Eram 21h28min de 2 de outubro de 2022 quando o resultado oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi divulgado no Estado. Pela primeira vez, a esquerda disputaria o segundo turno para o Governo de Santa Catarina. Décio Lima, candidato do PT, enfrentaria o PL de Jorginho Mello nas urnas, semanas depois.
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O enredo já vinha sendo “cantado” pela esquerda em Santa Catarina. A expectativa era que, diante da concentração de candidatos à direita, brigando pelo voto bolsonarista, a pulverização alavancasse a única candidatura do campo de oposição, “de carona” com Lula. Décio ficou longe de uma votação estridente. Fez pouco mais de 17%. Mas foi o suficiente para levar a esquerda a uma posição até então inédita em SC.
Jorginho, que levou o 22 de Bolsonaro às urnas, fez 70% dos votos e ganhou a eleição. Mas o PT saiu do segundo turno com uma votação de 1,2 milhão de eleitores. Dois anos depois, a esquerda ainda não conseguiu consolidar esse potencial capital político – e nada contra a corrente para evitar que o segundo turno de 2022 não passe de um sonho de uma noite de verão.
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“Não concordo que SC seja de direita”
A esquerda catarinense segue em busca brechas para se firmar no estado que se tornou o “eldorado” da direita no Brasil. Apesar de votações relevantes no legislativo em 2022 – teve o segundo deputado federal mais votado de SC (Pedro Uczai) e a segunda deputada estadual mais votada (Luciane Carminatti) – o campo de esquerda está isolado do centro. Partidos como o PSD, PP e Republicanos, que estão na base do governo Lula em Brasília, em Santa Catarina estão ligados à direita e em busca do “efeito Bolsonaro” para turbinar as candidaturas locais.
— Não concordo que Santa Catarina seja um estado de direita. O PT já governou grandes cidades, como Blumenau, Joinville e Itajaí, já tivemos um grande número de vereadores em todo o Estado. Já tivemos 10 deputados estaduais e cinco federais. Só que passamos, o PT especialmente, por um período de criminalização do partido — avalia a deputada federal Ana Paula Lima (PT), vice-líder do governo Lula na Câmara.
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Maior legenda de esquerda em Santa Catarina, o PT usará nas próximas eleições municipais a estratégia de pulverizar candidaturas. Será o maior número de candidatos petistas entre os estados brasileiros: 167 candidatos a prefeito, 130 candidatos a vice e quase 1980 candidatos a vereador em todo o Estado.
É um recorde e uma virada, após um período de esvaziamento que culminou nas eleições municipais de 2020 – quando, com exceção de Florianópolis, onde Elson Pereira (PSOL) reuniu a maior frente de esquerda do país, com PT, PDT, PCdoB, PSB, Rede, Unidade Popular e PCB – o campo teve dificuldades para se articular.
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A estratégia de lançar o máximo de candidaturas possível em 2024 passa por uma demarcação de território: apresentar-se ao eleitor mesmo nos lugares onde há poucas chances de vencer, para manter o capital político mobilizado. É um modelo que não é novo na esquerda catarinense.
“De carona” com Lula
Há dois objetivos na estratégia de ampliar as candidaturas à esquerda. De um lado, aumentar a visibilidade das lideranças e das pautas de esquerda. De outro, ampliar o espaço para defender e divulgar os feitos do governo federal, num “ensaio” para o projeto de reeleição de Lula em 2026.
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— O governo federal vai fazer com que a direita dialogue e se afaste da extrema direita. No último mês, o Sul do país deu 6% a mais de aprovação ao nosso governo — avalia, otimista, o deputado federal Pedro Uczai (PT), citando recente pesquisa nacional sobre a avaliação de Lula em todas as regiões do país.
Algumas apostas do governo federal têm sido nesse sentido, para tentar mudar o foco das discussões – ao invés da pauta de costumes, a infraestrutura, por exemplo, com ampliação de investimentos no Estado.
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Por outro lado, a deputada federal bolsonarista Carol De Toni (PL), presidente da Comissão e Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, descreve uma espécie de ressentimento do eleitorado catarinense com a esquerda. Ela avalia que há uma distância entre os valores conservadores, com os quais a maior parte dos eleitores no Estado se identificam, e a política progressista de esquerda – o que, em sua análise, fez que a votação que SC deu a Lula em 2002 não se repetisse.
— Mesmo no apogeu do governo Lula, Santa Catarina nunca foi governada pela esquerda. De presente, somos o estado mais seguro do Brasil, com índices econômicos, educacionais, além dos índices de empregos, dentre outros destaques, de dar inveja. Ao contrário dos estados governados pela esquerda, que sofrem as duras consequências dessa escolha.
Para Guilherme Russo, cientista político e diretor de Inteligência e Insight na Quaest Consultoria e Pesquisa, a calcificação política, que divide o eleitorado, tende a ser um obstáculo para a esquerda em SC:
— Apesar da melhora econômica ser fundamental para a avaliação do governo, vivemos tempos de polarização e um sentimento antipetista enraizado. O que dificulta reverter essa melhor avaliação do governo em votos para o Partido dos Trabalhadores — diz.
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O desafio, para a esquerda, é ampliar um eleitorado que hoje se concentra especialmente em duas regiões, segundo os institutos de pesquisa – no Oeste, com base na agricultura familiar e no sindicalismo, e na Grande Florianópolis, onde está conectada com pautas ambientais, LGBTQIA+ e com o funcionalismo público.
— Espaço a esquerda tem para crescer, o quanto é que não sabemos tão bem. No horizonte tem essa força de partidos e lideranças conservadoras, que parecem muito coordenadas em torno do Bolsonaro, e na esquerda muito menos em reação ao próprio Lula. Um desgaste de governo estadual, seja com Jorginho ou outro governador, pode criar uma oposição mais forte, uma confluência. Mas, no cenário de um curto espaço de tempo, acho pouco provável esse tipo de alinhamento — diz o cientista político Tiago Daher Padovezi Borges, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC.
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