Entre os grandes desafios dos setores educacionais está ensinar para crianças que aprendem de forma diferente, mas são inteligentes e precisam do estudo para ter uma carreira. Por isso, o casal de empresários de Joinville Vanessa Doubrawa Bertani e Guilherme Bertani, acionistas da empresa Docol, decidiu criar uma organização do terceiro setor que trabalha a criança, a família e o professor. Eles fundaram o Instituto You.up em maio de 2021 que já atendeu 800 crianças, das quais quase 300 em 2025.

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São crianças com transtornos de dislexia, TDAH, discalculia, dispraxia, dificuldades motoras e transtorno de processamento auditivo. Elas são atendidas pelo You.up, que na tradução do inglês significa “Você para cima”.

Veja mais imagens sobre o Instituto You.up:

– O Instituto You.up foi fundado por mim e pelo meu marido Guilherme. A ideia surgiu durante a pandemia. Temos um filho com dislexia e TDAH e, naquele período, conversando muito, percebemos como foi difícil encontrar profissionais qualificados e adequados – explicou a empresária.

Vanessa Bertani destacou que o You.up tem como slogan principal “educação é para todos”, não apenas para parte das crianças. A instituição articula atendimentos para cada desafio de aprendizado. Entre os desafios está a busca de doações, tanto via lei de incentivo, quanto outras. Saiba mais sobre a jornada do instituto na entrevista exclusiva a seguir da presidente Vanessa Bertani.

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Como surgiu a ideia de criar o Instituto You.up em Joinville e quais são os objetivos dele?

– O Instituto You.up foi fundado por mim e pelo meu marido Guilherme. A ideia surgiu durante a pandemia. Temos um filho com dislexia e TDAH e, naquele período, conversando muito, percebemos como foi difícil encontrar profissionais qualificados e adequados. Se já era difícil para nós, imaginamos como seria para quem depende da escola pública, que muitas vezes não dispõe de recursos financeiros ou conhecimento para oferecer suporte. Muitos professores não têm formação para lidar com essas situações.

Então começamos a pensar: como essas crianças ficam? Depois de muitas conversas, decidimos montar um instituto familiar. Nós dois investimos, fundamos o You.up, que completou quatro anos agora em setembro. Optamos por um modelo diferente, baseado em parcerias. Hoje temos cerca de 50 parceiros: médicos, neuropediatras, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, psicólogos, psicopedagogos – o maior grupo, além de fonoaudiólogos – terapeutas ocupacionais e psicomotricistas.

Muitos desses profissionais atendem crianças do You.up com valor social, e alguns realizam atendimentos voluntários. Por isso conseguimos chegar ao número de 50 parceiros: cada um contribui atendendo um grupo de crianças. Além disso, estruturamos o instituto com foco também na relação com a escola e com os professores. Como o professor fará um material adaptado, uma prova adaptada ou identificará sinais de que algo não vai bem, se não tiver conhecimento?

Por isso criamos um programa de treinamento para professores. Já capacitamos mais de 3 mil professores em quatro anos. Também atendemos mais de 800 crianças nesse período. Hoje acompanhamos cerca de 220 crianças fixas, com atendimentos semanais, além de outras 69 no programa PEI e no programa Lógica do Pensar, conduzido por uma psicopedagoga nossa que atua dentro das escolas.

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O programa envolve duas frentes. Uma delas trabalha matemática básica com crianças do primeiro ao terceiro ano, utilizando jogos como ferramenta pedagógica. A outra frente utiliza uma metodologia israelense desenvolvida por Feuerstein, voltada para intervenções em diversas dificuldades. Os resultados são extremamente positivos. As sessões ocorrem duas vezes por semana. Atualmente, temos quatro turmas, com uma média de 45 a 50 crianças.

Esse programa é apenas para crianças com dificuldades em matemática, esse método israelense?
– A Lógica do Pensar é focada em matemática. Já o método Feuerstein atende diversas dificuldades. 

O instituto como um todo atende dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos. Não se restringe à dislexia, certo?
– Exato. Atendemos TDAH, por isso temos neuropediatra e outros profissionais. Também contamos com uma advogada voluntária que auxilia as famílias na obtenção de medicamentos via sistema público, quando necessário.

Vocês atendem autismo também?
– Não! O autismo nós não acompanhamos diretamente. Realizamos diagnósticos, porque muitas famílias chegam após anos na fila por atendimento especializado. O autismo nível 1, por ser mais sutil, pode ser confundido com outras questões. Já fizemos o atendimento com fechamento de diagnóstico de autismo para mais de 60 crianças”. Não mantemos esse atendimento dentro do instituto, mas encaminhamos para a rede pública, garantindo que tenham acesso à educação especial.

