A segunda semana de julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe terminou com a condenação do ex-presidente a 27 anos e 3 meses de prisão, além de penas acima de 20 anos para outros quatro réus do núcleo crucial da trama golpista.

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A partir desta sexta-feira, no entanto, o resultado do julgamento deve voltar a dividir os holofotes com o projeto de anistia, que ganhou força no Congresso depois que o ex-presidente começou a ser julgado. O envolvimento direto do governador e aliado Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi um dos fatores que fez o movimento encorpar na última semana e voltar a representar esperança de indulto a Bolsonaro e outros investigados no caso da trama golpista e nos atos de 8 de janeiro, apesar dos sinais do STF de que o pleito seria inconstitucional em casos de crimes contra o Estado Democrático de Direito. Na próxima semana, Tarcísio deve voltar a Brasília para voltar a pressionar pela anistia.

O projeto da anistia ainda não tem um texto pronto, mas na semana passada uma minuta defendida pelo PL, partido de Bolsonaro, começou a circular. A proposta prevê uma anistia ampla, incluindo o ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atualmente nos Estados Unidos, envolvidos nos atos de 8 de janeiro e alvos do STF em inquéritos sobre fake news e milícias digitais.

A versão também passa por cima da decisão da Justiça Eleitoral que tornou Bolsonaro inelegível e devolve ao ex-presidente o direito de se candidatar, permitindo, por exemplo, que ele dispute a eleição presidencial de 2026. O texto anistia até mesmo pessoas que “eventualmente, possam vir a ser investigados, processados ou condenados” por crimes como ofensa ou ataque a instituições públicas e descrédito ao processo eleitoral. As informações sobre a redação foram divulgadas na semana passada pelo jornal O Globo.

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Não há consenso de que esta será a proposta levada adiante no Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), avesso à proposta da anistia, já afirmou que pretende elaborar um texto paralelo para levar a votação. Neste caso, a intenção seria a redução de penas de condenados pelos ataques de 8 de janeiro, mas sem focar em anistia e benefícios para a cúpula da trama golpista.

A influência de Tarcísio na discussão

A entrada de Tarcísio foi um passo determinante para o aumento do clima em favor da anistia. O governador se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na semana passada para discutir a possibilidade de pautar a proposta. O interesse nos votos de Bolsonaro e em outras pautas, como a PEC da Blindagem, e a garantia de emendas parlamentares também teriam levado lideranças do Centrão a embarcarem na investida por anistia.

A aprovação poderia inocentar Jair Bolsonaro, o filho, Eduardo, que passou a responder por possível coação no curso do processo da trama golpista pela atuação em busca de sanções dos Estados Unidos, além de outros militares e ex-ministros que estão no banco dos réus prestes a receber sentença pelos fatos ocorridos após a eleição de 2022.

O professor de Administração Pública e pesquisador de Cultura Política da Universidade do Estado de Santa Catarina (Esag Udesc), Daniel Pinheiro, afirma que o clima de pouca pressão popular ao longo desta legislatura e o início do julgamento de Bolsonaro no STF contribuíram para a articulação ganhar espaço.

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— A qualquer momento a pauta ia entrar, mas a movimentação de alas antigoverno e de grupos bolsonaristas mais fiéis, somada ao julgamento com perspectiva de resultado ruim, contribuíram para acelerar esse processo — avalia.

Anistia teria efeitos diretos em 2026

Mais do que isso, a anistia também teria efeitos políticos. Se aprovado, o texto mais amplo, defendido pelos bolsonaristas, poderia permitir que Bolsonaro concorra novamente à Presidência da República em 2026. Outras teses defendidas por partidos do Centrão preveem a anistia, mas mantendo a inelegibilidade do ex-presidente. Nesse caso, quem ganharia força pela raia bolsonarista para a corrida presidencial seria Tarcísio de Freitas, que mergulhou de vez na defesa da proposta na última semana e poderia levar os dividendos políticos da articulação em forma de apoio da família Bolsonaro. No último feriado de 7 de setembro, o governador paulista subiu em um caminhão durante um protesto de bolsonaristas, defendeu a anistia e fez declaração fortes contra o STF, em claro aceno aos apoiadores do ex-presidente.

— Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes — afirmou, prometendo a anistia aos apoiadores do ex-presidente.

