Santa Catarina foi o Estado brasileiro que mais recebeu migrantes entre 2017 e 2022, é o que indicam os dados do Censo divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (27). Pesquisadores da área de migrações e economia catarinense analisam que as oportunidades de trabalho, aliadas ao nível de renda média superior ao nacional e à segurança, estão entre os fatores que fazem com que pessoas de outros lugares escolham o destino para viver.

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Lauro Mattei, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Coordenador Geral do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense, vê três elementos centrais como razões para essa dinâmica de alto fluxo migratório.

— O principal fator é o mercado de trabalho. E, aliado a isso, Santa Catarina apresenta três características que o tornam extremamente atrativo. Primeiro, o baixo índice de desemprego. Segundo, a alta formalização das relações de trabalho. E terceiro, um nível de renda média, tanto pessoal quanto familiar, superior à média nacional — explica o professor.

Combinados, esses três elementos configuram fatores de atratividade da força de trabalho e impulsionam a migração. É o que também destaca Tafarel Cassaniga, doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, Integrante do Observatório das Migrações de Santa Catarina e professor do Colégio de Aplicação da UFSC.

— A atração do estado para essa população está diretamente ligada ao seu dinamismo econômico e, notadamente, à segurança. Santa Catarina tem se destacado pelo crescimento em diversos setores, como a indústria, a construção civil e o setor de serviços, o que gera um vasto leque de oportunidades de trabalho — explica o pesquisador.

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Ele afirma também que além da visibilidade midiática do desenvolvimento econômico do estado, que atrai esse público, outro fenômeno que acontece são as “redes sociais migratórias”.

— Um membro da família ou amigo chega ao estado, consegue emprego e compartilha essa informação com outros, criando uma poderosa rede de atração e suporte. Esse fenômeno demonstra como a percepção de oportunidades concretas e o apoio social são catalisadores essenciais para a decisão de migrar — explica.

Segundo Tafarel, a facilidade de acesso à informação, impulsionada pelas redes sociais e pelo boca a boca, faz com que as notícias sobre essas oportunidades de trabalho se espalhem de forma rápida. Ainda, o Estado conta com diversificação econômica, o que amplia as possibilidades para os migrantes que escolhem Santa Catarina como novo lar.

O professor Lauro Mattei explica que as migrações acontecem impulsionadas por dois fatores básicos: expulsão e atração. Ele destaca que nas décadas de 1980 e 1990 os fatores de expulsão foram muito expressivos, quando a população se concentrou na áreas litorâneas vindo do interior do Estado, e, em menor escala, de outros estados.

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— No cenário atual (século XXI) ocorre o oposto, apesar de continuar o movimento de deslocamento populacional do inteior do Estado, especialmente em direção às áreas litorêneas. O que pode ser motivo de atração para esse grande deslocamento de pessoas de outros estados, sobretudo daqueles mais próximos (RS, PR e SP), diz respeito às condições atuais do mercado de trabalho catarinense — detalha.

Impactos econômicos

Com a chegada dessa nova leva de migração interna, a economia do Estado recebe um impacto positivo por um reforço significativo na força de trabalho, ao preencher lacunas em setores-chave da indústria, construção civil e serviços, explica o pesquisador do Observatório das Migrações de Santa Catarina.

Em contrapartida, há também um impulsionamento das demandas do consumo intenso, com movimentação de setores como comércio, serviços, habitação, transporte, educação, saúde e lazer. Com isso, há novas oportunidades de investimentos e negócios.

— A diversidade de habilidades e experiências que os migrantes trazem também pode estimular a inovação e o empreendedorismo. Muitos comércios já têm a marca dos migrantes, como restaurantes nordestinos e nortistas em várias cidades da faixa litorânea de Santa Catarina. Essa diversidade cultural é muito importante para o estado, pois o Brasil é rico e todas as culturas são importantes de se conhecer — afirma.

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Chapecó foi a cidade catarinense que mais recebeu estrangeiros nos últimos dez anos: foram 10.855. Especialmente por lá, a presença expressiva de imigrantes se dá por conta das vagas de emprego nas agroindústrias, explica o professor Lauro Mattei.

— A particularidade de Chapecó, em comparação com o litoral, reside no grande volume de empregos nas agroindústrias. Observando os imigrantes haitianos e venezuelanos, os grupos mais numerosos em Santa Catarina, a maioria está alocada no setor agroindustrial, concentrando-se em Chapecó, Concórdia e cidades vizinhas com frigoríficos — destaca.

Lauro explica que nessa reorganização, de uma forma geral, o mercado de trabalho passa a operar com salários médios mais baixos, mesmo que as relações de trabalho sejam formalizadas. Ainda, há uma maior competitividade por mão de obra externa. Em contrapartida, a vinda desse novo contigente gera impacto em outros setores.

