Uma jovem blumenauense começou a trilhar uma promissora carreira dentro de uma das mais renomadas universidades do mundo. Helena Buschermöhle, 20 anos recém-completados e que já foi personagem de uma reportagem publicada pelo Santa em 2017, está trabalhando no centro de astrofísica de Harvard, nos Estados Unidos. O ofício: literalmente olhar para as estrelas. Nada mal para um primeiro emprego, não?
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O observatório de Harvard é um dos mais antigos e conceituados do planeta, fundado no século 19. Já naquela época pesquisadores faziam várias fotografias do céu para registrar as estrelas. Por pouco mais de 100 anos, entre 1885 e 1995, essas imagens foram gravadas em negativo de vidro. Com a evolução da tecnologia, a técnica foi sendo substituída por outros métodos mais modernos. Ainda assim, há muito acervo antigo que precisa ser atualizado.
Parte do trabalho de Helena e seus colegas é analisar esses negativos e digitalizá-los, garantindo sua conservação para que sejam usados em pesquisas de cientistas da universidade. Ela explica a importância dos registros: as estrelas nunca estão iguais porque constantemente se mexem e variam de luminosidade. Comparar o céu ao longo dos anos, portanto, é uma formar de acompanhar a evolução dessas gigantes esferas – embora aparentemente minúsculas para quem as avista a olho nu – que abrilhantam a Terra. Todo esse esforço, diz ela, vai possibilitar que estudos nunca antes realizados na astronomia sejam feitos agora.
— Pela primeira vez vamos ser capazes de ver como qualquer parte do céu mudou num período tão longo quanto 100 anos. Já descobrimos várias coisas interessantes por causa disso. Por exemplo, com a ajuda dos dados nós achamos três estrelas cujo brilho varia de uma maneira que nunca vimos antes — conta Helena.
Chamada de Plate Stacks, a coleção de registros astronômicos de Harvard é a maior do mundo. São quase meio milhão de negativos que cobrem cada pedacinho do céu. O projeto do qual Helena participa foi criado em 2009 e recebeu o nome de Digitizing a Sky Century at Harvard (Dasch). Graças ao scanner mais rápido que existe, desenvolvido especialmente para esta tarefa, cerca de 380 mil negativos já foram digitalizados.
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Planos para o futuro
Helena está no emprego só há dois meses e meio, mas já pensa no que está por vir. Quer beber do conhecimento e do intercâmbio com gente de todo o mundo – coisas que pulsam em Harvard –, se aprimorar ainda mais e um dia voltar para o Brasil para compartilhar tudo que aprendeu. De quebra, quem sabe, ajudar a impedir que outras pessoas apaixonadas pelas estrelas tenham de lidar com as poucas referências sobre o assunto por aqui. Uma parte desse sonho ela já realizou dando aulas de astrofísica para crianças de uma comunidade carente em São Paulo.
Outro desejo dela é trabalhar em Alcântara (MA), onde fica uma das bases de lançamento da Força Aérea Brasileira – e também uma das melhores do mundo. Helena acredita no potencial do país: avalia que o programa espacial nacional “é muito bom”, com bons cientistas e engenheiros, mas que padece, como várias outras áreas da nossa ciência, da falta de recursos. Nada, no entanto, que a desanime e a faça rever objetivos:
— Meu plano é voltar para o Brasil assim que eu terminar meus estudos para aplicar esse conhecimento aqui. Sou apaixonada pela agência espacial brasileira e quero trabalhar lá.
Atualmente Helena estuda na Tufts University, localizada em Somerville, cidade satélite de Boston. Deve concluir o curso de astrofísica em dezembro 2022. Também faz uma especialização em Empreendedorismo na mesma universidade e não descarta outra em alguma área da engenharia espacial. Embora se veja em um cargo administrativo ou de liderança no futuro, quer entender como funciona todo o processo.
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— Eu não posso trabalhar no programa espacial brasileiro se não souber construir um foguete – observa.
Inspiração no legado feminino
Não são apenas os registros históricos das estrelas que fascinam Helena em Harvard. Ela não esconde o entusiasmo ao falar que trabalha em um local que abriu as portas da astronomia e da astrofísica para mulheres em uma época em que a participação feminina na ciência ainda era considerada um tabu.
Entre o final do século 19 e o início do século 20, o então diretor do observatório de Harvard, Edward Charles Pickering, decidiu contratar mulheres para comparar os negativos captados pelo centro. Não foi exatamente uma medida para valorizar a mão de obra feminina. Alguns registros históricos dão conta de que elas recebiam pouco e só teriam sido recrutadas porque o trabalho era considerado entediante para os homens.
De qualquer forma, as “mulheres computadoras de Harvard”, como ficaram conhecidas, foram responsáveis por contribuições inestimáveis para a ciência. Entre elas estavam Annie J. Cannon, cujo trabalho de catalogação ajudou a embasar a atual classificação estelar, e Cecilia Payne, que com o auxílio das imagens elaborou, em 1925, uma tese de doutorado que provou que as estrelas eram formadas principalmente por hidrogênio e hélio, ao contrário do que se acreditava na época.
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— Ainda hoje a ciência é um campo delicado para as mulheres e naquela época era ainda mais hostil. Orgulha trabalhar num local que foi pioneiro da participação feminina em astronomia e astrofísica. De vez em quando eu pego um negativo para cuidar que ainda tem as anotações daquelas mulheres incríveis — conta Helena.