A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) lança neste domingo, no intervaldo do Fantástico, a Escola S, rede integrada pelo Sesi e Senai que vai oferecer educação com ênfase na área técnica, juntamente com conhecimento socioemocional. Com o conceito “Uma escola, muitas escolhas”, a nova instituição visa formar pessoas para o trabalho e para a vida, diz o presidente da Fiesc, Mario Cezar de Aguiar. A metodologia seguida é a STEAM, sigla inglesa em destaque no momento que mostra a importância de aliar ensino de ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática, explica o diretor de Educação e Tecnologia da federação, Fabrizio Machado Pereira.
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Segundo ele, a Escola S, que se propõe a ser uma referência estadual e nacional, inclui desde a pré-escola até o ensino médio. A habilidade em matemática será impulsionada com a plataforma britânica de games Mangahigh e as habilidades sócio-ambientais terão know-how internacional oferecido pelo Instituto Ayrton Senna. O plano é fazer uma implantação gradativa, comenançando ainda este ano se a pandemia permitir. Saiba mais sobre o novo modelo na entrevista de Fabrizio Pereira, a seguir.
Como será a Escola “S”?
Até em 2018 nós tínhamos uma escola de ensino médio gerida pelo Senai enquanto a rede nacional de escola de ensino básico sempre foi gerida pelo Sesi. Na gestão do presidente (da Fiesc) Mario Cezar de Aguiar a gente fez um reposicionamento. Mas não queríamos jogar toda tradição de 15 anos do Senai fora. Os próprios alunos dessa rede de ensino médio têm muito orgulho de pertencer ao Senai. Então, posicionamos esse produto para ele não ser estranho em Santa Catarina, que esteja alinhado à rede nacional e, ao mesmo tempo, que a gente não perca o histórico e gere mais sinergia das competências do Sesi com as do Senai. A nova base nacional comum curricular exige que tenhamos o novo ensino médio integrado com uma proposta de formação profissional. Isso ocorre há muitas décadas em países como a Alemanha, Áustria, França e Suíça. Chega muito recente ao Brasil. Nós estávamos numa linha equivocada, encaminhando o aluno para graduação, para a formação de bacharéis, quando temos uma grande demanda por profissionais de nível técnico. Então, envolvemos 800 especialistas internos e externos para idealizar a nova Escola S.
Esse “S” simboliza Sesi e Senai, mas também uma escola com uma proposta simples, sinérgica que traga toda uma lógica de superação, de ensino muito voltado ao STEAM, que é o acrônimo (em inglês) de ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática.
Aí começa o primeiro pilar da nossa proposta. Não queremos ser uma escola tradicional, mas que forme mentes criativas, com pensamento crítico, pessoas que consigam aliar teoria e prática e sejam muito engajadas com o mundo do trabalho.
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A proposta é oferecer mais liberdade ao aluno para escolher sua formação?
Sim. Se o plano do aluno é empreender, se vai ser um profissional, seguir uma carreira técnica, uma carreira baseada numa graduação, isso deve ser uma escolha dele. Por isso a gente até fez um jargão: Uma escola, múltiplas escolhas. A gente precisa oferecer a esse jovem múltiplas saídas com essa proposta pedagógica. Uma delas é grande fundamento nas áreas de tecnológica, ciências e matemática.
A outra área é, ao fim e ao cabo, a questão sócioemocional, o que nos mantém empregados. As pessoas são exigidas para ter colaboração, cooperação, resiliência. Então essa escola entra nesse cenário também. Ela precisa gerar autonomia, gerar capacidade desse jovem tomar suas decisões. Hoje a gente vê muita insegurança do jovem, principalmente esse que chega na reta final do ensino básico. Ele sofre muito para tomar uma decisão porque não foi preparado para as dificuldades, para a derrota, para se reeguer, para construir com os outros, para cooperar de verdade, para ter um pensamento crítico, ter um pensamento próprio sobre as coisas. A gente vê um “gap” muito grande nessas novas gerações. E, certamente, não falta potencial porque quando você dá as condições, dá os recursos e permite que eles sejam protagonistas em sala de aula, eles são talentosos. Temos grandes modificações a serem implementadas nesse processo.
