Mães de crianças que receberam alta da Apae de Blumenau estão preocupadas com a demora para conseguir retomar o tratamento dos filhos. Elas relatam que pacientes com autismo e síndrome de down que completaram dois anos na instituição tiveram os atendimentos interrompidos e foram encaminhados aos postos de saúde. As famílias dizem que precisam aguardar por consulta com especialistas nas unidades para ouvir dos profissionais, no fim, que eles não têm como prestar o serviço. A recomendação, então, é entrar novamente na fila da Apae ou de outro serviço, conforme a gravidade do quadro.

Continua depois da publicidade

Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp

João* teve alta da Apae de Blumenau há três meses e desde então não tem as consultas com psicopedagoga, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional. Priscila Candido conta que o filho foi diagnosticado aos três anos com autismo nível 2. Em uma nova consulta com a neurologista este ano, foi informada que a situação havia avançado para autismo nível 3 — o mais severo. Para acompanhar o filho nos tratamentos, a mãe precisou sair do trabalho, tentou conseguir um benefício previdenciário, mas não teve sucesso. Ela descreve o momento como desesperador.

— Ele tem muitas crises, bate a cabeça no chão. Eu fico desesperada. Ver ele dessa forma e não poder fazer nada é triste — desabafa a mãe de João.

“Se ela tivesse atendimento, estaria melhor”

A situação é a mesma com a pequena Maria*, de 8 anos. Ela foi diagnosticada com autismo nível 2 e ainda não fala. Em 2021 e 2022, frequentou a Apae de Blumenau, mas em janeiro do ano passado recebeu alta e foi encaminhada para o posto de saúde, conta a mãe. Valdirene Zuetzth diz que tanto em 2023, quanto agora em 2024, a filha passou por consulta com neurologista e recebeu encaminhamento para frequentar o Centro Especializado em Reabilitação da Furb (CER 2). Conforme a prefeitura, este é o local indicado para tratar pacientes com a situação de Maria.

Continua depois da publicidade

O problema é que até hoje ela aguarda na fila de espera.

Com a ajuda do pai da menina, Valdirene ainda conseguiu pagar uma terapeuta ocupacional particular para a filha, porém agora vai precisar interromper por questões financeiras. A situação só não é pior, analisa ela, porque Maria frequenta um colégio bom, o Adelaide Starke, onde a pequena também recebe apoio semanal no contraturno escolar. Mas os atendimentos de psicologia e fonoaudiologia estão interrompidos desde quando recebeu a alta da Apae.

— Se ela tivesse esse atendimento, estaria muito melhor — admite a mãe.

O drama do homem que passou 35 dias preso por engano em SC: “Perdi minha dignidade”

Demora pode prejudicar desenvolvimento da criança

As histórias de Maria e João se unem a de outras crianças, como a da filha de Gilmara Rodrigues. Aos três anos de idade, Bruna*, com síndrome de down, está há seis meses sem a terapia multidisciplinar. O neuropediatra Christian Muller diz que o diagnóstico cada vez feito mais cedo melhora o prognóstico futuro da criança, mas precisa ter, em ato contínuo, o direcionamento terapêutico, como a psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia, terapia ocupacional e fisioterapia. E esse plano precisa ser discutido periodicamente entre o médico e os demais profissionais.

A falta desse atendimento ou a interrupção por qualquer período que seja, traz prejuízos:

— A interrupção por qualquer tempo ou demora no início da intervenção pode prejudicar o potencial desenvolvimento da criança, principalmente considerando fase de franco desenvolvimento cerebral até aproximadamente cinco anos. Por este mesmo motivo, a avaliação e diagnóstico precoce é tão importante, pois possibilita o direcionamento para adequada intervenção. Vale frisar que, mesmo após os cinco anos, em qualquer idade, as terapias são importantes e auxiliam a vencer suas novas etapas para um desenvolvimento infantil saudável — frisa o especialista.

Falta de professoras obriga CEI de Blumenau a pedir que pais deixem crianças com parentes

Mas por que isso está ocorrendo?

A explicação para o porquê de as crianças estarem recebendo alta após dois anos de atendimento, independentemente do quadro clínico, expõe um impasse entre a Apae e a prefeitura de Blumenau.

Continua depois da publicidade

O presidente da Apae Blumenau, Joel Trombelli, diz que a Secretaria Municipal de Saúde tem pressionado os profissionais da entidade para que os planos de atendimento dos pacientes, chamados de Projeto Terapêutico Singular, não extrapolem dois anos, para dar celeridade à fila de espera, atualmente com 450 pessoas aguardando por triagem. Essa pressão estaria ocorrendo, relata Trombelli, em reuniões entre as duas partes e também através das auditorias na entidade.

A secretária de Saúde, Jaqueline Mocelin, refuta as informações de Trombelli e afirma que não tinha conhecimento de que as altas teriam ocorrido como relatado pelas mães ouvidas nessa reportagem — embora uma mãe mostre apontamento feito na ouvidoria da saúde. A gestora da pasta diz que a Apae tem total autonomia para definir o plano de atendimento e estipular quanto tempo o paciente vai precisar de assistência.

Ao mesmo tempo, reconhece que tem fila de espera em todos os serviços públicos de saúde voltados a crianças e adolescentes atípicos — Sermaes, CER e Apae.

— A fila de espera é ordenada por dois fatores: quem mais precisa e, depois, quem chegou primeiro — explica a secretária.

Continua depois da publicidade

Como é a Blumenau prometida por Egidio Ferrari (PL) a partir de 2025

Trombelli afirma que gostaria de prestar atendimento contínuo aos pacientes que chegam à Apae de Blumenau, mas traz à tona outra questão. Segundo ele, é preciso aumentar a equipe profissional para ampliar o número de atendimento. Um novo prédio deve ser inaugurado no começo do ano que vem para dar mais espaço à entidade, mas a questão é como contratar e pagar mais mão de obra.

— O que seria ideal realmente? Planos longevos, porque queremos atendê-los. Temos uma responsabilização externa, mas a maior é interna, quando esses pacientes entram aqui. Temos que dar atendimento longevo — pontua o presidente da Apae.

Uma reunião entre a prefeitura e a Apae deve alinhar a forma como os encaminhamentos dos pacientes tem sido feito, segundo Jaqueline.