Esqueça a imagem de um Brasil plural, miscigenado e gigante. Este Brasil que emerge das sombras, e que mostrou a pior face neste domingo, nas manifestações contra o aborto garantido por lei à menina de 10 anos, estuprada pelo tio, é o retrato de um país atrasado, desumano e fundamentalista. Um Brasil que já não se reconhece no espelho.

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Vítima do mais odioso dos crimes, a criança que teve a infância interrompida pelos abusos foi jogada aos leões. Gente que se diz de bem, mas foi capaz de chamá-la de assassina e de violentá-la mais uma vez, expondo seus dados confidenciais, como nome e endereço – o que é expressamente proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

O The Intercept Brasil mostrou como a extremista que mobilizou a reação ao aborto monetizou o horror nas redes sociais. E como as empresas que operam essas redes de relacionamento foram omissas ao deixar que a criança fosse exposta contra a lei, o bom senso e o senso de humanidade.

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A tragédia dessa criança desnudou o que temos de pior. A começar pela falta do Estado, que falhou miseravelmente em prevenir e coibir a pedofilia. E, depois, em garantir à menina o último direito que lhe cabe por lei, que é o de interromper uma gravidez provocada por um estuprador.

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Revelou, enfim, a face desse Brasil terrivelmente medieval, onde é mais difícil tolerar um aborto do que o estupro de uma criança.

Os cidadãos “de bem” brasileiros, tão indignados com o aborto que lhes fere as crenças, poderiam usar o mesmo ímpeto para lutar pela vida das milhares de crianças que vivem em condições miseráveis. Que são expostas ao trabalho infantil e a violências de todos os tipos. O problema é que, para os arautos da vida, basta nascer.

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