A federalização da Autoridade do Porto de Itajaí, anunciada nesta terça-feira (17), fecha um ciclo que, nos últimos dois anos, foi marcado por sucessivas crises. Único porto municipalizado do país, e parte do segundo maior complexo portuário de operação de contêineres no Brasil, o terminal passou por um abalo sem precedentes. De janeiro de 2023 a 2024, nenhum navio com cargas conteinerizadas – o filé do setor portuário – atracou em Itajaí. Isso causou uma série de perdas, e ameaçou a maior economia de SC.

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O contrato de arrendamento do Porto de Itajaí com a gigante APM Terminals – subsidiária da dinamarquesa Maersk – tinha duas décadas e prazo para terminar: 31 de dezembro de 2022. Era responsabilidade da União – mais especificamente, do Ministério dos Transportes, tocado pelo atual governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas – executar uma nova concessão em tempo hábil para que houvesse uma transição sem solavancos. Mas isso não aconteceu.

O Ministério da Infraestrutura divulgou três datas previstas para lançar o edital de concessão. Nenhuma delas foi cumprida.

Havia um impasse em relação ao modelo de gestão proposto pelo governo federal. A Secretaria Nacional de Portos pretendia conceder não apenas a operação portuária – como é de praxe, já que a lei brasileira obriga que a movimentação dos portos seja privada. O plano era conceder também a autoridade portuária, que é a gestora do porto, responsável pelas questões “macro”, como a gestão do canal de acesso e a solução de conflitos.

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A prefeitura de Itajaí era contrária ao modelo – e não estava sozinha. Especialistas do setor avaliavam que entregar a autoridade portuária à iniciativa privada era um tiro no escuro. Em todo o mundo, prevalece o modelo chamado “landlord”, em que a operação é privada, mas a autoridade portuária é pública. Isto leva em conta questões de soberania nacional. Funciona assim em gigantes do setor como Estados Unidos, China, e também na União Europeia.

A exceção à regra é a Austrália, que usa o modelo que estava sendo proposto para Itajaí pelo governo. O país da Oceania não está entre os grandes players de navegação, e possui problemas como taxas excessivamente caras – o que, na avaliação dos especialistas, era um alerta para o Brasil.

Ocorre que o município de Itajaí não foi convincente ao defender a autoridade portuária pública e municipal. Faltou apoio do Governo do Estado, da bancada no Congresso, e das entidades empresariais. Com uma estrutura inchada no Porto de Itajaí, o assunto descambou da área técnica para a política, sob a acusação de que a prefeitura procurava manter um “cabide de empregos”. Sem conseguir justificar satisfatoriamente a necessidade de manter a autoridade pública, o município acabou vencido.

Essa discussão, no entanto, não era impeditiva para que o governo federal tocasse em frente o leilão do porto – tanto, que o edital chegou a ser concluído e enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU). Mas, sem perspectiva de finalizar o processo, em novembro o governo Bolsonaro estendeu provisoriamente o direito da prefeitura de Itajaí de tocar a autoridade portuária.

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Àquela altura, já havia se criado um clima de incertezas e de insegurança jurídica que foi fatal para o porto. Autorizou-se um contrato tampão para que o terminal não ficasse sem operador – mas as linhas, os navios, já haviam negociado com outros portos.

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O governo federal mudou em janeiro de 2023, mas o impasse permaneceu. As tentativas da Superintendência do Porto de Itajaí de contratar um operador temporário foram frustradas. A responsabilidade recaiu sobre a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) – mas o edital resultou na contratação de uma empresa sem experiencia no setor e sem capacidade financeira para reabrir a operação.

O processo só caminhou quando a concessionária original, a empresa Mada Araújo, teve as cotas adquiridas pela multinacional brasileira JBS. Foi quando o porto foi novamente alfandegado e passou a receber navios.

As discussões da prefeitura de Itajaí com o governo federal sobre a renovação do convênio de delegação ocorrem desde 2023. Havia, inicialmente, concordância por parte do Ministério dos Portos e Aeroportos e uma promessa do então ministro, Marcio França, de assinar o documento. Mas o cenário em Brasília mudou.

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A eleição de Robison Coelho (PL) para a prefeitura de Itajaí é apontada, nos bastidores, como o estopim para a mudança de posição do governo federal. O movimento foi encabeçado pelo presidente do Sebrae, Décio Lima (PT), e já se estendia há mais de um mês. A falta de diálogo entre o governador Jorginho Mello (PL) e o presidente Lula (PT) travaram as negociações. Jorginho buscou o ministro Silvio Costa Filho na semana passada, mas a decisão já estava tomada internamente.

Com a federalização da autoridade portuária, Itajaí voltará – ao menos  temporariamente – a ser um porto subordinado ao Porto de Santos. No passado, esse arranjo não funcionou e levou entidades políticas e empresariais a se mobilizarem pela municipalização, que ocorreu nos anos 1990. Pelo bem da economia de SC, a expectativa é que, desta vez, o governo federal acerte a mão.

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