Após o programa Universidade Gratuita ser alvo de um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC), que apontou inconsistências e possíveis fraudes em junho, outro projeto que oferece bolsas no ensino superior em SC pode estar diante de uma nova polêmica. O possível fim de um mecanismo que funciona como limite de bolsas de estudo por grupo educacional gerou reações de alunos e instituições beneficiadas pelo projeto.

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A mudança em discussão envolve o Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdesc), braço do programa educacional do Estado que oferece bolsas nas faculdades particulares de SC, com fins lucrativos. Não afeta, portanto, as universidades comunitárias, do sistema Acafe, que são beneficiadas pelo programa Universidade Gratuita.

O mecanismo chamado de Número Total de Estudantes (NTE) funciona como um limitador, que restringe o cálculo da divisão de recursos para as bolsas a no máximo 4 mil alunos para cada grupo educacional. Na prática, segundo a entidade que representa as faculdades particulares, isso permitiria que os recursos destinados às bolsas do Fumdesc sejam mais bem distribuídos entre as diferentes instituições de ensino privadas de SC, incluindo pequenas e médias.

Críticos da regra, no entanto, afirmam que alunos das maiores universidades particulares de SC estariam sendo prejudicados. No semestre passado, pouco mais de 500 alunos da Unisul não foram contemplados com bolsas e acabaram contraindo dívidas com a instituição, em um impasse que perdura até hoje com cobranças sobre os alunos. Sem o limitador, alegam que este grupo poderia ter sido contemplado com as gratuidades. Caso o NTE seja retirado das regras do Fumdesc, uma parcela maior dos recursos poderia ser direcionada a instituições de grande porte, que atualmente têm mais alunos matriculados.

Veja fotos do Universidade Gratuita em SC

Em uma reunião nesta semana com a secretária de Estado da Educação, Luciane Ceretta, a Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc), que representa as faculdades particulares, afirmou que o fim do limitador poderia fazer com que 2,3 mil alunos de faculdades de pequeno e médio porte ficassem sem bolsas. Nesse mesmo cenário, uma instituição poderia concentrar até 40% dos recursos para bolsas do Fumdesc.

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O Fumdesc tem estimativa de aplicação de R$ 230 milhões em bolsas nas faculdades particulares de SC em 2025. O presidente da Ampesc, Everaldo Tiscoski, afirma que a entidade observa uma movimentação de alunos interessados na retirada do limitador, aprovado no final de 2024 na Alesc. Segundo ele, o dispositivo já foi criado após uma discrepância no programa que teria privilegiado uma instituição com uma parcela maior dos recursos.

— Estamos fazendo reuniões para que fique compreendido o que significa esse limitador. Não é tirar recurso de ninguém, é redistribuir de forma mais criteriosa, mais justa, que possa abranger mais cidadãos catarinenses em todas as regiões do nosso Estado — avalia.

Conforme o dirigente, caso o limitador seja retirado, a maior parte das bolsas ficaria concentrada no Norte e no Sul de SC, onde estão as faculdades com mais alunos matriculados, em detrimento de regiões como Vale do Itajaí e Oeste, onde há mais instituições de pequeno e médio porte.

Na distribuição de recursos feita no início do ano, quatro das 23 instituições de ensino beneficiadas tiveram o número total de estudantes usado no cálculo para concessão de bolsas impactado pelo teto do programa.

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Impactos do possível fim do limitador

A mudança no mecanismo, segundo a entidade, faria com que uma fatia maior dos recursos do Fumdesc fosse destinada a universidades maiores e a cursos como Medicina, que têm valores de mensalidades maiores. Conforme a Ampesc, uma bolsa no curso de Medicina equivale entre seis a oito bolsas em áreas como Psicologia ou Direito e pode chegar à proporção de mais de 10 bolsas para cursos de Pedagogia, Administração e Ciências Contábeis.

O mecanismo NTE foi aprovado pela Assembleia Legislativa na lei que criou os programas de gratuidades no ensino superior em SC. Agora, porém, um artigo que retira a regra do limitador foi incluído em forma de emenda pelo deputado Pepê Collaço (PP) em uma medida provisória do governo do Estado que tramita na Alesc para mudar normas do Universidade Gratuita.