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As assistentes sociais ajudam nesse processo. Também identificamos casos de deficiência intelectual e encaminhamos para instituições especializadas da cidade. Assim, permanecemos com as crianças que apresentam dificuldades e transtornos de aprendizagem. São casos de Dislexia, TDAH, discalculia, dispraxia, dificuldades motoras e transtorno de processamento auditivo.

O transtorno de processamento auditivo é surdez?
– Não. A criança escuta, mas tem dificuldade em processar a informação. Às vezes entende apenas fragmentos. Nós avaliamos e, quando identificado o transtorno, realizamos um treinamento específico para que a criança possa acompanhar melhor as atividades escolares. Com esse acompanhamento, ela começa a compreender melhor. Não é dislexia; primeiro descartamos essa hipótese. Em cerca de seis meses de tratamento em cabine, resolvemos de 80% a 90% dos casos. Em alguns, nem é necessário permanecer no instituto.

Também fornecemos orientações para a escola: onde a criança deve sentar-se, como organizar o material, entre outras. Esse é o nosso trabalho com as crianças. Há também casos de dificuldade de aprendizagem decorrentes da pandemia, muitas não aprenderam a ler ou não acompanharam a matemática. Nessas situações, ficamos cerca de um ano com acompanhamento pedagógico e conseguimos resolver.

E vocês identificam também problemas de visão?
– Sim, acontece. Às vezes alguma parceira nossa comenta: “Estou desconfiada de que esta criança tem problema de visão.” Já atendemos uma criança com miopia altíssima, e o problema dele não era aprendizagem, ele simplesmente não enxergava a lousa. Não sabemos como isso não foi identificado, porque as escolas públicas fazem triagens de visão. Nesse caso, levamos o menino à nossa oftalmologista parceira. Temos, também parceria com uma ótica, que doa os óculos. Ele recebeu os óculos e o problema estava resolvido.

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Então esse foi um desafio resolvido?
– Exatamente. Hoje, quando percebemos necessidade, encaminhamos para oftalmo, otorrino ou outras especialidades. Temos inclusive ortodontista, porque problemas respiratórios podem agravar dificuldades de foco em quem tem TDAH. Temos um grupo bem completo. São situações que exigem avaliações multidisciplinares. O poder público não oferece esse tipo de acompanhamento, e na rede privada o custo é muito alto.

As famílias que atendemos estão em situação de vulnerabilidade, com renda familiar de até quatro salários-mínimos, ou são bolsistas, seja de escola pública ou de escola particular com bolsa integral. Já tivemos casos de crianças bolsistas em escolas particulares, com TDAH, que estavam prestes a perder a bolsa. Conseguimos intervir e garantir a continuidade.

Como funciona o atendimento do instituto? É totalmente gratuito para as famílias?

– É gratuito para as famílias. Quando há valor social, quem paga é o instituto.

Quais as fontes de renda do You.up? Vocês recebem doações por leis de incentivo e outras?

– Estamos justamente buscando isso. Joinville ficou muito tempo sem publicar o edital do FIA, o Fundo da Infância e Adolescência. Foram mais de dois anos sem edital, justamente quando mais precisávamos, enquanto o fundo tinha recursos disponíveis.

Nós fomos conversar com o prefeito (Adriano Silva). Essa gestão é feita por um comitê gestor, uma autarquia. Em algumas cidades é possível escolher a instituição beneficiada. Em Joinville, isso não é permitido. Empresas e pessoas físicas precisam doar para o FIA municipal. E o fundo distribui conforme provação dos projetos no edital do FIA Municipal. Nós estamos montando o grupo do terceiro setor dentro da Acij para que a gente possa fazer um trabalho conjunto. 

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Pessoas e empresas podem doar anualmente pelas leis de incentivos, mas a maioria não faz isso, o que limita os recursos…

Agora, a gente está dentro de um FIA estadual. Aí temos algumas empresas amigas You.up, que são as que mais doam.

Como o instituto obtém todos os recursos necessários para as atividades que desenvolve?

– Então a gente precisa se manter fazendo eventos, inclusive beneficentes. Este ano fizemos o 3º Simpósio sobre Transtornos de Aprendizagem (que é nacional, até com abrangência internacional). Temos algumas empresas que apoiam esse evento, que tem crescido em relevância.