Como estão preparando os professores para implementar isso?
– A grande maioria dos docentes não está preparada para ensinar nessa nova era. É preciso começar pelo ‘mind set”, isto é, a forma de pensar do professor. Estamos promovendo formação para que ele não seja apenas um professor tradicional, mas que seja um orientador, moderador, um educador, um coach, um mentor dos alunos, um facilitador do processo educacional. E o aluno têm que protagonizar. Por isso prevemos uma série de aulas laboratoriais, aulas práticas, projetos baseados em problemas onde o aluno alia conhecimento científico e competências sócioemocionais. É um processo que vai empoderando as competências sócio-emocionais, as soft skills e, ao mesmo tempo exigindo profundos fundamentos nos projetos com uso de matemática, tecnologia, ciência e outras.
Você pode dizer que isso muitas escolas proporcionam, mas não dentro de uma nova proposta de matriz curricular, onde os alunos começam a escolher que disciplinas vão estudar. Muitos modelos não permitem ao aluno escolher disciplinas. Em três anos, no caso de um ensino médio, ele precisa cumprir um mínimo de disciplina, mas as escolas tradicionais estabelecem as grades. Não estabelecem uma grade para o aluno escolher e seguir seu itinetário. Se ele vai seguir na área de engenharia, se vai para a área de humanas ou ciências da saúde.
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Essa proposta é muito contemporânea para o que se pretende para o mundo do trabalho. Com a Escola S, pretendemos formar profissionais para o futuro e para a vida. Para o futuro da indústria, sim. Somos mantidos pela indústria, é obvio que vamos priorizar disciplinas orientadas para a demanda da indústria, mas se por escolha pessoal do jovem ou da família desse jovem a opção será outro caminho, ele seguirá seu caminho. Terá que alcançar um bom desempenho no Enem. No ensino fundamental terá que fazer a Prova Brasil. Mas ele vai ter uma forte carga de teoria versus prática para ter um diferencial no mercado de trabalho.
Como vocês chegaram a esse programa da Escola S?
A gente fez escuta ativa. Ouvimos alunos, pais dos alunos, as indústrias. Ouvimos empregadores de fora para dentro ao invés de construir um produto de dentro para fora. A gente precisa trabalhar muito sobre esses dois pilares aí, que são as habilidades socioemocionais e ciências. O Brasil está ainda numa situação muito desconfortável quando a gente olha os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), espcialmente a prova do PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. É um teste que mede o desempenho do aluno em linguagem, ciências e matemática. Infelizmente, nós estamos nos últimos lugares desse ranking. Isso não é numa avaliação, mas é uma série histórica, o que é vergonhoso para nós. Isso reflete muito no nosso ranking de inovação, de competitividade, no nosso ranking de patentes, de produção científica. Tudo isso reflete de alguma forma no mundo da economia, no mundo do trabalho.
Lamentavelmente, a gente tem um déficit muito grande nesse sentido. Somos muito cientes que não daremos conta dessa demanda, mas precisamos, ao invés de reclamar, ser referência para que a escola pública consiga se espelhar, adotar essas práticas, e que a gente ajude a elevar o nível, que a gente suba a barra em termos de performance dos nossos alunos, na educação básica. Essa é uma das nossas pretenções na nossa proposição. A gente percebe há muito tempo o departamento nacional do Sesi vem trabalhando com isso, mas a gente tentou descer no nível operacional. Fizemos vários benchmarkings em nível internacional. A Escola S pretende adotar metodologias ativas para o aluno ser o principal agente na sua trajetória acadêmica e, no caso do professor, orientá-lo para ser um guia atento nas formações que podem ser trilhadas pelo estudante. Ele é um coach.
Essa nova escola considera as demandas que surgiram durante a pandemia?
