Era um sábado à noite e eu trabalhava no comando do jornalismo da extinta TV Cultura. O Avaí jogava à noite e eu morava na rua Carlos Corrêa, próximo à penitenciária do Estado, quando ouvi um estrondo violento, por volta das 20h30, e um clarão repentino de doer a vista. Aumentei o volume do rádio e meu amigo Luiz Osnildo Martinelli, da Rádio Guarujá, informava a queda de um avião, mas sem muitos esclarecimentos. 

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Corri para o estúdio e comecei a convocar a minha equipe de jornalismo. As notícias foram chegando até se completarem com a confirmação da queda de um avião Boeing 727, da Transbrasil, no Morro da Virgínia, no bairro do Rio Tavares, norte da Ilha de SC, em 12 de abril de 1980.

Fui para o ar sem muita informação por volta de 22h e só sai às 12h do dia seguinte, domingo. Foi a cobertura mais difícil da qual participei na televisão. Não tinha informação. Era preciso subir no morro em condições muito difíceis.

A repórter Alice Rodrigues e o cinegrafista Joaquim Verissimo conseguiram chegar no morro apenas por volta das 6h da manhã. Nesse período surgiram mil informações desencontradas relativas à lista de passageiros. 

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Eu fiquei no ar atravessando a madrugada junto a alguns diretores da emissora que me abasteciam de algumas noticias inseguras e que precisavam de cuidado para serem comunicadas. Não tínhamos câmera portátil nem gravador de vídeo tape para fazer a imagem, apenas uma maquina filmadora Bolex que precisava ter seu filme revelado e isso demorava muito. Não havia como assistir as imagens antes, apenas o negativo que não identificava nada.

O primeiro nome que surgiu na lista de passageiros foi um equívoco, então só voltamos a dar nomes lá pelas 3h da manhã, com receio de errar novamente. Os tempos de cobertura eram outros, não havia nenhum celular, nenhuma comunicação com o morro da Virginia. 

Às 8h, já com alguns nomes divulgados, a repórter Alice Rodrigues e o câmera Joaquim Verissimo voltaram ao estúdio. O voo havia partido de Fortaleza com escalas em Brasília, São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre, onde não chegou.

O relato era terrível sobre o que viram no morro da Virginia. Chegaram bem perto da cratera aberta com a queda da aeronave. Vimos um papo e eles contaram com cuidado a história. Somente por volta das 12h as imagens estavam mais nítidas do material revelado. Já havia um enorme cansaço e tantas horas no ar.

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A cidade pedia imagens no ar. Diziam: “Que jornalismo é esse que não tem coragem de mostrar as imagens de um acidente aéreo”. 

E começaram a lembrar o avião da Varig, em 1973, no aeroporto de Orly, em Paris, que matou o cantor Agostinho dos Santos e muito mais pessoas do que este da Transbrasil. Um diretor viu as imagens e disse nos bastidores: “Não dá pra colocar no ar. É chocante demais”.

Fiz uma explicação dizendo que, em respeito aos familiares e todos que estavam no voo, não iriamos colocar as imagens no ar. 

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Pressão total

Comecei a receber criticas de todo Estado e mesmo de Florianópolis. Xingamentos, enfim, todos queriam ver as imagens. Ficamos uma hora insistindo que não era possível projetar imagens. 

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E eu levando pau de todos os lados. Jornalista disso, daquilo, ofensas. O que era uma reportagem jornalística normal, sem opinião, apenas noticiando os fatos, virou um terror. Nunca fui tão criticado.

A direção da emissora resolveu atender os pedidos do público e autorizou as imagens por volta das 13h. Pior a emenda que o soneto. Os mesmos que queriam ver foram os que começaram as novas criticas ofensivas.

A cidade ficou contra, achando então (depois de ver) que não deveríamos colocar no ar. Eu só fui ver as imagens no ar. Pessoalmente não teria colocado. Foram cenas fortes. Naquela época o jornalismo era muito diferente do que se pratica atualmente, onde tudo é comum e a barbárie está nos noticiários. 

Aos poucos a cidade foi ficando dividida e parte dela começou a nos defender, pois havíamos atendido a própria solicitação da cidade e do Estado. A verdade é que o culpado de tudo fui eu que estava no ar e anunciei a colocação do material autorizado pela direção da televisão. Isso ninguém quis saber.

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Depois de tudo ainda me incomodei muito por conta desta cobertura. Assumi tudo e, felizmente, tive o respaldo da direção da emissora que é quem estava por traz de tudo e me abastecendo de noticias.

Atualmente são passados 42 anos daquela trágica noite e cada um dos passageiros tinha uma história das razões porque estavam naquele voo. Até a própria Transbrasil não explicou direitinho até hoje quem estava no comando da aeronave, pois surgiram muitas informações a respeito de um piloto que fazia teste naquele voo.

A história está incompleta.

> O meu mestre Fernando Linhares da Silva