Era uma vez um jogador de futebol. Muito engenhoso desde menino, por tremenda coincidência começou a carreira no mesmo lugar do “Rei” — aquele que fez bastante sucesso planeta afora, abriu portas, até guerra parou. Depois de muitos alarmes falsos, chegaram a dizer que um “Novo Rei”, alvíssaras!, havia finalmente caído dos céus.
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Este suposto sucessor jogava muito, de verdade. Hábil, estonteante, tinha a alegria nas pernas e no sorriso. No campo, um monstro. Assombrou o Brasil e, depois, a Europa. Causava pânico nos adversários, fazia até chover, se preciso fosse. Até um argentino, que também sonhava ser rei, o admirava.
De repente nosso gênio mudou o rumo da prosa. Passou a fazer teatro dentro dos campos. Com a espetacularização mundial do cai-cai, virou chacota. Fez escolhas pelo dinheiro. Ficou milionário, mas pobre de sensatez e preocupação com a sociedade.
Machista, parceiro inseparável dos parças, festeiro até mesmo na pandemia da Covid, decidiu investir na carreira de subcelebridade. Era sempre assunto nas redes antissociais. Se transformou num arremedo de ser humano. Chegou a ajudar um amigo condenado por estupro, com boa grana. A imagem do ídolo cada vez mais arranhada e maltratada.
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Ele não jogou sequer uma final de Copa do Mundo. Derrubou todas as expectativas, jamais foi eleito o maior de todos. Neste exato momento está ainda mais rico, ganhando em “petrodólares”, como diriam os antigos. Está lesionado e sumido. Já sente o peso do ocaso. É um ex-jogador em atividade. E, de acordo com especialistas esportivos, um dos maiores desperdícios de talento da história do futebol.
Hoje temos um novo candidato ao trono do rei. Além de jogar demais, ele trava heroicamente uma luta contra o racismo. Os mesmos especialistas esportivos que desistiram daquele outro dizem, agora, que este jovem de 24 anos pode ser coroado com o título de melhor do mundo.
A pressão sobre ele é gigantesca, vem de todos os lados. Os desgraçados preconceituosos racistas que frequentam livremente estádios não o deixam em paz. Basta o jogo começar, os insultos vêm imediatamente.
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O desgaste mental e o esgotamento são intensos. A fama cobra um preço cada vez mais alto. A imprensa futebolística exige que ele seja mais protagonista. Tem cada vez mais dinheiro. Difícil manter-se forte mentalmente. Algumas vezes ele reage com o estômago. A raiva como expressão máxima das dores que sente. Critica os críticos, manda torcedores rivais calarem a boca. Tudo natural. Temos nele um homem em processo de lapidação e amadurecimento.
O ex-jogador Casagrande repetia que, para muitos, o mundo do futebol seria diferente do mundo aqui fora. Como no primeiro podia-se tudo, achavam que na vida real seria a mesma coisa. Invertiam valores. Desconheciam a ética. Perdiam-se por caminhos em que o dinheiro podia comprar e pagar por (quase) tudo. Descobriram que caráter e respeito não encontramos na padaria da esquina. Transformaram-se em péssimos cidadãos.
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Que o “processo de neymarização” nunca contamine este novo diamante chamado Vinícius Júnior.
Os tempos da cadeirada
Passei a gostar de política no começo dos anos 1980, quando participei pela primeira vez de uma cobertura eleitoral. Era 1982. Tinha 21 anos. O Brasil estava começando a se livrar dos militares e daquela perversa ditadura que perseguia, censurava, prendia, torturava e matava.
Ainda havia muito medo no ar, sobre o que se podia ou não falar, por exemplo. Políticos de direita, centro, esquerda batiam boca, discutiam, debatiam nos plenários, se chamavam por apelidos.
Mas naqueles tempos não tínhamos as redes antissociais, não tínhamos gente idiota que queria apenas ganhar fama com ofensas e dinheiro com lacração. Os debates na TV eram até bem-humorados, continham os ataques aos adversários e também ideias e projetos de governo.
Eram outros tempos. Difíceis, mas outros tempos. Tempos em que se respirava alguma alegria e esperança. Diferentemente de hoje, quando vivemos o tempo das cadeiradas.