Enquanto o início do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus da trama golpista chamava as atenções ao Supremo Tribunal Federal (STF), senadores bolsonaristas apostaram em uma audiência com um ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes para tentar rivalizar e questionar as decisões que definem o futuro do ex-presidente.
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Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no período em que Moraes presidiu a corte eleitoral, participou nesta terça-feira (2) de uma audiência da Comissão de Segurança Pública do Senado. O nome dele chegou a ficar entre os termos mais citados em redes sociais como o X, impulsionado por publicações de apoiadores de Bolsonaro. As informações são do portal g1.
Quem é Eduardo Tagliaferro
Tagliaferro é apontado como responsável pelo vazamento à imprensa de informações do gabinete da presidência do TSE durante a gestão de Moraes. Em agosto do ano passado, reportagem da Folha de S.Paulo baseada em conversas extraídas do celular de Tagliaferro mostrou o que seriam conversas de Moraes pedindo informalmente que o TSE produzisse relatórios sobre investigados em inquéritos sobre as fake news e as milícias digitais, que são de relatoria de Moraes no STF.
Na ocasião, o ministro em nota defendeu que a solicitação de informações a outros órgãos é normal, incluindo o TSE, que segundo ele tem “poder de polícia”. Também argumento que por ser ao mesmo tempo relator do caso no STF e presidente do TSE, não precisaria oficializar pedidos para ele mesmo. O caso repercutiu entre apoiadores de Bolsonaro e foi chamado de “Vaza Toga”.
Veja fotos de Eduardo Tagliaferro
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Durante a audiência, da qual participou por videoconferência, Tagliaferro voltou a repetir essas acusações de que Moraes teria tentado direcionar o levantamento de informações para abastecer os inquéritos do STF dos quais era relator.
— Esse relatório seria enviado para o Tribunal Superior Eleitoral, em seu gabinete, ou ao Supremo Tribunal Federal, também ao seu gabinete, para que [Moraes] definisse o local melhor. Muitas informações acabaram saindo pelo Tribunal Superior Eleitoral, visto a menor burocracia, uma vez que Alexandre de Moraes era o presidente — afirmou o ex-assessor, segundo informações da Agência Senado.
A participação dele na comissão do Senado partiu do senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente que está sendo julgado no STF. O parlamentar alegou que as informações contestam o julgamento da trama golpista em andamento na Suprema Corte e disse que acionaria a Advocacia-Geral do Senado para definir encaminhamentos de uma possível denúncia de fraude processual contra Moraes, a ser protocolada por senadores.
Segundo informações do portal Metrópoles, Tagliaferro também acusou Moraes de fraudar relatórios para justificar uma operação contra empresários bolsonaristas em 2022. Os apoiadores bolsonaristas foram alvo de mandados de busca e apreensão após a divulgação de uma reportagem do portal sobre conversas mantidas por eles com possíveis ameaças à democracia. O ex-assessor disse que os mandados contra os alvos teriam sido baseados apenas na reportagem, e não em investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF). Conforme o ex-assessor, somente após a operação é que ele teria sido orientado a produzir relatórios contra os alvos, de forma “retroativa”.
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As afirmações de Tagliaferro geraram revolta nos parlamentares bolsonaristas, que chegaram a pedir a interrupção do julgamento no STF. O senador catarinense Esperidião Amin defendeu a leitura do requerimento apresentado por ele para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar membros do Poder Judiciário por suposta perseguição política a adversários. O pedido já recebeu 29 assinaturas, mais do que as 27 necessárias, mas depende da leitura em plenário pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para que uma CPI seja de fato instalada.
Onde está Tagliaferro
Após a divulgação das conversas e o início de investigações sobre o vazamento, Tagliaferro foi exonerado e deixou o Brasil rumo à Itália, país em que vive atualmente. O ex-assessor foi exonerado do TSE em maio de 2023, após ser preso e acusado por violência doméstica contra a esposa.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou na semana passada uma denúncia contra o ex-assessor por violação de sigilo funcional e obstrução da justiça. O Ministério das Relações Exteriores pediu a extradição de Tagliaferro ao governo italiano. Ele também foi denunciado pelos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, coação no curso do processo e obstrução de investigação envolvendo organização criminosa. As penas máximas somadas podem chegar a 22 anos de prisão. A PGR argumentou que ele teria agido contra a legitimidade do processo eleitorado e tentado prejudicar as investigações dos atos antidemocráticos.
Tagliaferro também foi listado como testemunha de defesa da deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP) no processo de cassação sofrida pela parlamentar, que está presa na Itália. A intenção da parlamentar é reforçar a tese de que ela é perseguida pela Justiça brasileira.
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O que dizem Moraes e o STF
O gabinete do ministro Alexandre de Moraes respondeu às acusações em nota esclarecendo que, durante o andamento das investigações do inquérito das fake news e das milícias, digitais diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao TSE, que, “no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições”.
Segundo o gabinete do ministro, os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas feitas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Conforme o texto, vários desses relatórios foram juntados a essas investigações e a outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das apurações, sempre com ciência à Procuradoria-Geral da República. “Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”, defendeu o gabinete.
A nota afirma ainda que na investigação sobre os empresários bolsonaristas, o procedimento foi absolutamente idêntico. “Após a decisão do ministro relator, em 19 de agosto, foi solicitado relatório para o TSE, que foi juntado aos autos no dia 29 de agosto, tendo sido dada vista imediata às partes. O recurso da PGR não foi conhecido pelo STF, em 9 de setembro. Tudo regular e oficialmente nos autos”, concluiu.
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