O projeto de lei encaminhado pela prefeitura de Florianópolis na última sexta-feira (14) à Câmara de Vereadores e que permite a presença de cães nas praias é uma medida contrária à ciência. Com problemas sérios de balneabilidade em nosso litoral, atualmente a prática trará mais prejuízos do que benefícios.

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Em síntese, esta é a conclusão de uma dissertação de mestrado no Programa  de Pós-Graduação em Agroecossistemas do Centro de Ciências Agrárias da UFSC.

Cachorros nas praias de Florianópolis

O documento  “Cães em praias públicas: uma análise sobre regulamentação e impactos na perspectiva de Uma Só Saúde”, de autoria de Carla Roberta Seára Willemann foi concluído e publicado em 2024.

Diz o texto: “A presença de cães nas praias é particularmente problemática em áreas com condições sanitárias deficientes. Desta forma, é imperativo reconhecer que o saneamento básico e o controle de animais errantes são fatores condicionantes para a permissão de cães em praias. Até que se atinja um nível satisfatório nestes aspectos, a circulação de pets em praias pode trazer mais desvantagens do que benefícios, dados os diversos riscos apontados no estudo, tanto para os próprios animais quanto para as pessoas”.

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O PL da prefeitura permite a presença de cães nas praias de Florianópolis, mas condiciona a prática a posterior definição de locais e horários específicos. 

Leia a conclusão da dissertação:

O presente estudo teve como objetivo geral trazer subsídios para a discussão da pertinência da regulamentação de cães em praias, apresentando e discutindo quesitos (condicionantes e diretrizes) para subsidiar uma eventual regulamentação de praias que permitam cães (praias pet friendly) no município de Florianópolis/SC sob a ótica de Uma Só Saúde, visando a mitigação de riscos, sobretudo de transmissão de zoonoses, com atenção à saúde animal e a proteção à saúde humana e ambiental. Como hipótese inicial, foi estabelecido que tanto a proibição sem o efetivo cumprimento, como a liberação desprovida de critérios de mitigação de danos podem causar prejuízos no âmbito de Uma Só Saúde.

Neste sentido, a hipótese inicial foi confirmada, e, ainda devemos salientar que as adoções de medidas de mitigação de danos em relação à presença de cães nas praias enfrentarão desafios para o seu cumprimento, como no caso do uso da coleira, vacinação, recolha de fezes e outros. Nesta pesquisa constatou-se que a presença de cães nas praias de Florianópolis/SC é uma realidade e a contaminação do solo de locais públicos por fezes de cães é um desafio, enfrentado também por muitos países, independente das regulamentações existentes.

As fezes de cães no ambiente são potenciais transmissores de agentes patogênicos, dentre outros riscos relacionados a esses dejetos. A presença de cães nas praias também pode ser associada à predação da fauna e flora bem como ao risco de ataques a pessoas e outros animais. A presença de cães, sejam eles pets ou errantes, é particularmente problemática em áreas com condições sanitárias deficientes. Desta forma, é imperativo reconhecer que o saneamento básico e o controle de animais errantes são fatores condicionantes para a permissão de cães em praias.

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Até que se atinja um nível satisfatório nestes aspectos, a circulação de pets em praias pode trazer mais desvantagens do que benefícios, dados os diversos riscos apontados no estudo, tanto para os próprios animais quanto para as pessoas. Por outro lado, não se pode negar a necessidade de espaços urbanos para os cães e seus donos se exercitarem e interagirem dados os benefícios daí advindos, relacionados ao bem-estar físico e emocional, o que também contribui para a promoção da saúde. Disponibilizar locais que permitam cães de forma responsável, ou seja, implementando parâmetros de 111 mitigação de riscos ao meio ambiente e a transmissão de zoonoses, pode ser um fator atenuante às agressões já realizadas às áreas litorâneas, uma vez que as praias já são frequentadas pelos cães mesmo com infraestrutura deficiente.

Uma alternativa mais adequada seria a criação de parques amplos, em locais com menor complexidade ecológica – especificamente projetados para convivência de humanos e seus animais de estimação. As demandas por permissão de cães nas praias, e os debates acerca do assunto lançam luz sobre o quão negligenciado têm sido os cuidados com esses ecossistemas, a ponto dos cães, predadores por natureza, estarem sob o risco de saúde ao acessarem esses locais. Tais discussões são uma valiosa oportunidade de desenvolver um olhar mais sustentável às praias devido à fragilidade dos ecossistemas litorâneos, como a Ilha de Florianópolis, SC.

É preciso compatibilizar a demanda por praias pet friendly com a sustentabilidade e isso só será possível com a abordagem de Uma Só Saúde. Campanhas educacionais sobre zoonoses e riscos de dejetos no ambiente, a comunicação clara das regras sanitárias, bem como o adequado monitoramento epidemiológico do ambiente e a efetiva fiscalização, com envolvimento multi e interdisciplinar e supervisão veterinária são meios para alcançar este objetivo. Além disso, são necessários investimentos em infraestrutura sanitária, considerando também os animais de estimação nos planos de saneamento municipais.

Do contrário, as liberações de cães podem se tornar uma corrida com inconsequente viés políticoeleitoral, demonstrando-se insustentável para o futuro próximo. É preciso somar esforços, investimentos e criatividade em áreas litorâneas, para que locais como Florianópolis/SC sejam percebidos como referência por suas belezas e por suas ações sustentáveis e ecológicas. Nenhum município deseja ser reconhecido em razão de reiteradas endemias de doenças entéricas veiculadas pela água ou areia, ocorrências de “bicho geográfico” e outras doenças negligenciadas.

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A ocorrência de doenças associadas às praias prejudica o seu valor econômico, a sustentabilidade do turismo e traz um alerta ao futuro, uma vez que os recursos são finitos e, se não gerenciados, não durarão. Parafraseando a música “Aqui é meu 112 Lugar”21, a “…ilha de eterna beleza”, só será verdadeira se os esforços e investimentos se voltarem para a preservação e sustentabilidade do meio ambiente e do frágil ecossistema da Ilha.

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