A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) enviou um ofício ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso sobre a condenação da jornalista Shirlei Alves pela Justiça em Santa Catarina. A entidade alerta que se trata de um caso concreto do assédio judicial a jornalistas e comunicadores.

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Shirlei Alves foi condenada a prisão em regime aberto e a pagar R$ 400 mil em indenização por danos morais ao juiz e ao promotor do caso Mari Ferrer. A jornalista foi responsável por trazer à tona, no site The Intercept Brasil, as imagens da audiência do caso em que a Ferrer foi desqualificada pelo advogado do acusado, que foi inocentado.

A ação movida contra a repórter pelo juiz e o promotor questiona o uso do termo “estupro culposo” nas reportagens para explicar a conclusão do Ministério Público e da Justiça.

Condenação a jornalista do caso Mari Ferrer causa indignação e preocupação

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No ofício enviado a Barroso, o presidente da ABI, Octávio Costa, diz que o caso resultou em uma nova lei no Brasil, para proteger denunciantes em audiências judiciais, e que isto mostra a importância que teve o trabalho de Schirlei Alves. Ele lembra ainda uma conversa entre o ministro e 11 entidades de defesa da Liberdade de Imprensa, no mês passado, quando foram relatados casos de utilização do Judiciário para atingir o trabalho dos jornalistas.

“Diante da injusta, desproporcional e nitidamente corporativa sentença da juíza Andrea Cristina, a ABI recorre a V. Ex.a por entender que esse caso insere-se entre aqueles que o senhor, na conversa com as entidades, advertiu que não podem ser admitidos, qual seja, casos em que o jornalismo é acuado e por isso corre o risco de não conseguir cumprir o seu propósito de divulgar informações de interesse público”.

“Meu nome estará sempre associado a uma ‘absolvição por estupro culposo’ que nunca ocorreu”, diz juiz do caso Mari Ferrer

E completa afirmando que a sentença representa uma ameaça a todos os jornalistas:

“A ABI alerta que a sentença da juíza Andrea Cristina não atinge apenas a nossa colega Schirlei Alves. É uma ameaça e intimidação a todas e todos os jornalistas, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito. Esperamos a pronta e ágil reforma dessa decisão e as devidas providências do Judiciário para por fim a esse contexto de hostilidade e violência aos jornalistas em geral”.

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Veja o ofício na íntegra:

Prezado Ministro,

“Relembrando o encontro em que V. Ex.a gentilmente recebeu onze entidades de defesa da Liberdade de Imprensa, em 16 de outubro pp, quando relatamos o contexto de hostilidade e violência ao quais jornalistas e comunicadores são alvos em processos judiciais abusivos e intimidatórios, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entende necessário alertá-lo sobre o caso específico da jornalista Schirlei Alves, repórter do Intercept Brasil, nos processos 5041519-20.2021.8.24.0023 e 5002530-59.2021.8.24.0082, em tramitação na 5a Vara Criminal de Florianópolis (SC).

Nesses dois autos, a jornalista foi condenada pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de R$ 200 mil, em indenizações, respectivamente ao juiz Rudson Marcos e ao promotor Thiago Carriço de Oliveira, ambos de Santa Catarina.

A condenação da jornalista a um ano de prisão, ainda que em regime aberto, e a uma multa próxima de 300 salários mínimos, encaixam-se no “contexto de hostilidade e violência a jornalistas e comunicadores alvos de processos judiciais abusivos e intimidatórios” tal como nós o alertamos no encontro de 16 de outubro, na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Essas sentenças, exaradas pela juíza Andrea Cristina por suposto crime de difamação a funcionários públicos, confirmam, no entendimento da ABI, todo o assédio judicial a que estão submetidos jornalistas e comunicadores, notadamente em ações movidas por membros do Judiciário, como no caso em tela.

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Em processo que estranhamente corre em segredo de justiça contrariando a regra geral de transparência, Schirlei está sendo punida por ter denunciado em 2020 humilhações sofridas pela influenciadora digital Mariana (Mari) Ferrer, vítima de estupro em 2018, em audiência judicial que terminou por inocentar o agressor da influenciadora.

Humilhações essas praticadas pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, na presença do juiz Marcos e do promotor Carriço, na sala de audiência da 3a Vara Criminal de Florianópolis, em uma das sessões do julgamento do empresário André de Camargo Aranha que, acusado pelo estupro, acabou absolvido.

Surpreendentemente, a reportagem sobre as injúrias à vítima na audiência judicial – que segundo a juíza humilhou seu colega magistrado e o promotor e justificou a condenação da repórter Schirlei – teve efeito diverso no Legislativo e no Conselho Nacional de Justiça.

A partir da publicação, o Congresso Nacional aprovou a Lei Mariana Ferrer (Lei 14.248 de 11/21) visando coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo de crime contra a dignidade sexual.

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Já o CNJ, em sessão na última quarta-feira (14/11), na 17a Sessão Ordinária de 2023, aprovou, por unanimidade, a aplicação da pena de advertência ao magistrado Rudson Marcos, por omissão no julgamento de ação penal que tratava de suposto crime de estupro de vulnerável.

E por permitir e perpetuar a humilhação de Mari Ferrer na sala de audiências. Para a conselheira Salise Sanchotene, relatora do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o magistrado não exerceu o controle necessário na audiência e tampouco repreendeu o advogado: “O magistrado tinha o dever legal de impedir os abusos, evitando assim a revitimização da jovem envolvida no caso”, afirmou.

A ABI entende que a promulgação da lei assim como a recente advertência ao magistrado, evidenciam o acerto do trabalho de Schirlei e sua efetiva função social ao noticiar informações de relevante interesse público.

Ao mesmo tempo, diante da injusta, desproporcional e nitidamente corporativa sentença da juíza Andrea Cristina, a ABI recorre a V. Ex.a por entender que esse caso insere-se entre aqueles que o senhor, na conversa com as entidades, advertiu que não podem ser admitidos, qual seja, casos em que o jornalismo é acuado e por isso corre o risco de não conseguir cumprir o seu propósito de divulgar informações de interesse público.

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A ABI alerta que a sentença da juíza Andrea Cristina não atinge apenas a nossa colega Schirlei Alves. É uma ameaça e intimidação a todas e todos os jornalistas, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito. Esperamos a pronta e ágil reforma dessa decisão e as devidas providências do Judiciário para por fim a esse contexto de hostilidade e violência aos jornalistas em geral.

Certos da sua compreensão colocamo-nos ao inteiro dispor para quaisquer esclarecimento”.