Vape, pod e pen. São muitos os nomes atribuídos aos cigarros eletrônicos, produtos à base de nicotina criados em 2003. Todos os seus tipos são vistos frequentemente nas cidades catarinenses. Em um bar da região central de Joinville, jovens usam publicamente os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF). Isadora Alves e Emily Severiano, ambas com 18 anos de idade, revelam que compraram um pod especialmente para fumar no local durante a noite de 19 de julho.
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Elas começaram a fumar por volta dos 16 anos. Isadora foi influenciada por um amigo a usar o pod e, desde então, mantém o hábito. Já Emily, na verdade, foi introduzida ao mundo dos fumantes por meio do narguilé, dispositivo para usar essências e tabaco, até chegar ao DEF. Ao longo do tempo, ambas foram diminuindo o uso e, atualmente, alegam fumar apenas socialmente. A preocupação veio de notícias que alertam sobre os malefícios causados pelos aparelhos.
— Eu sei que é algo realmente prejudicial, sabe? E a longo prazo vai ser algo que vai prejudicar a gente. Então, a gente tá tentando diminuir. Futuramente eu quero parar. É um vício que, além de custar muito dinheiro, é a saúde, né — diz Emily.
Isadora relata que teve um episódio de tosse persistente durante meses. Chegou a realizar exames e raio-x, mas os resultados não apontaram nenhum problema de saúde. Já Emily conta que tem asma e, junto com o uso do cigarro eletrônico, passou a sentir dificuldade para correr, dores no peito esporadicamente e falta de ar quando é acometida por resfriados ou gripes.
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O médico pneumologista do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC), Roger Pirath Rodrigues, explica que tosse persistente e falta de ar são, realmente, alguns dos sintomas que podem atingir fumantes de DEF. O profissional ainda relembra um caso marcante que necessitou de cuidados especiais na unidade.
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— Uma jovem com tosse persistente, falta de ar e febre. Foi internada com quadro de pneumonite. Após investigação, o histórico de uso frequente de vape foi um dos elementos-chave que ajudaram a identificar uma inflamação pulmonar potencialmente associada ao cigarro eletrônico — revela o médico.
O especialista alerta que casos como esse têm se tornado mais comuns, principalmente entre adolescentes e adultos jovens. Atualmente, essa é a faixa etária que mais preocupa os profissionais de saúde. De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III), um a cada nove adolescentes utiliza algum tipo de cigarro eletrônico.
Uso entre adolescentes
Em uma escola estadual de Massaranduba, cidade do Norte de Santa Catarina, professores e diretores identificaram que o DEF passou a impactar a vida e a rotina dos estudantes. Apenas uma turma, com alunos entre 14 e 15 anos, tem mais da metade do grupo com hábitos de fumo, principalmente os cigarros eletrônicos. Isso levou a uma ação que explorou os riscos dos dispositivos à saúde. Foram diversas conversas com profissionais da saúde, 45 dias de pesquisa, seminários e elaboração de cartazes. Ao final do trabalho, aproximadamente 150 vapes foram entregues voluntariamente pelos estudantes.
Clara e Julia* participaram do projeto. As adolescentes nunca tiveram contato com pods, ou qualquer outro tipo de cigarro, e ficaram surpresas com o que descobriram em suas pesquisas.
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— O que me chamou muita atenção é que muitas pessoas não sabem dos malefícios que o cigarro eletrônico tem. Como, por exemplo, diversas substâncias cancerígenas, a nicotina que é uma substância extremamente viciante, e também diversos materiais altamente tóxicos e pesados. Isso me chocou muito, porque as pessoas não sabiam. Toda nossa sala debateu como as pessoas colocam dentro do corpo delas uma coisa tão prejudicial à saúde — ponderou Clara.
Diferentemente das alunas, Nicolas e João* usam cigarro eletrônico há cerca de dois anos. Eles contam que foram mal influenciados por colegas e acabaram adquirindo o vício. Mesmo muito novos, com 14 e 15 anos, respectivamente, ambos já sentem os impactos negativos do DEF na saúde.
— Eu era atleta, eu fazia corrida. Hoje em dia eu não consigo mais correr muito, não consigo mais ter minha energia de antes. Hoje em dia, tipo, tudo fica mais difícil para fazer — afirma Nicolas.
João enfrenta a mesma dificuldade. Apenas em dois anos sendo fumante, ele já não consegue mais praticar esportes como antes. Apaixonado por futebol e vôlei, ele conta que quando participa de partidas a falta de ar o impossibilita de ter um bom rendimento.
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Os estudantes ainda revelam que, por causa da idade deles, é difícil comprar cigarros eletrônicos na região. Nicolas conta que pede para um outro amigo adquirir o produto em Jaraguá do Sul, município vizinho, e o entregar em Massaranduba. Já em Joinville, a maior cidade catarinense, Isadora e Emily conseguem encontrar e comprar os pods com facilidade.
Isso expõe um mercado que atua de forma clandestina no país. Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a fabricação, importação, comercialização, distribuição, o armazenamento, transporte e a propaganda de todos os dispositivos eletrônicos para fumar. No entanto, autoridades ainda precisam atuar na apreensão de produtos e interdição de lojas e laboratórios de fumo. Em 25 de março de 2025, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) mirou um grupo, sediado em Joinville, que já movimentou mais de R$ 10 milhões com a venda desses dispositivos em todo o Estado.