A principal alteração no texto original seria a previsão de concessão das bolsas antes da fase das matrículas, para evitar que eventuais alunos não contemplados com as gratuidades contraiam dívidas com as universidades por já terem se matriculado.

O fim do teto por grupo educacional, no entanto, também deve ganhar relevância nas discussões. O texto ainda aguarda análise da Comissão de Finanças da Alesc. Além disso, estudantes da Unisul devem começar a reunir assinaturas na próxima semana para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular para propor o fim do limitador.

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Estudantes apontam sobra de recursos em faculdades privadas

O presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unisul, Alex Chernehaque, defende o fim do teto. Segundo ele, com a regra atual, as outras faculdades particulares devolveram R$ 35 milhões não utilizados em bolsas no primeiro semestre deste ano. O valor foi utilizado em uma redistribuição de vagas feita em julho, mas segundo o dirigente mesmo assim os valores não foram totalmente aplicados.

Na avaliação do presidente do DCE, esse valor teria sido suficiente para atender os pouco mais de 500 estudantes da Unisul que ficaram de fora do Fumdesc no primeiro semestre do ano. Em caso de sobras de valores do Fumdesc, a quantia deve ser redirecionada ao Universidade Gratuita, que beneficia universidades comunitárias, do sistema Acafe.

Ele compara uma instituição com 1,9 mil alunos que recebeu R$ 18 milhões para bolsas em 2025, com a Unisul, que tem 14 mil alunos e teria recebido R$ 22 milhões, diferença vista como desproporcional pelo estudante.

— Não se trata de defesa das instituições menores, é simplesmente não querer que a maior universidade presencial do Fumdesc utilize as bolsas — critica o presidente do DCE, que apresentou uma ação civil pública à Justiça para propor o fim do teto de estudantes e também que o Estado assuma as dívidas dos alunos da instituição não contemplados no semestre passado.

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Pivô da polêmica, a Unisul afirmou em nota à reportagem que iniciativas que favoreçam a permanência e o ingresso de estudantes no ensino superior são fundamentais para o desenvolvimento do Estado. “Por isso, defendemos que qualquer aprimoramento do Programa Fumdesc tenha como objetivo ampliar as oportunidades de qualidade aos estudantes catarinense”, afirmou a instituição, em um trecho da resposta.

O deputado Pepê Collaço (PP), autor da emenda que propõe o fim do teto de estudantes no Fumdesc, defende a medida por entender que no formato atual estaria havendo sobra de recursos para algumas instituições, enquanto alunos com índice de carência compatível com as bolsas não estariam sendo contemplados nas faculdades de maior porte.

— O programa precisa se voltar mais ao aluno do que às instituições. Não pode virar uma guerra entre qual instituição vai ganhar mais e qual vai ganhar menos — argumenta o parlamentar.

A reportagem procurou a Secretaria de Estado da Educação para questionar sobre o tema. A pasta informou que o fator limitador do NTE foi proposto pela própria Ampesc à Assembleia Legislativa e incluído na lei em novembro do ano passado. “Nós, enquanto Secretaria de Estado da Educação, cumprimos rigorosamente os critérios que estão dispostos em lei”, informou a secretaria.

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O governo ainda não se manifesta sobre a possível tentativa de retirada do limitador das regras do programa.

As investigações sobre o Universidade Gratuita

O Universidade Gratuita, programa do Estado que oferece bolsas no sistema Acafe, e o Fumdesc, voltado às faculdades particulares, foram alvos de um relatório do TCE-SC apresentado em junho deste ano que apontou cerca de 18 mil inconsistências nos cadastros informados às instituições de ensino.

No início de agosto, o governo do Estado divulgou que as primeiras investigações apontaram que os 18 alunos que teriam patrimônio entre R$ 200 milhões e R$ 855 milhões teriam na verdade cometido erro de digitação no preenchimento das informações. As investigações, segundo o governo do Estado, seguem sendo feitas, mas até o momento não teriam sido descobertas irregularidades.

O Ministério Público confirmou que há investigações em andamento sobre as inconsistências apuradas pelo TCE-SC, mas afirmou que por estarem em fase inicial por enquanto não há manifestações sobre o resultado desses procedimentos. A reportagem procurou também a Polícia Civil para questionar o estágio atual das investigações, mas não obteve retorno até a publicação.

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