Sim. Tivemos muitos aprendizados durante a pandemia. O que pretendíamos fazer em dois anos, tivemos que fazer em dois meses. Em primeiro lugar, aprendemos que precisamos ser efetivos no mundo digital. Pelo nível dos nossos professores, acreditávamos que todos estavam aptos para usar as tecnologias. Mas vimos que não era bem assim. Aí aproveitamos o início da pandemia para fazer formações permanentes dos nossos professores, tanto para o uso de tecnologias quanto para conduzir uma aula online, como ser objetivo numa aula e como produzir conteúdos com as pessoas em home office, compartilhando, revisando, validando os produtos e colocando no ar. Isso parece trivial, mas não foi. O aprendizado foi muito acelerado. Nós produzimos uma quantidade muito grande de conteúdo.
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Nós transferimos quase 70% do nosso conteúdo físico para o meio online em três meses. Aprovamos no conselho regional do Senai em maio 23 cursos técnicos online. Eles já estão rodando no mercado.
Nós produzimos, nesse período, mais de 15 mil novas matrículas, todas elas em meio digital. A gente acelerou muito fortemente. Percebemos que o S da Escola S tem que ser também de superconectada. A gente precisa ser uma escola de referência no mundo digital. A gente precisa trazer esse mundo digital para as crianças de seis a 12 anos e precisamos de conteúdos digitais para quem está na pré-escola, que são as crianças de três a seis anos. Esse é o grande desafio de uma escola que tem a ambição de ofertar toda uma jornada para o estudante, desde a pré-escola até a pós-graduação, mas que a gente já comece a incutir um DNA digital nessas crianças porque esse é o novo mundo. É um processo que só vai se acelerar. Utilizamos uma série de plataformas. Tínhamos em casa tecnologias subutilizadas do Google, Microsoft e Geek. Elas são, agora, essenciais.
Essas ferramentas já oferecem conteúdo pronto ou são apenas plataformas digitais para o professor falar com seus alunos?
Tínhamos ambas. Plataformas interativas que permitem o trafego de conteúdo. Algumas customizaas para o nosso processo de ensino e tínhamos, também, banco de recursos didáticos disponíveis como simuladores, realidade virtual, realidade aumentada. São conteúdos que já vínhamos trabalhando ao longo dos anos, mas utilizando pouco, apenas como suporte a uma aula presencial, quando, na verdade, não tem mais aula presencial.
Agora é virtual. Tenho que performar como estratégia de aprendizado. O professor precisa usar uma ferramenta do Google, por exemplo, para performar na aula e no pós-aula. Teve aí uma troca de “chave” rápida. Fiquei muito animado porque as equipes responderam muito bem. A grande maioria dos professores teve uma rápida adaptação. Hoje, estamos muito mais preparados. A própria Secretaria Estadual de Educação tem nos procurado para desenvolvermos alguns projetos em conjunto. Parece que a gente está indo para um caminho sem volta.
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Um dos grandes desafios é ensinar matemática para que os estudantes tenham um aprendizado melhor. Quais são os caminhos?
Desde 2015 nós estamos associados com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) numa parceria com a empresa britânica chamada Mangahigh. É uma empresa que oferece soluções didáticas por meio de games.
Nós temos acesso a 60 mil games distintos, de formação na matemática. Então tem toda uma proposta lúdica, que trabalha desde a álgebra, passando pelas questões logarítmicas, de trigonometria, e de cálculos mais complexos.
A gente pode utilizar para o ensino fundamental e eventualmente para o curso de engenharia. Hoje existem games muito bem qualificados e usamos uma solução. Não é a única do mercado. Ela foi adapatada às nossas necessidades. Hoje a gente participa de campeonatos nacionais e internacionais. Agora, com a pandemia, são torneios online, por isso é um grande atrativo para juventude. A aprender matemática agora é mudar de fase no game, não é fazer uma prova xarope, chata que você tem que estudar um conteúdo que você não sabe para que que serve, e que você nunca vai usar na tua vida.