Importante destacar que todos os atendimentos às criança são gratuitos, graças a doação de pessoas físicas e empresas que apoiam o projeto, além de eventos beneficentes e projetos para ajudar na manutenção. Inclusive agora, no período de 02 de dezembro 92025) a 04 de janeiro de 2026 estaremos numa grande campanha de doação para beneficiar mais 50 novas crianças em 2026 (para doar basta acessar o site www.institutoyouup.org.br e clicar em “seja um doador”).

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Quantas pessoas integram a equipe do You.up?

– Hoje, temos três psicopedagogas no instituto, mas elas trabalham muito com a triagem dos alunos. Elas ajudam na triagem: “para onde encaminho?”, “O que faço?”. Temos também três assistentes sociais que atendem as famílias e dão todo o apoio. Na parte administrativa são três pessoas envolvidas com encaminhamentos para parceiros, financeiros e projetos. E há uma psicopedagoga que atua na gestão técnica e também nos atendimentos em grupos. ‎

A outra faz mais a parte do monitoramento. Acompanhamos para saber: evoluiu? Não evoluiu? Por quê? Às vezes precisa ir antes ao psicólogo, porque está com autoestima muito baixa. A gente retira dali e encaminha. É algo vivo. Não é “ah, vai no psicopedagogo e fica lá”. Não. “Acho que tem problema de visão”. Então encaminha para o oftalmo. “Acho que pode ser audição”. Manda para a fono. Esse é o trabalho delas: acompanhamento direto. São 220 crianças, bastante. Cada caso é um caso. Na verdade, são 220 mais 69, um total de 289 crianças.

O atendimento é somente para o município de Joinville?

– Atendemos somente Joinville. Com exceção do simpósio que realizamos, que é híbrido, online e presencial. A gente lota fácil as 500 cadeiras, porque muitos patrocinadores doam ingressos para escolas públicas. Vem muito professor. Trazemos especialistas de São Paulo, Rio… Este ano trouxemos um de Portugal. Ele estava vindo para outro evento, aproveitou e veio para o Instituto. Ele é especialista em dislexia.

Trouxemos também o Pippo (professor Felipe Ponce), fundador do DislexClub, que é muito conhecido no Instagram. É disléxico, virou jornalista, fez mestrado. Contou a história pessoal, foi bem interessante. Somando simpósio e as palestras nas escolas, já impactamos mais de 3 mil professores.

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Nas escolas, o trabalho é muito prático: como adaptar prova, material, posicionamento na sala… tudo isso. E, também, atuamos com escolas particulares. Elas compram nossas formações, é uma fonte de renda para o instituto. Vendemos palestras e formações para particulares. Estamos virando referência em Joinville nesse tema.

Ministramos formação para a Secretaria Municipal de Educação de Joinville. Fizemos formação para o Estado também, para as escolas estaduais de Joinville. O professor, quando entende mais, impacta facilmente 70 crianças por dia.

Quando professores participam dessa formação eles melhoram o conhecimento nas suas escolas, que avançam na educação…

– Eles aprendem para todos. Isso que é legal. Um dos lemas do instituto é que educação é para todos, não só para aquela meia dúzia de “geniozinhos”. Muito pelo contrário. A gente fala muito sobre isso. Até citei na palestra que fiz na 12ª edição do Inovar SC, evento de inovação, tecnologia e impacto social de Santa Catarina. Mostrei um vídeo do Richard Branson, o fundador da empresa Virgin, empresário que foi para o espaço. Ele é disléxico.

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No vídeo ele conta que o Instituto de Dislexia dele, em Londres, fez uma pesquisa que apurou que de 30% a 40% dos empreendedores londrinos têm algum grau de dislexia. Por quê? Ele diz: “Porque a gente pensa fora da caixa”. E é verdade, eles pensam mesmo. Pessoas com TDAH também pensam fora, são muito criativas. O desafio é ensinar da forma correta para que desenvolvam seus potenciais.
Se não puderem aprender, serão infelizes, não conseguirão se encaixar. Um dos principais propósitos do Instituto é justamente colaborar para que essas pessoas encontrem autonomia e um futuro, o futuro que quiserem, mas que tenham futuro.

A evasão escolar é uma questão central, porque se abandonarem a escola não vão ter futuro. Se saem da escola, muitas vezes acabam indo para a criminalidade. A gente perde pessoas criativas, cérebros, inovação.

