O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, foi ouvido no interrogatório da trama golpista nesta segunda-feira (9). Ele foi o primeiro de oito réus acusados de integrarem o chamado “núcleo crucial” ou “núcleo 1” a ser ouvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
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Mauro Cid foi o primeiro a falar porque fechou uma delação premiada com a Polícia Federal. O depoimento levou mais de quatro horas e foi seguido do interrogatório do o deputado federal (PL-RJ) Alexandre Ramagem. Ao longo dos próximos dias, os demais réus devem ser ouvidos, o que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Já no início do depoimento, Mauro Cid disse que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os acusados de tramar um golpe de Estado no país é verídica. Ainda, declarou que “presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles”. Ele negou ter sido alvo de coação e confirmou os relatos de depoimentos anteriores.
Quem são os réus
Bolsonaro editou minuta do golpe
De acordo com Mauro Cid, Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na “minuta do golpe”, documento que previa medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições de 2022.
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Entre outras alterações, o ex-presidente teria solicitado que fosse retirado o trecho que previa a prisão de autoridades. O ministro Alexandre de Moraes, que na época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), era o principal alvo do documento. Mesmo depois dos ajustes, ele era mencionado como alvo de prisão.
— O documento mencionava vários ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo — disse Cid.
Relatório de urnas
Ainda, Mauro Cid afirmou que Jair Bolsonaro teria pressionado o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira em relação a um relatório sobre a lisura do processo eletrônico de votação. O ex-ajudante de ordens detalhou que Bolsonaro queria um documento “duro” contra as urnas eletrônicas.
As Forças Armadas indicaram representantes para participar de uma comissão de fiscalização das eleições, organizada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
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O relatório que foi entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema eleitoral, mas também não descartou a possibilidade de falhas, ainda que sem evidências. A segurança do processo de votação foi garantida por órgãos como o TSE e a Polícia Federal.
Braga Netto era elo com acampamentos
De acordo com Mauro Cid, o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Souza Braga Netto, seria o “elo” entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e os acampamentos montados em frente aos quartéis.
Braga Netto faria parte de um grupo “moderado”, no sentido de pressionar o ex-presidente Bolsonaro a tomar uma medida com relação ao resultado das eleições. Ele foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022.
Ainda, o ex-ajudante de ordens disse ter recebido valores de Braga Netto em uma caixa de vinho, sem especificar quanto. O dinheiro recebido no Palácio da Alvorada foi repassado ao tenente-coronel do Exército Rafael Martins de Oliveira.
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O major faz parte do grupo conhecido como “kids pretos”, que são militares das Forças Especiais do Exército. Os integrantes do grupo são suspeitos de integrar um grupo armado que planejava a morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, planto batizado de “Punhal Verde e Amarelo”.
Moraes monitorado
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, questionou um pedido de monitoramento das atividades dele.
— Por várias vezes, o presidente [Bolsonaro] recebia várias informações que aliados políticos estariam se encontrando com adversários políticos. Foi comum, algumas vezes, no meio do mandato, a gente verificar se isso era verdade ou não. Não tinha muita análise de inteligência, a gente perguntava pra Força Aérea, ou para um ministro, para ver como estava essa mobilidade — disse Mauro Cid.
Em uma das vezes, em dezembro de 2021, o monitoramento aconteceu a pedido do major de Oliveira — um dos kids pretos que integram a operação Punhal Verde Amarelo. Cid afirma que, em seguida, um segundo monitoramento teria sido feito a pedido do coronel do Exército e ex-assessor especial de Bolsonaro, Marcelo Câmara.
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Plano “Punhal Verde e Amarelo”
Mauro Cid afirmou que nunca soube do plano “Punhal Verde e Amarelo”, o qual tomou conhecimento apenas pela imprensa.
— Eu fiquei sabendo pela imprensa, no dia da prisão dos militares [kids pretos], inclusive, meu nome nem constava naquele gabinete de crise que foi criado, ou que seria criado — disse.
Questionado pelo próprio advogado, Cezar Bittencourt, se Jair Bolsonaro “chegou a manifestar o desejo de se manter no poder mesmo após o resultado das urnas”, Cid respondeu:
— A grande preocupação do presidente, no meu ponto de vista, sempre foi encontrar uma fraude nas urnas, né, coisa que sempre foi muito ostensivo dentro da opinião do presidente. Ele sempre buscou uma fraude nas urnas — declarou.
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Bolsonaro não queria fim dos acampamentos
O ex-presidente Jair Bolsonaro não teria agido para desmobilizar os acampamentos golpistas montados em frente a quartéis-generais depois das eleições de 2022, segundo Mauro Cid.
A postura de Bolsonaro seria de não interferir, nem na intenção de apoiar, nem para desmobilizar: “Não fui eu que chamei, não sou eu que vou mandar embora”, teria dito o ex-presidente nos bastidores, de acordo com o relato do militar.
A omissão de Bolsonaro teria atuado como um sinal de anuência aos atos que pediam intervenção militar e rejeitavam o resultado das eleições. O ambiente provocado pela permanência de apoiadores nos acampamentos, que se seguiram mesmo depois da diplomação de Lula, teriam integrado o ambiente que levou aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Moraes era alvo de ataques
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), teria sido alvo de xingamentos, memes e figurinhas em conversas dos “kids pretos”, conforme o depoimento de Mauro Cid.
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A declaração foi dada após uma pergunta do advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, que solicitou detalhes de uma reunião de Mauro Cid com os chamados “kids pretos”. Moraes questionou se algo sobre ele foi citado na reunião.
— Sim, senhor — respondeu Cid, e acrescentou — O senhor [Moraes] foi muito criticado.
— Só? O senhor tem que falar a verdade — perguntou o ministro do STF.
— Eu estou acostumado já — disse Moraes. — E só uma coisa. É que a Polícia Federal não está aqui, mas há uma contradição no depoimento, porque ele [Cid] falou que era uma conversa de bar, com guaraná e salgadinho. Então, não é conversa de bar — acrescentou Moraes.
*Com informações do g1
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