O julgamento que terminou com a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete réus do núcleo crucial da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda deve repercutir com discussões sobre possibilidade de recursos, efeitos das medidas decretadas junto com a condenação e até mesmo desdobramentos na política, com movimentações no grupo bolsonarista. 

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O advogado e professor de Direito Constitucional, Leonardo Bruno Pereira de Moraes, avalia que o resultado do julgamento foi o esperado e que o posicionamento mais surpreendente foi o do voto do ministro Luiz Fux, ao acolher argumentos da defesa como incompetência do STF e cerceamento do direito de defesa. Segundo ele, o resultado deve abrir uma discussão no Supremo sobre o cabimento ou não dos chamados embargos infringentes, recursos da defesa que poderiam pedir uma revisão do caso com julgamento em plenário, sob análise dos 11 ministros da Corte, e não apenas dos cinco que participaram da decisão na Primeira Turma. O debate deve ocorrer após a publicação do acórdão com o resultado oficial do julgamento, o que deve ocorrer nas próximas semanas. 

— A jurisprudência do Supremo entende que esse recurso só seria cabível se houvessem dois votos divergentes, mas o regimento interno do Supremo usa a expressão “decisão não unânime”, e portanto a decisão por 4 a 1 é não unânime. Então, você tem uma jurisprudência que em alguma medida restringe esse direito de recurso e isso certamente vai ser questionado pelos réus neste momento do processo — projeta. 

Um possível recurso da defesa a órgãos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, também é citada pelo advogado como possível estratégia da defesa. A medida, no entanto, não permite a revisão das condenações, mas apenas poderia representar sanções ao país em caso de entendimento de violações de direitos ao longo do processo. 

Veja fotos do julgamento de Bolsonaro

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Análise sobre o julgamento 

Um dos pontos mais polêmicos defendidos no voto divergente de Luiz Fux, a competência ou não do STF para julgar o caso divide opiniões de especialistas. O advogado Leonardo Bruno Pereira de Moraes afirma concordar com o argumento do ministro e considerar que o Supremo não seria o órgão adequado para julgar o caso, pelo fato de os réus não terem atualmente o chamado foro privilegiado. Além disso, ele aponta uma conotação política acima do desejável no processo judicial. 

— Independente do seu resultado, me parece que é um julgamento que trouxe elementos políticos demais para dentro do processo que deveria seguir o rito do processo penal e as garantias constitucionais. Não que os crimes não tenham ocorrido, não que os réus não devessem responder pelos atos supostamente praticados, mas entendo que a condução do processo não foi adequada — avalia. 

Já o advogado Ruy Espíndola, especialista em Direito Constitucional e membro da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, vai na linha contrária e considera que o STF era o foro adequado, conforme o entendimento da maioria dos ministros da Primeira Turma. Entre os argumentos estaria o fato de envolver um atual deputado federal (Alexandre Ramagem), que por isso tem foro por prerrogativa de função, um ex-presidente, os atos de 8 de janeiro, que também foram contra o STF e já tiveram centenas de casos julgados na Corte, além do fato de o julgamento decidir se as autoridades visaram proteger a Constituição, o que também é um papel do Supremo. 

O advogado defende que o inquérito, a denúncia e o voto do relator foram bem construídos, com muitos elementos e um processo transparente, inclusive com transmissão das etapas de instrução processual, como os depoimentos dos réus. Segundo Espíndola, no caso do crime de golpe, os atos preparatórios para o crime já estão no caminho da tentativa e da consumação. 

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— Sobre a análise de provas, não dá para comparar um crime de golpe de Estado ou abolição violenta de Estado de Direito, de alta complexidade funcional, de atuação de muitas pessoas em determinados lugares. Um golpe de Estado não é como um tapa no rosto de um desafeto nosso. O golpe não se dá num único movimento comportamental e se exaure em um único momento. É uma complexidade, e essa complexidade foi bem estabelecida e comprovada no inquérito, na acusação e no curso do processo — defende. 

Na avaliação dele, a corte cumpriu bem seu papel ao responder às atitudes do ex-presidente, como falas que jogavam a população contra os poderes. 

— Foi um julgamento histórico, em que a Suprema Corte manteve sua independência, não curvando a espinha a governos estrangeiros, dando uma lição ao mundo e aos próprios Estados Unidos — avalia, citando as sanções e ameaças norte-americanas na tentativa de proteção ao ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Perda de mandato de Ramagem é outra discussão 

Outra decisão que deve repercutir é a possível perda de mandato do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), decretada na condenação do ex-chefe da Abin, que deverá cumprir 16 anos e 1 mês de prisão.  

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— O ministro Alexandre de Moraes determinou a perda de mandato a partir da condenação criminal, mas existe um grande debate se ele poderia perder o mandato automaticamente, por decisão do STF, ou se isso precisaria passar pela Câmara dos Deputados. Esse é um caso em que existe uma divergência sobre a interpretação desse dispositivo da Constituição, se isso [a condenação] implicaria a perda imediata ou se a Câmara teria a prerrogativa de não decretar a perda de mandato — detalha o advogado. 

O especialista defende o entendimento de que a perda do mandato fosse imediata, mas antecipa essa discussão jurídica como outra que deve decorrer do julgamento. 

Consequências políticas envolvem Tarcísio e unidade da direita

Com Bolsonaro condenado e inelegível até oito anos após o fim do cumprimento da pena, a decisão do julgamento também terá consequências no campo político, com movimentações no campo bolsonarista. O professor e pesquisador de Cultura Política da Universidade do Estado de Santa Catarina (Esag Udesc), Daniel Pinheiro, afirma que as primeiras entrevistas de apoiadores de Jair Bolsonaro já sinalizam que a defesa do ex-presidente deve se basear no voto de Luiz Fux, afirmando que não houve crimes e que o ex-presidente é inocente. 

O discurso, segundo ele, é semelhante ao adotado pelo entorno do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando condenado no contexto da Operação Lava-Jato. Também são esperadas movimentações populares de apoio como a registrada no último feriado de 7 de Setembro. 

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Para além das reações de solidariedade a Bolsonaro, os próximos movimentos devem depender do ritmo de avanço do projeto de anistia no Congresso. Apoiadores esperam que na próxima semana o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), volte a Brasília para novas articulações em defesa do projeto de perdão a Bolsonaro e a acusados nos atos de 8 de janeiro. Tarcísio é apontado como principal nome para herdar o espólio eleitoral de Bolsonaro. Nas últimas semanas, tem apostado em um discurso mais radical e fiel às falas do ex-presidente em busca de uma declaração de apoio de Bolsonaro na corrida presidencial do próximo ano. 

— Essa é a esperança da direita para manter Bolsonaro ou o bolsonarismo vivo. Ou então fazer o que foi feito no passado pela esquerda, fortalecendo um candidato da direita no entorno de Bolsonaro. Se a anistia não alcançar Bolsonaro, o maior beneficiado é o Tarcísio, que já vem com um discurso muito mais radical do que ele costuma fazer — afirma Pinheiro.  

Para o pesquisador, no entanto, embora ainda falte pouco mais de um ano para as eleições presidenciais de 2026, os movimentos de Tarcísio precisarão ser rápidos. 

— Tem grupos da direita que são muito pró-Bolsonaro e não aceitam o Tarcísio. Então, ele tem que ser muito rápido para convencer essas pessoas que ele está com elas. Se não, a direita pode se desmobilizar e acontecer o que aconteceu com a esquerda. Após o impeachment da ex-presidente Dilma, você teve grupos de esquerda que começaram embates entre eles, e aí elege-se o Bolsonaro — compara. 

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