Quem vê os barcos piratas que promovem passeios turísticos por Florianópolis no verão não imagina que piratas de verdade já navegaram pelas águas que circundam a Ilha de Santa Catarina. Uma das histórias mais conhecidas é a do ataque pirata que matou Francisco Dias Velho, fundador da cidade, e quase destruiu o povoado no século 17. Apesar não ser muito conhecido pelos habitantes da Capital, o episódio é digno de livros de aventura.
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Algumas informações históricas sobre o evento variam conforme as fontes. Uma das referências com mais detalhes ilustrados é o livro de quadrinhos Nossa Senhora do Desterro: Os Primeiros Anos (2015), de Eleutério Nicolau da Conceição. Ele narra que, desde o descobrimento, a Ilha já era um ponto estratégico para embarcações que seguiam rumo à Bacia do Prata.
A chegada de Dias Velho, um bandeirante vicentista, ocorreu na segunda metade do século 17 (por volta de 1675, segundo alguns autores). Ele trouxe filhos, cerca de 100 indígenas escravizados e a família de um agregado, José Tinoco.
Na região onde hoje fica a Praça XV, no Centro da Capital, Dias Velho estabeleceu plantações, ergueu casas e construiu uma igreja de pedra e cal, que dedicou à Nossa Senhora do Desterro — que acabou dando nome à vila, e depois à cidade. Anos mais tarde, a igreja deu lugar à Catedral Metropolitana de Florianópolis.
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Veja curiosidades sobre o caso
A morte de Dias Velho
O episódio da morte de Dias Velho aconteceu por volta de 1687 e, segundo alguns autores, foi motivado por vingança. Um ano antes, o bandeirante havia capturado corsários que aportaram na região de Canasvieiras, enviando-os para Santos e guardando parte da carga de prata confiscada.
Corsários, vale lembrar, eram “piratas legalizados”, autorizados por governos a atacar navios de nações inimigas. Nesse caso, não é claro se eram ingleses, belgas ou holandeses. Alguns autores afirmam que o nome do capitão inglês era Thomas Frins, cuja tripulação inglesa havia atacado outras vilas brasileiras antes de ancorar no Norte da Ilha. Essa lenda, aliás, é uma das hipóteses que explicam o nome do atual bairro dos Ingleses.
Em 1687, um navio corsário voltou a aportar na atual Beira-Mar Norte e atacou o povoado de Dias Velho — segundo alguns autores, a tripulação era a mesma capitaneada por Thomas Frins, buscando vingança.
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O bandeirante e seus agregados resistiram, refugiando-se na igreja. Para alguns, a atitude foi motivada pela construção mais resistente do prédio, e para outros foi porque Dias Velho tinha escondido a prata atrás do altar.
A história diz que Dias Velho foi morto na igreja que ele mesmo havia mandado construir. Os piratas roubaram a prata, estupraram mulheres da vila e fugiram em seguida. Com o tempo, os filhos do fundador acabaram por mudar-se para São Paulo, e por algumas décadas a Ilha ficou semideserta, com escassos moradores.
Em 1712, décadas após o ataque, o navegador francês Amédée François Frézier encontrou na Ilha apenas “15 sítios habitados por 147 brancos, alguns índios e negros libertos, dos quais uma parte acha-se dispersa pela orla da terra firme”.
“Na verdade, encontram-se eles em tão grande carência de todas as comodidades da vida que, em troca dos víveres que traziam a nós não aceitavam dinheiro, dando mais importância a um pedaço de pano ou fazenda para se cobrir, protegendo-os das penúrias do tempo; satisfazem-se com o vestuário de uma camisa e um par de calças; os mais distintos usam também um paletó de cor e um chapéu: quase ninguém usa meias ou sapatos”, escreveu Frézier em Relation du voyage de la mer du Sud aux côtes du Chily et du Perou. Fait pendant les années 1712, 1713, & 1714, publicado na França, em 1716.
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Apesar da destruição, o povoado resistiu. Em 1726, Nossa Senhora do Desterro foi elevada à categoria de vila. Em 1748, chegaram os primeiros colonos açorianos. Hoje, mais de três séculos depois, a história do ataque pirata e da morte de Francisco Dias Velho permanece como um marco na fundação de Florianópolis, sendo mais uma das inúmeras lendas que circundam a “Ilha da Magia”.
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