— Esse contigente que vem em busca de nova condições de vida em SC também irá ter dispêndios financeiros, o que impacta positivamente outros setores, especialmente os serviços e o comércio — explica.

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Novas demandas

O professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC explica que, além de o Estado receber um novo fluxo de mão de obra, surgem também novas demandas a partir da chegada deste contingente populacional, que precisam ser abordadas através de políticas públicas.

— Para além desse fluxo para o mercado de trabalho, vem um conjunto de demandas novas, demandas na área de saúde, educação, habitação, e que certamente os governos vão ter que se preocupar com outros tipos de políticas para além dessa mera política de alocação da mão de obra no mercado de trabalho — afirma.

O doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, Tafarel Cassaniga, explica que por vezes essas pessoas são locadas em setores de menor remuneração, o que mostra também a necessidade de políticas para uma inserção econômica mais justa e equitativa.

— É crucial que o estado aproveite essa vitalidade demográfica para promover um crescimento econômico inclusivo e sustentável. Para acolher adequadamente esse novo contingente populacional, Santa Catarina precisa urgentemente da implementação de políticas públicas de acolhimento e inclusão — destaca o pesquisador.

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— Ainda há muitos casos de preconceito e discriminação com migrantes internos, em especial nordestinos e nortistas. Essa estigmatização não só gera sofrimento individual, mas também impede a plena integração e o aproveitamento do potencial desses novos migrantes — complementa.

O fenômeno do Pará

Em SC, a maior população migrante é gaúcha. Das 503,8 mil pessoas que residiam em outra unidade da federação e que vieram para SC, conforme da referência do Censo 2022, predominam as que têm origem do Rio Grande do Sul (134,8 mil), representando 26,8% do total.

Depois estão o Paraná (96,1 mil), com 19,1% do total, São Paulo (62,4 mil), com 12,4%, Pará (44,9 mil), com 8,9%, e Bahia (20,3 mil), com 4,0%. Enquanto os primeiros estados na lista se destacam pela proximidade geográfica, o Pará, um estado distante, teve uma vinda expressiva de migrantes nos últimos anos.

Tafarel Cassaniga explica que, ainda que a proximidade seja um fator relevante para a migração, nesse caso a explicação ocorre por conta da consolidação de redes sociais migratórias.

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— Assim como os nordestinos, os paraenses que chegam a Santa Catarina encontram oportunidades de trabalho e uma melhor qualidade de vida e, então, comunicam essa realidade para suas famílias e amigos em seu estado de origem. Essa comunicação, facilitada pelas tecnologias atuais, é o que chamamos na literatura de redes sociais migratórias — detalha.

O pesquisador afirma que no final do século XX, a partir da década de 1980, Santa Catarina era destino de gaúchos e paranaenses, especialmente nas regiões litorâneas. Contudo, o século XXI tem sido marcado pela presença nordestina e nortista.

— A ascensão do Pará como uma das principais origens de migrantes para Santa Catarina, mesmo sendo um estado geograficamente distante, é um fenômeno que chama a atenção e corrobora a complexidade das dinâmicas migratórias contemporâneas — afirma o professor.

Entre os pontos de destaque para a migração estão também a violência urbana em cidades como Belém, enquanto em Santa Catarina encontram oportunidade de trabalho e uma vida mais segura. O professor reafirma a necessidade de políticas públicas que valorizem a diversidade cultural e evitem o preconceito contra os migrantes.

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— Mesmo com a distância, a segurança de ter um ponto de apoio e a certeza de oportunidades atenuam os “obstáculos intervenientes” (como a distância e os custos de deslocamento), tornando Santa Catarina um destino viável e atrativo para a população do Pará. Esse fluxo ressalta que a decisão de migrar vai muito além da proximidade física, sendo fortemente influenciada pela existência de conexões e pela percepção de um futuro mais promissor — alega.

Fluxo entre estados do Sul e Sudeste

Enquanto 58% das pessoas de outros estados que moram em Santa Catarina são do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, 76% dos que deixam Santa Catarina têm esses mesmos estados como destino. O professor Lauro Mattei explica que esses fluxos migratórios ocorrem por fatores como facilidade de deslocamento e condições semelhantes de vida.

— A facilidade de deslocamento interno, incluindo o transporte, é um fator relevante para a migração de paranaenses, gaúchos e paulistas. As condições de infraestrutura em Santa Catarina, como saúde e educação, assemelham-se às dos estados de origem. Essa similaridade, creio, explica a concentração da migração nos quatro estados da região Sul — pontua o professor.

Outro aspecto reforçado por Lauro são as características de Santa Catarina que atraem especificamente aposentados, como cidades litorâneas, com o exemplo de Balneário Camboriú.

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