Veja fotos da ação na escola de Massaranduba
Rótulos omissos e substâncias perigosas
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por meio de uma parceria com a Polícia Científica, realizou uma pesquisa com um lote de cigarros eletrônicos apreendidos em Joinville. O estudo preliminar, que analisou um grupo de dez amostras distintas de três marcas, apontou que as fórmulas de DEF podem conter octodrina, substância semelhante à anfetamina, uma droga que estimula a atividade do sistema nervoso central, deixando um indivíduo mais acelerado e com sensação de bem-estar.
De acordo com o estudo do Laboratório de Pesquisas Toxicológicas da universidade, a octodrina também é utilizada em produtos pré-treino e queimadores de gordura. O elemento, porém, aparece na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping (WADA). Seus efeitos adversos ainda são estudados, mas sabe-se que pode provocar problemas cardiovasculares, sintomas de abstinência e risco de dependência.
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Para a pesquisadora Camila Marchion, professora do departamento de Patologia da UFSC, o levantamento inicial já é suficiente para deixar as autoridades e os profissionais da área da saúde em alerta. Ela ainda revela que a universidade realizou visitas em escolas públicas da capital catarinense. Durante conversas e palestras, foi identificado que cerca de 30% dos adolescentes dessas unidades escolares já experimentaram cigarros eletrônicos, sendo que 6,2% ainda continuam usando. Outros 15% alegam já terem experimentado o cigarro convencional.
— É importante alertar que o cigarro eletrônico não é um substituto do cigarro convencional. Ele tem riscos associados e tem sido um dispositivo usado para atrair o público que não usava cigarro convencional — advertiu a pesquisadora.
A professora também alerta para os riscos que as substâncias presentes dentro de um DEF podem apresentar à saúde. Como o produto não é regulamentado, os fabricantes não são obrigados a evidenciar no rótulo o que cada dispositivo contém — como, por exemplo, em uma embalagem de cigarro tradicional, que chega a revelar até as doenças que podem ser desencadeadas pelos elementos.
De acordo com o médico pneumologista do HU-UFSC, o cigarro eletrônico não é inofensivo. Um estudo realizado pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) revelou que a presença de nicotina no organismo de usuários de DEF pode ser até seis vezes maior do que em fumantes de cigarros tradicionais. Os especialistas responsáveis pelo levantamento, feito em parceria com a Vigilância Sanitária de São Paulo e o Laboratório de Toxicologia da Rede Premium de Equipamentos Multiusuários da USP, ainda destacam que os DEFs são altamente viciantes.
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EVALI e outras doenças
Além de provocar o vício, os DEFs também podem ser causadores de diversas doenças, como a lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico, conhecida como EVALI. Conforme o médico pneumologista Roger Pirath Rodrigues, a EVALI é o estágio mais grave de uma série de problemas que podem aparecer com o uso dos pods. Nesse caso, é possível que um paciente precise de oxigênio por meio da ventilação mecânica e corra sérios riscos de vida.
O pneumologista ainda alerta para o aumento de quadros de bronquite, asma, pneumonite lipoídica (associada os óleos presentes em algumas substâncias do vape), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) precoce e outras lesões inflamatórias nos pulmões com a popularização dos DEFs.
— Em estudos laboratoriais e experimentais, há indícios de que o vapor pode causar danos ao DNA e aumentar o risco de câncer, embora os efeitos de longo prazo ainda estejam sendo estudados — revela.
“Melhor caminho é evitar”
Temendo que alguns dos problemas listados pelos especialistas afetassem os alunos, a diretora da escola de Massaranduba, Elaine Kasmirski Mosca, decidiu reunir os professores e alunos para discutir o tema. As aulas de Química foram utilizadas para o estudo dos produtos e o que podem causar ao organismo dos usuários. Ao final do trabalho, cerca de 150 vapes foram entregues pelos estudantes.
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O médico pneumologista relata que muitos jovens acreditam que o vape é seguro por não conter alcatrão ou por ter aroma adocicado, mas os produtos contêm nicotina em altas concentrações e outras substâncias tóxicas que agridem os pulmões, o sistema cardiovascular e aumenta o risco de câncer em jovens.
— Além disso, o uso frequente pode causar dependência química e abrir caminho para o uso de cigarros convencionais ou outras drogas. Chamamos a atenção que o cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento e a nicotina pode impactar negativamente a atenção, o aprendizado e o controle de impulsos. O melhor caminho é evitar o uso desde o início — afirma.
Os DEFs entregues na escola de Massaranduba serviram de base para novas palestras, principalmente para os pais e familiares dos alunos. Após algumas conversas na unidade, Elaine acionou o comando da Polícia Militar de Jaraguá do Sul, que compareceu ao colégio e fez a apreensão de todos os cigarros eletrônicos.
— A gente continua fiscalizando, pedindo ajuda, incentivando eles a não usarem — afirma Elaine, que ainda revela que o projeto será expandido nos próximos meses.
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*Nomes fictícios para proteger a identidade dos adolescentes











