O segundo dia de julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a fase das sustentações orais dos advogados dos oito acusados. O que chamou a atenção foram as referências citadas por alguns dos defensores que foram à tribuna da Primeira Turma para defender os investigados por tentativa de golpe. Em geral, os defensores atacaram pontos que consideram frágeis da denúncia e negaram atuação dos clientes nos fatos citados como parte do plano golpista. Em meio a isso, também fizeram analogias que envolveram citações a poetas como Gonçalves Dias, Fernando Pessoa e até a sogra de um dos advogados.
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Quem mais chamou a atenção pelas menções a obras literárias e culturais foi o advogado Andrew Fernandes Farias, defensor do general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro. Ele foi o penúltimo a falar na sessão desta quarta-feira (3).
Farias citou o poeta Gonçalves Dias ao elogiar a trajetória de vida chamando-o de “bravo guerreiro do Nordeste”. Em seguida, ao narrar a escolha de sair de casa no interior do Ceará aos 11 anos para ir estudar na capital Fortaleza, citou versos da música “Tudo outra vez”, do também cearense Belchior, afirmando que Paulo Sérgio precisou “deixar sua rede branca, seu cachorro ligeiro”.
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Durante a fala de cerca de uma hora, o advogado fez referência ainda ao Poema em Linha Reta, do português Fernando Pessoa, ao tentar justificar uma fala do general Paulo Sérgio que endossou críticas às urnas eletrônicas em uma reunião em julho de 2022. Classificou a fala do então ministro como “uma bobagem” e citou “príncipes e semideuses” do poema de Pessoa.
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Em um dos momentos, Farias chegou a arrancar risadas durante uma interação com os ministros da Primeira Turma. Ao falar sobre a acusação de que o ex-ministro Paulo Sérgio teria convocado reunião para pressionar os militares a aderirem a uma trama golpista, fez menção à sua sogra.
— Aqui eu lembro minha sogra, ela fala: às vezes as palavras são como um punhal, como uma arma, machucam, dói — afirmou.
Imediatamente, o ministro Flávio Dino respondeu ter “ficado curioso” sobre o porquê ele lembrar da sogra. Moraes emendou e perguntou se a sogra do advogado fala essa frase ou se “as palavras dela são um punhal”. Farias deu risada e negou, dizendo ter “um amor profundo” pela sogra.
A sustentação oral seguiu a linha de referências bibliográficas. Andrew citou ainda o escritor Ariano Suassuna e o britânico Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas, ao tentar justificar que as palavras usadas pelo general não teriam pressionado para os planos golpistas, citando testemunhas que também teriam negado essa influência.
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Ao longo da defesa, o advogado sustentou que Paulo Sérgio Nogueira estaria rachado com outros militares das Forças Armadas e teria tentado dissuadir Bolsonaro de qualquer plano de ruptura. Ele teria alertado o ex-presidente das consequências de eventuais medidas de exceção.
Ao fim da fala de Farias, Dino voltou a brincar com o advogado, que precisou desligar rapidamente o telefone após ele tocar durante a fala de defesa.
— Pode atender o telefone, era sua sogra — ironizou o ministro.
Caso Dreyfus
Um dos advogados que falou em nome da defesa de Jair Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno citou não uma obra literária, mas um caso emblemático do início do século XIX para pedir a absolvição do ex-presidente.
— Senhores ministros, não permitamos, em hipótese alguma, criarmos neste processo uma versão brasileira e atualizada do emblemático Dreyfus, curiosamente, também capitão de artilharia, também acusado de crime contra a pátria, e curiosamente condenado com base no rascunho de um documento apócrifo, curiosamente teve seu exercício de defesa constrangível em determinada altura é inegavelmente um dos casos que representa uma cicatriz na história jurídica do ocidente. — explicou.
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O caso ocorreu em 1894. Um então capitão judeu do Exército francês foi condenado à prisão perpétua por traição, por supostas informações secretas repassadas à Alemanha. Anos mais tarde, provou-se que outro militar estaria envolvido com a espionagem contra a França. O caso já tinha sido citado pelo senador Flávio Bolsonaro para compará-lo ao caso de Bolsonaro em uma publicação na rede social X na terça-feira.
O julgamento de Bolsonaro foi suspenso por volta das 13h desta quarta-feira, após o fim das sustentações orais dos advogados de defesa dos réus. O caso será retomado na terça-feira (9) da próxima semana, às 9h, com os votos dos ministros.
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