O julgamento de Jair Bolsonaro e de outros sete réus da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) entra na semana decisiva com expectativa sobre o resultado e as consequências da possível condenação do ex-presidente. Os dois primeiros dias de julgamento, nesta semana, foram dedicados às manifestações da acusação e dos advogados de defesa dos oito investigados. As falas sobre os personagens centrais da cronologia do golpe já deram pistas do que pode ocorrer e de quais serão as estratégias das defesas para evitar o desfecho de condenações.
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Agora, o julgamento entra na fase de votação dos cinco ministros que compõem a Primeira Turma do STF (veja nomes e horários das sessões abaixo). Os réus são acusados de cinco crimes: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Caso sejam condenados com as penas máximas previstas para todos os crimes, o ex-presidente pode pegar até 43 anos de prisão. Apenas Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), não responderá aos dois últimos crimes por terem ocorrido após a diplomação dele como deputado federal eleito.
Veja fotos do julgamento de Bolsonaro
Os primeiros indícios sobre o possível desfecho do caso do golpe já foram vistos nas sessões dos primeiros dias. Na abertura do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes leu o relatório do processo que investiga a trama golpista. No discurso de uma hora e meia, deu sinais da provável inclinação à condenação dos réus.
— Nesses momentos, a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil, e só aparentemente, que é da impunidade, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente no Brasil demonstra — afirmou.
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Moraes também defendeu que a pacificação está condicionada ao respeito à Constituição e sustentou que o STF deve julgar a trama golpista com imparcialidade e ignorando “coações” e “pressões externas”, em referência a sanções dos Estados Unidos.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também defendeu a punição dos envolvidos afirmando que a impunidade “recrudesce ímpetos de autoritarismo” na sociedade. Também defendeu que para que uma tentativa de golpe se consolide, “não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República”.
— Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor, como devaneios utópicos anódinos nem como precipitações a serem reduzidas, com o passar dos dias, a um plano bonachão e irreverente — afirmou.
Em prisão domiciliar, Bolsonaro não compareceu aos primeiros dias de julgamento. Mas o distanciamento não significou inércia. Durante os dias de julgamento, negociações lideradas pelo governador Tarcísio de Freitas e por aliados do Centrão buscaram colocar de pé um plano de anistia que possa livrar o ex-presidente da prisão em caso de condenação (leia mais abaixo). Uma articulação que pode fazer o desfecho da trama golpista se arrastar para além da sentença a ser anunciada na próxima semana.
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O que disseram as defesas
A maior parte dos dois primeiros dias de julgamento, no entanto, foi dedicada à fala dos advogados de defesa dos réus. Eles dedicaram o tempo a contestar pontos que consideram frágeis da denúncia e divergências jurídicas, como o momento exato em que os atos teriam deixado de ser planejados e passaram a ser executados. Confira abaixo as principais alegações da defesa de cada réu:
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
A defesa de Bolsonaro foi feita pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Amador Thomas Alves da Cunha Bueno. Os defensores alegaram que o ex-presidente “foi dragado” para o 8 de janeiro e que ele não tem relação com os atos. Alegaram que o ex-presidente também não teria relação com os planos Punhal Verde Amarelo e Copa 22, e que ele teria autorizado a transição de governo.
Vilardi ainda atacou delação do Mauro Cid, que segundo ele teria mudado de versão várias vezes, e criticou o excesso de documentos anexado aos autos, que teria atrapalhado o direito à defesa em razão do pouco tempo para análise das provas.
Cunha Bueno sustentou que não haveria provas de “violência ou grave ameaça”, condição prevista na legislação, e que nenhuma tentativa de golpe teria sido executada — teria ficado apenas nos chamados “atos preparatórios”.
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Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin e deputado federal
O advogado de Ramagem, Paulo Cintra, alegou que Ramagem não fazia mais parte do governo quando teria ocorrido a atuação do suposto núcleo crucial. Também negou que ele tenha atuado na elaboração de mensagem de desconfiança nas urnas. O defensor ainda levou uma bronca da ministra Cármen Lúcia por tratar voto impresso e auditável como sinônimos ao longo da sustentação — a magistrada reforçou que o processo eleitoral brasileiro já é auditável.
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
O advogado Demóstenes Torres criticou a ausência de individualização da conduta do militar que estaria ligada aos crimes apontados pela denúncia e alegou a existência de uma “narrativa globalizante”. Também pediu a anulação da delação de Mauro Cid.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
O advogado Eumar Novacki negou que o réu tenha se ausentado do Brasil de forma intencional diurante os atos de 8 de janeiro — na ocasião, ele era secretário de segurança do Distrito Federal. Afirmou que a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro seria um documento que “circulava na internet” e que seria “uma minuta apócrifa, que não fazia qualquer sentido”.
Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
Já no segundo dia de julgamento, o advogado Matheus Milanez afirmou que o general não pressionou nenhum militar para aderir à trama golpista. Alegou que já não era tão próximo do governo nos últimos meses de gestão e que não estava participando das decisões. Foi o advogado mais crítico ao ministro Alexandre de Moraes, confrontando no discurso a maneira de conduzir processo e afirmando que teria ultrapassado os limites de juiz ao tomar a iniciativa de coleta de provas.
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Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
O advogado de Mauro Cid, Cezar Bittencourt, defendeu a manutenção da delação premiada do militar e negou que ele tenha sido coagido a delatar. Alegou ainda que ele não teve participação ativa no plano de golpe e que a proximidade com Bolsonaro “só atrapalhou sua vida”.
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
O advogado Andrew Fernandes Farias afirmou que o então ministro estaria rachado com outros militares das Forças Armadas e teria tentado dissuadir Bolsonaro de qualquer medida de exceção Ele teria alertado o ex-presidente das consequências de eventuais atos. Chamou a atenção pelas diversas referências ao longo da sustentação, com citações a Fernando Pessoa, Lewis Carroll e até uma menção à sogra, que rendeu comentários e risadas dos ministros Flávio Dino e Moraes.
Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro
O advogado José Luís Mendes de Oliveira Lim dedicou grande parte da defesa para atacar a delação de Mauro Cid. Citou inconsistências sobre lembranças do ex-ajudante de ordens, chamou o militar de “irresponsável” e criticou as sete versões que ele teria oferecido à Justiça. Também alegou cerceamento da defesa, por pouco tempo de análise das provas, e alegou inocência de Braga Netto, o único réu preso atualmente.
O que vem pela frente no julgamento
O julgamento de Bolsonaro tem mais três sessões previstas (veja datas abaixo), mas pode ser resolvido antes da terceira data. A retomada do julgamento ocorre na terça-feira (9), com a leitura do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Em seguida, votam os outros quatro ministros, na seguinte ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que fecha o julgamento por ser presidente da Turma. Os ministros podem acompanhar o voto do relator total ou parcialmente, ou ainda discordar da decisão de Moraes, apresentando um voto diferente.
Após a proclamação do resultado, as defesas dos réus ainda poderão apresentar os chamados embargos de declaração, para esclarecer pontos da decisão, e os embargos infringentes, caso a condenação não seja unânime. Somente depois disso é que eventuais decisões sobre prisão devem ser tomadas.
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- Terça-feira (9), às 9h e às 14h
- Quarta-feira (10), às 9h
- Sexta-feira (12), às 9h e às 14h
Liderada por Tarcísio, pressão por pela anistia ganha corpo
Em meio aos primeiros dias de julgamento de Bolsonaro, ganhou força em Brasília a articulação para um possível projeto de anistia a presos do 8 de janeiro e até mesmo a bolsonaristas do alto escalão réus pela tentativa de golpe. Liderado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que nas últimas semanas tem sinalizado uma possível candidatura à Presidência da República e poderia ser o rival de Lula em 2026, e pelo Centrão, o movimento visa tirar o ex-presidente Bolsonaro da prisão e até retirar a inelegibilidade do ex-presidente.
A expectativa é de que uma eventual discussão e votação de um projeto só ocorra após o resultado do julgamento, em até duas semanas. O sucesso da empreitada poderia garantir de vez o apoio de Bolsonaro a Tarcísio na corrida eleitoral de 2026, mas a missão pode enfrentar resistência no STF, que já sinalizou a intenção de considerar inconstitucional eventual anistia ou indulto a Bolsonaro e aos golpistas, conforme mostrou a colunista Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo. Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que ainda não definição sobre votação de anistia.
Todo o levante em favor da anistia ocorre na semana em que os partidos União Brasil e PP, que formam a federação União Progressista, anunciaram o desembarque do governo Lula. Ministros filiados às legendas, como André Fufuca (PP, do Esporte), e Celso Sabino (União, Turismo), ganharam prazo de 30 dias para sair dos cargos. O desembarque da federação coincide com a aproximação com o projeto de Tarcísio e ocorre semanas após o presidente Lula (PT) cobrar apoio no Congresso dos partidos que têm ministros no governo.
Senado expõe acusações de ex-assessor de Moraes
Outra articulação bolsonarista colocada em prática durante o julgamento de Bolsonaro foi a convocação de um depoimento do ex-assessor de Moraes, Eduardo Tagliaferro, a uma sessão da Comissão de Segurança Pública do Senado. Tagliaferro acusa Moraes de pedir informalmente que o TSE produzisse relatórios sobre investigados em inquéritos sobre as fake news e as milícias digitais, que são de relatoria de Moraes em outro tribunal, o STF.
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Também afirma que Moraes teria fraudado relatórios para justificar operação contra empresários bolsonaristas flagrados em conversas sobre as eleições em 2022. O senador Flávio Bolsonaro, que convocou a audiência, disse que pedirá a abertura de uma possível denúncia contra Moraes, a ser protocolada por senadores. O gabinete de Moraes negou as irregularidades e afirmou que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações”.
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