A mensagem recebeu recado direto durante a segunda semana de julgamento de Bolsonaro, com o ministro Flávio Dino negando excessos da Corte e fazendo defesa pública de Moraes. Ao definir a pena do tenente-coronel Mauro Cid, Moraes negou a possibilidade de perdão judicial, prevista no acordo de delação premiada, o ministro relator reafirmou que os crimes pelos quais os réus foram condenados não são cabíveis de perdão judicial, indulto ou anistia.

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Ainda assim, se a anistia poderia oferecer novos horizontes a Bolsonaro ou Tarcísio em 2026, também movimenta os ponteiros do projeto de reeleição de Lula (PT). Na semana passada, enquanto o caldo da anistia engrossava no Congresso, os partidos União Brasil e Progressistas anunciaram o desembarque do governo, dando prazo de um mês para que os filiados deixem os cargos de alto escalão. As legendas têm dois ministérios no governo Lula: Turismo, com Celso Sabino (União); e Esportes, com André Fufuca (PP).

Os gestos acenderam o alerta no governo. Na semana passada, Lula admitiu que a anistia havia ganhado força na Câmara. Nesta semana, a ministra da articulação política, Gleisi Hoffmann, reuniu ministros do governo federal para discutir a mobilização em torno da proposta. A intenção do governo é que os ministros se envolvam em uma “força-tarefa” para barrar a tentativa de anistia ainda na Câmara.

Por todos esses efeitos no futuro político do país e no provável acirramento da disputa eleitoral do próximo ano, o debate em torno da anistia se tornou uma das principais pautas do ambiente político, ao lado do julgamento de Bolsonaro no STF, que chega à semana decisiva e pode acabar com a condenação do ex-presidente. O assunto deixou em segundo plano outras discussões que aguardavam aval do Congresso, como a proposta de isenção de Imposto de Renda a quem ganha até R$ 5 mil ao mês.

O professor e pesquisador de Cultura Política da Udesc avalia que o grupo bolsonarista mais radical quer uma anistia que recoloque Bolsonaro no jogo, mas a articulação com o Congresso pode oferecer propostas intermediárias, que reduzam penas de participantes do 8 de janeiro, mas não livrem o ex-presidente. Nesse cenário, o governador de São Paulo poderia ser um beneficiário da proposta.

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— A dúvida principal é se um eventual avanço do projeto de anistia vai conseguir dar fôlego a Tarcísio. Se, perdendo Bolsonaro, os apoiadores olharão para ele, porque ainda havia um receio de que ele não conseguisse ter a aprovação dos bolsonaristas — analisa Pinheiro.

STF pode derrubar eventual anistia?

Ainda que o Congresso decida aprovar um projeto de anistia, a proposta pode ser barrada em outras duas instâncias. A primeira delas é um veto do presidente Lula. A medida é considerada provável, com o argumento de defesa da soberania nacional. No entanto, mesmo que Lula barre a proposta, o Congresso ainda poderia derrubar o veto e promulgar o projeto de lei, confirmando a anistia.

Neste caso, no entanto, o cenário mais provável é que o STF seja provocado para analisar se a proposta é ou não constitucional. Um entendimento possível seria de que crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito não seriam passíveis de anistia, o que poderia barrar a medida em caso de aprovação no Congresso. O STF já teve posicionamento semelhante quando o ex-presidente Jair Bolsonaro concedeu perdão presidencial ao deputado Daniel Silveira. Na ocasião, a Suprema Corte considerou justamente que o indulto não poderia ser concedido a autores de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Uma fala do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, na semana passada, no entanto, pode ter ajudado a mudar o clima e facilitar o caminho para a tentativa de anistia. O ministro afirmou que não existe anistia antes de julgamento, mas que depois de uma decisão o tema passa a ser uma “questão política. Em entrevista à Folha, o presidente do PP, Ciro Nogueira (PP-PI), atribuiu a essa frase o clima mais favorável ao movimento. A fala foi encarada como um aceno aos bolsonaristas, mas posteriormente Barroso negou ter admitido a possibilidade.

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Neste domingo, após manifestações durante o feriado de 7 de setembro, o ministro Gilmar Mendes saiu em defesa do respeito ao julgamento de Bolsonaro no STF. O magistrado reagiu à fala de Tarcísio de Freitas, que falou em “tirania de Moraes”.

“Não há no Brasil ‘ditadura da toga’, tampouco ministros agindo como tiranos. O STF tem cumprido seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito, impedindo retrocessos e preservando as garantias fundamentais”, afirmou Gilmar, em publicação na rede social X.

Pesquisa recente da Genial/Quaest mostraram que 56% dos brasileiros são contrários à anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.

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