volta e meia, interrompe a passada para colar seus stickers. Toniolo é uma figura que não se sabe ao certo se existe e cujo anonimato em suas intervenções urbanas antecede, por exemplo, o hoje afamado inglês Banksy em pelo menos uma década.

– O grande Toniolo, o rei de Porto Alegre, mito da pichação e manifestação urbana – diz Dione. – Conheço Toniolo há uns cinco anos, nosso laço de amizade é muito grande. É um privilégio poder conviver com uma pessoa como ele, é demais. Devido à nossa proximidade, ele não viu problema nenhum em aparecer no filme, achou legal. Sua história nas ruas de Porto Alegre é muito longa, desde 1982. Com isso, se tornou uma lenda. Ele tem muitas histórias, contos e fábulas, mas ele está vivo e existe – diz Dione.

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Se há um ponto frágil em “Sticker Connection” é o fato de o documentário tangenciar uma abordagem mais profunda que investige e explore o real teor político e ativista que mobiliza os artistas. São aspectos que talvez não sejam possíveis de ser adensados em 15 minutos e que, por isso mesmo, poderão ter mais espaço para serem melhor trabalhados no longa-metragem que está em produção e do qual o vídeo é apenas uma prévia.

Tiago comenta:

– No longa, quero acompanhar a trajetória e a busca desse personagem que é Xadalu. Acredito que ao fazer isso posso entrar em mundos diferentes, como uma aldeia indígena ou embaixo de um viaduto na madrugada de uma grande cidade. São mundos diferentes da experiência cotidiana das pessoas. Como ele vai unir esses mundos por que passar de uma maneira coerente com sua busca artística e pessoal, numa narrativa com a qual as pessoas se relacionem, é a resposta que busco no longa.

Dione acrescenta:

– Acredito que a rua é um palco democrático, onde se tem suporte para poder explorar os mais variados tipos de manifestações, sendo pessoais ou públicas, onde nunca haverá algo homogêneo, sempre haverá o atrito, pois temos um diversidades de movimentos urbanos dos mais variados aspectos e pontos de vista, cada um com sua individualidade. Não existe certo ou errado, cada um faz e se dedica a aquilo que acredita. Cabe a cada um escolher o melhor para si. Pelo meu passado e experiências de vida, me dedico à arte educação, pois acredito que a arte tem um grande potencial para informar e ajudar a sociedade, sendo no meio artístico, com exposições, filmes, e social, com palestras e oficinas em comunidades.

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