O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está desestabilizando a economia mundial ao avançar com tarifaço de importações para trazer a indústria de volta para o país. Mas quem conhece os mercados globais acredita que ele não vai atingir esse objetivo e vai colocar os EUA em situação ainda pior. É isso que pensa o empresário Gilberto Heinzelmann, de Santa Catarina, que por 14 anos liderou as vendas de multinacional do setor de eletrodomésticos para indústrias da América do Norte, depois, ao mercado global; e hoje tem negócios na área de nanotecnologia.

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– A ação intencional de trazer a manufatura, em massa, de volta para os Estados Unidos não vai acontecer – afirma Gilberto Heinzelmann.

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Para o empresário, quem está decidindo essa taxação nos EUA não conhece sobre processos de manufatura. Isso porque são necessários dois a três anos para instalar uma fábrica e a grande maioria dos trabalhadores americanos não quer voltar a trabalhar em linhas de produção como há 30 anos ou mais. Prefere atuar no setor de serviços. As últimas decisões de Trump são tarifa de 10% para todos os países e uma  taxação estratosférica para a China de até 245%.

Engenheiro mecânico graduado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Gilberto Heinzelmann foi diretor e vice-presidente da multinacional americana Embraco, fabricante e líder em tecnologia para compressores (motores de refrigeradores e freezers) com sede em Joinville, Santa Catarina. Essa empresa foi adquirida pela multinacional japonesa Nidec em 2019.

A partir de 2000, durante 14 anos, ele liderou as vendas da Embraco para os EUA e Canadá, quando viu a maioria das fabricantes de refrigeradores e freezers fecharem as unidades e mudarem a manufatura para a China. Depois, como vice-presidente global de vendas da empresa, ele seguiu acompanhando esse impacto da globalização.

Atualmente, Heinzelmann atua como conselheiro empresarial e é cofundador da TNS Nanotecnologia, de Florianópolis, com soluções para produtos industriais. No dia 8 deste mês, ele foi um dos palestrantes do evento Meeting Comex, em Joinville, quando falou sobre cenários globais em função do tarifaço de Trump e depois falou com a coluna. Saiba mais sobre os alertas dele na entrevista a seguir:

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O senhor era executivo a Embraco (hoje Nidec) nos Estados Unidos quando muitas empresas começaram a fechar fábricas no país. O que observou e o que chamava mais sua atenção?

– Nós tínhamos muitos clientes nos Estados Unidos e, com frequência, eu visitava as fábricas… Eram cerca de 10 empresas que eu visitava com regularidade. E, num período relativamente curto, de 2000 a 2007, sete dessas 10 empresas foram fechadas, cada uma a seu tempo, com seus dramas.

Algumas dessas fábricas estavam localizadas em municípios relativamente pequenos. E aí, o drama pessoal de cada indivíduo perdendo o emprego acabou se tornando um drama coletivo. Muitas vezes era toda uma cidade tendo que se ajustar porque estava vendo sua maior fonte de riqueza desaparecendo de uma hora para outra.

Foram situações sempre muito complexas. A gente percebia o estresse nas pessoas com relação a essa nova situação. Apesar de todo o cuidado que as empresas tinham em termos de orientar os colaboradores com relação a uma nova carreira e assim por diante, o fato é, naquela região, eles não teriam mais uma outra oportunidade nesse segmento. E isso acabou se estendendo para toda a indústria.

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No caso do setor de produção de refrigeradores e freezers, por exemplo, no estado de Minnesota, em SunCloud, tinha uma empresa da Electrolux que fechou. Outra empresa da Electrolux em Grand Rapids, Michigan, outra empresa no Canadá, em Guelph, chamada WC Woods. Eu conhecia o fundador da empresa, estava em processo de sucessão e o filho iria assumir.  

Depois, teve outra empresa, a Maytak, ficava na cidade de Galesburg. Talvez esse fechamento tenha sido um dos mais críticos em função do impacto que causou na região. Ou seja, um drama muito grande, que certamente transformou não só a indústria. Quando a gente fala de indústria e de segmento, a gente meio que despersonifica todo o impacto que esses profissionais tiveram nas suas carreiras.

Então, eu entendo que, hoje, esses agora eleitores aposentados queiram uma resposta. Eles viram o Trump é uma pessoa poderia dar uma resposta. O Trump soube capturar esse elemento de mágoa, essa frustração de ver que os Estados Unidos, de fato, de forma talvez não intencional, por uma decisão de negócio, acabaram abrindo mão de fabricar no seu país e passaram a comprar da China, México ou outras regiões fora dos EUA por questão de competitividade.

A China foi o primeiro destino da produção…

– A China começou a incorporar uma competência em manufatura de baixo custo que, no final das contas, para o consumidor americano era o que importava. Ele não estava muito preocupado se aquele refrigerador, aquele freezer que ele estava comprando era feito nos Estados Unidos, no México ou na China.

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Ele queria aquele produto à sua disposição pelo menor preço possível. E aí os fabricantes, eles acabam sendo direcionados para decisões econômicas e as coisas foram se desdobrando.