Faço parte da Comissão de Empresas Familiares do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), em São Paulo. Lá, conheci uma empresa em que dois irmãos tinham saído: um tinha TDAH e o outro era mais executor, mais “pé no chão”. Eles iam às reuniões de conselho. O que tinha TDAH ficava duas horas ele ia embora. Mas deixava mil ideias. Depois o conselho dizia: “Agora vamos sentar com essas mil ideias e escolher o que é viável”. Claro, mil é exagero, mas ele realmente dava muitas ideias. Ele pensa diferente, é criativo, é “fora da curva”

O You.up criou um modelo exclusivo, de baixo custo, para enfrentar esses desafios de aprendizado. É um modelo que pode ser adotado em outras cidades?

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– Olha, no Brasil, pelo que pesquisei, não tem uma entidade do terceiro setor que faz essa mesma dinâmica: trabalhar a criança, a família e o professor ao mesmo tempo. Existem muitos projetos de contraturno. Quando fomos selecionados no BTG, eram 450 organizações candidatas. Apenas 12 foram selecionadas, e fomos a única de Santa Catarina. E a única exclusivamente de educação. Existem muitas organizações sociais da área, mas nenhuma com essa dinâmica para transtorno de aprendizagem.

É importante diagnosticar para depois definir o método de aprendizagem. Para crianças com TDAH ou dislexia por exemplo, reforço escolar não adianta. Elas precisam aprender de outra forma. Por isso é tão importante saber o que que a criança tem. A gente vai desde a avaliação até a intervenção. Claro que cada caso tem seu tempo para descobrir o diagnóstico. No caso de dificuldade de aprendizagem, cada transtorno é um obstáculo diferente.

A maioria das pessoas não conhece os sintomas desses transtornos. No caso de dislexia, por exemplo, quais são os sintomas apresentados?

– Na dislexia, há sempre um prejuízo na área da leitura. Geralmente, é aquela criança muito esperta e inteligente, que tem apoio em casa e um bom professor, mas passa o primeiro ano com grande desgaste. No segundo e terceiro ano, continua com a leitura muito travada ou sem conseguir avançar como o esperado. Ela troca letras ao escrever. Confunde P e B, T e P, V e F. Troca sons e apresenta sinais importantes de dificuldade, apesar de ter inteligência elevada. Há um esforço muito grande para conseguir ler. Nesses casos, é necessária intervenção de fonoaudiólogo ou psicopedagogo para continuar o desenvolvimento.

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E no caso de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) quais são os sinais? O que podemos observar?
– O TDAH pode passar quase despercebido, especialmente o tipo desatento. Nem sempre causa prejuízo acadêmico direto, mas há questões atencionais claras. É aquela criança que se perde na sala. A professora fala e ele já está olhando para o passarinho lá fora. Ou cai a borracha do colega e ele se distrai por completo. Ele perde conteúdos por distração. No outro perfil, há mais agitação, impulsividade e dificuldade com rotinas. Falta autocontrole também. Isso impacta a vida escolar. Às vezes, mais no comportamento do que na aprendizagem. Esses são os pontos principais.

E quais são as características da dispraxia?
– A dispraxia é um transtorno de coordenação motora. A criança pode ter letra maior ou irregular, dificuldade na motricidade ampla ou fina e problemas para segurar o lápis. Algumas apertam tanto que sentem dor ao escrever. Isso também pode afetar a matemática, como dificuldade em entender a posição dos números, o que sobe e o que desce, por causa da coordenação e do planejamento motor. Não é falta de força, mas dificuldade em organizar o movimento.

Quais são as dificuldades de quem tem discalculia?
– A discalculia é uma dificuldade acentuada com números. A criança tem inteligência normal, mas encontra grande dificuldade para fazer cálculos simples. Pode envolver tanto conceitos quanto operações básicas. É bem mais do que “dificuldade em matemática”. Não é aquele caso de alguém que só ia mal em matemática. Aqui, a criança trava mesmo. Trabalha-se muito, mas o avanço é pequeno.

E como vocês estruturaram o instituto?
– Quando entramos no BTG – o You.up foi uma das instituições reconhecidas com o prêmio BTG Soma Educação – eles ficaram impressionados porque, mesmo tendo sido fundado há poucos anos, o instituto tem conselho fiscal, conselho consultivo, aba de transparência no site, relatório social e auditoria externa. Todos os dados estão ali: aulas, palestras, eventos, alunos atendidos. O Guilherme já trouxe essa visão desde o início. No segundo ano, praticamente tudo estava estruturado. Dá segurança aos investidores saber onde e como os recursos são aplicados.

Vocês têm sede própria?

– Temos uma sala onde fazemos avaliações psicopedagógicas e neuropsicopedagógicas de novos atendidos. E, neste ano, tivemos mais de 70 altas na rede, de crianças que conseguiram aprovação nos estudos.

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