Então quando você tem uma estratégia atrativa, está competindo com amigos, competindo em times, você tá mudando de fase. No final, isso tudo vai ser base para um projeto de alguma tecnologia, uma construção de um robozinho. Vai ser super bacana, vai colocar em prática, vai aprender a calcular peso. Aquele robô vai competir no campeonato com outras escolas do Brasil. O estudante começa a colocar a mão na massa, produziu um robô, mas aprendeu uma carga de matemática. A nossa aposta é que isso não precisa ser uma coisa chata. Tem que ser agradável. Então, para essa ludicidade temos solução pronta.
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Outra coisa que aparece no STEAM é a arte. Por que que a arte é importante junto com a ciência e a matemática?
Eu arrisco dizer que o ser humano é estético. Os produtos da indústria são baseados em design. E mesmo quando é um serviço, tem que ter design, tem que ser de fácil uso, fácil acesso, uma experiência agradável para o cliente. Então, design está em tudo. Arte é o princípio para aprender design. Sem arte você não têm criatividade. Sem arte você não faz abstração, não extrapola seus limites, não sai fora da caixa e não consegue fazer design. Você não consegue elaborar produtos, processos e servios viáveis para a sociedade. A arte é defensável por essa ótica.
Que o diga Steve Jobs, que sempre usou o design…
Veja o iPhone. É uma coisa óbvia. Mas ninguém pensou isso antes. Ele conseguiu colocar no produto uma coisa intuitiva, o touch screen.Isso, na verdade, é a essência do que a criança faz. A escola precisa criar ambientes mais propícios para o aprendizado.
Como será o ensino de habilidades sócioemocionais na Escola S?
A gente está com a consultoria do Instituto Ayrton Senna, que é uma referência Internacional na formação de docentes no campo das competências socioemocionais. São metodologias utilizadas por todas as grandes instituições do mundo. Tem várias dimensões, como a de cooperação, de aprendizagem coletiva, aprendizagem colaborativa, de empoderamento do indivíduo, de gerar autonomia na criança, fazer com que ela seja mais segura, mais crítica, mais analítica, mais construtiva. Todas essas questões podem ser trabalhadas.
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Hoje, as pessoas são admitidas pela habilidade técnica e demitidas pela falta de competência socioemocional. Eu acho muito importante construir essa base.
A gente vai passar por várias transformações e precisamos que essa juventude esteja preparada para as mudanças que estão vindo. E nas empresas se espera isso, em qualquer meio se espera isso, no meio da Indústria, de serviços, e o que não for mecanizado e automatizado, vai exigir profunda capacidade socioemocional, porque os aspectos técnicos estão cada vez mais disponíveis. A pessoa que tem a mínima retenção de conteúdo vai conseguir acessar esse conteúdo, mas a inteligência emocional não se forma de uma hora para outra, você é o que é, mas enquanto jovem você pode ser estimulado a desenvolver determinados talentos e capacidades.
Qual será a abrangência da nova escola?
– A Escola S oferece educação da pré-escola, a partir dos 3 anos, até o ensino fundamental e médio, que é concluído com 17 ou 18 anos. Temos 6,5 mil alunos. Contamos com 15 escolas em igual número de cidades e poderemos ampliar, no futuro, no máximo para 20. Nosso plano não é ter 200, mas elas precisam ser as melhores das suas comunidades. O objetivo definido na Agenda 2030, pelo nosso presidente (da Fiesc) Mario Cezar de Aguiar é posicionar a Escola S como uma referência na sociedade local, que ajude o desenvolvimento da indústria e de outros setores É uma proposta de escola para Santa Catarina, mas já há projetos para nacionalizá-la. Como o Brasil é muito grande, a gente precisa adaptar essas necessidades ao público de cada região.
Será uma instituição no modelo privado, paga?
Sim! É uma escola paga, focada em sua maior parte para filhos de industriais. Mas estamos estudando para ter uma parcela menor de alunos da comunidade. Por ser mantida pelo Sesi e pelo Senai, vai focar acesso aos filhos de trabalhadores da indústria.