É por isso que eu digo que decisões simples e rápidas, como as tomadas agora, só ficam bem no discurso. Na realidade, elas não vão ter impacto. Hoje, os Estados Unidos não têm mais a competência fabril de produzir o que fazia 20, 30, 40 anos atrás.

Essa competência fabril não está só em você montar alguma coisa, está em toda a cadeia de fornecimento. Então, para um produto como um refrigerador, um veículo, você tem centenas de componentes e essas centenas de componentes não estão disponíveis em produção nos Estados Unidos.

Quando o Trump toma a decisão de taxar os componentes e produtos finais, a consequência disso tudo é que você não dá nem uma chance aos Estados Unidos de voltar a ser nem um montador para esse tipo de produto.

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Isso porque colocar uma fábrica para funcionar é um custo altíssimo. Você vai automatizar, ok. Terá que fazer isso com robôs. Esses robôs vêm de onde? Eles vêm da Ásia, eles não são produzidos nos Estados Unidos.

E nem tudo você automatiza, você ainda precisa de uma mão de obra ativa. E o americano não quer mais esse tipo de trabalho. Os Estados Unidos é um país maravilhoso, ele cresceu e se desenvolveu em serviços. Você compra um produto hoje na internet e você o tem na porta da sua casa, talvez no final do dia ou no dia seguinte. Isso é maravilhoso.

Mas o que as pessoas deixam de perceber é que aquele tênis de 150 dólares sai de uma fábrica na China por 10 dólares. A fábrica na China ganha 10 dólares. Então, nesse processo globalizado quem realmente está fazendo o dinheiro? Esse tipo de competitividade só existe por causa da excelência operacional e da enorme, imensa escala que a China construiu. É como se você enxergasse os Estados Unidos querendo voltar a um passado que não existe mais.

O senhor acha que o presidente Donald Trump vai conseguir reindustrializar os Estados Unidos?

– Eu tenho muitas dúvidas de como as coisas vão se desdobrar daqui para frente, como isso vai impactar o Brasil e assim por diante. Mas eu tenho uma certeza: a ação intencional de trazer a manufatura, em massa, de volta para os Estados Unidos não vai acontecer.

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Você não coloca uma fábrica para rodar em menos de 2 anos e meio ou 3 anos. Até lá vão ter novas eleições nos EUA. Até lá esse processo todo custou uma inflação importante para o americano. E o americano vota com o bolso dele. A hora que ele começar a perceber que o salário não compra mais aquilo que comprava, toda essa questão ideológica vai começar a desaparecer.

E a preocupação que nós temos que ter, assim, olhando os impactos globais, é qual é a medida que o governo (americano) vai usar para manter essa história em pé. Ou seja, cada vez que você demoniza uma nação, você está criando uma situação de conflito.

O Warren Buffett mencionou o seguinte: taxações desse tipo são uma forma de guerra. Uma frase que todos já escutaram é que a história se repete. Tem um pensador que fala o seguinte, a história se repete a primeira vez como uma tragédia, a segunda como uma farsa. Eu troco a palavra farsa por uma mentira. Então, o presidente está contando uma mentira de que essas medidas vão trazer de volta a manufatura que um dia acontecia nos Estados Unidos.

Alguns aliados que Trump tem sabem o que é produzir, entendem o que é uma cadeia global de fornecimento, eles sabem que isso (a reindustrialização) não vai acontecer. O assessor direto que está ajudando-o nisso tem doutorado em economia, mas nunca produziu nada na vida dele. Ele (Peter Navarro) tem mais de 70 anos, ele nunca trabalhou em uma iniciativa privada.

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Então as coisas na teoria têm uma forma de ser apresentadas. Mas o choque com a realidade vai ser muito grande. E aí virá uma frustração muito grande quando ele não conseguir entregar o que ele está prometendo. Os ajustes vão acontecer e vão deixar os Estados Unidos numa situação pior e não melhor do que está hoje.

Mesmo sendo os Estados Unidos a maior economia do mundo?

– Mesmo sendo a maior economia, porque os Estados Unidos é a maior economia consumidora do mundo. Ela perdeu muito da sua capacidade de manufatura. E o americano não quer voltar a fazer aquilo que ele fazia há 20, 30 anos. Não quer trabalhar numa linha de produção. Ele não sabe fazer um molde de injeção. Ninguém mais faz isso nos Estados Unidos. Eles nunca souberam fazer produtos eletrônicos. Componentes eletrônicos nunca foram produzidos nos Estados Unidos.

Eu cheguei nos Estados Unidos no ano 2000 e 10  anos antes nenhum micro-ondas mais estava sendo produzido no país. Ou seja, desde os anos 90, nenhum micro-ondas é produzido em território americano. Então, você não reverte isso com uma taxação.

Como o senhor vê a globalização a partir desse tarifaço de Trump?

– Ela vai ter uma nova configuração. Não será essa globalização que hoje nós enxergamos. Mas as cadeias globais de fornecimento, essas vão continuar. Isso porque o custo de desmobilizar tudo que está aí simplesmente não vai fazer sentido para ninguém.

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