No dicionário de Blumenau, a palavra pioneirismo tem múltiplas razões para ser utilizada. Dos tempos da colônia até hoje, não é exagero dizer que esta é uma cidade de primeiras ideias. E a estrutura dela ajuda a contar essa história.

Continua depois da publicidade

Uma das principais ligações do Centro ao bairro Ponta Aguda, a Ponte de Ferro foi testemunha da pujança econômica da “Colônia Blumenau”, a maior entre as alemãs no Estado. Essa relação estreita com o país europeu permitiu que, com recursos de lá, fosse construída aqui a primeira ferrovia do Vale do Itajaí.

— A Estrada de Ferro Santa Catarina foi construída com todo o capital alemão. Os engenheiros, as construtoras, eram todos alemães. Era um ícone do empreendedorismo da época porque estava ligando todo o Vale do Itajaí com a sede principal, Blumenau — relembra a historiadora Sueli Petry.

Essa estrada era responsável por levar ao Porto de Itajaí o que havia de primordial na produção econômica regional. 

A principal estação de embarque dessa estrada ferroviária, em Blumenau, ficava onde hoje está o prédio da prefeitura. A estação já não existe mais, mas a Ponte de Ferro, sim. Construída para que os trilhos pudessem cruzar as margens do Rio Itajaí-Açu, hoje ela liga carros, motos e caminhões a essas margens. E foi justamente o avanço do setor automotivo que justificou a desativação dessa ferrovia, tão fundamental para o crescimento do empreendedorismo da região.

Continua depois da publicidade

Veja as fotos do desfile de 175 anos de Blumenau

Cooperativismo de consumo

Por essa mesma ferrovia passaram produtos que abasteceram a primeira cooperativa de consumo do Vale do Itajaí. Mais um pioneirismo de Blumenau. Quem nunca foi a um supermercado na região e descobriu que, na verdade, tratava-se de uma cooperativa?

Música tema da Oktoberfest Blumenau 2025 celebra união: “Nunca ficamos sozinhos na chuva”

Na região, a pioneira foi criada em 1944, feita para e por colaboradores da Indústria Têxtil Companhia Hering. O momento era de Segunda Guerra Mundial. Segundo o economista Ralph Marcos Empke, as dificuldades na Europa criaram esse movimento de cooperativas. As especulações sobre alimentos eram muitas, então uma das preocupações era oferecer à comunidade, ou seja, aos cooperados, preços justos.

Na década de 1940, Blumenau não tinha tantos problemas quanto os pioneiros do século 19 tinham na Europa. Mas a lógica de um espaço com alimentos a preços honestos, vendidos de forma associativa, era interessante para a cidade catarinense.

Hoje, essa primeira cooperativa de consumo da região ainda existe, sob o nome de Cooper. E a região virou berço de outras cooperativas de segmentos distintos: de médicos, de trabalho, agrícolas. Sempre com o princípio de ser uma prática financeiramente sustentável e, se possível, permitindo o retorno das sobras.

Continua depois da publicidade

— A ideia sempre foi excelente. E tem benefícios junto a uma mentalidade da própria população de se associar, unir esforços — reforça o professor Ralph.

De Blumenau para o mundo

Hoje, os empresários abrem caminhos de outras formas, mais digitais. A arquiteta Ingrid Sani Lang é testemunha disso. Mesmo morando em uma cidade com 175 anos de existência, ainda achou nichos para inovar. Da sala comercial dela, no bairro Itoupava Norte, têm saído produtos queridinhos de influenciadores e figuras da cultura pop atual, reconhecidos justamente pela irreverência.

São criações como espelhos, capachos e poltronas que estão nas casas de figuras como as influenciadoras Jade Picon e Blogueirinha e da cantora Duda Beat. Essas artistas chegaram a essa empreendedora blumenauense justamente pela força das redes sociais. Como explica Ingrid, “tudo começa com rede social, porque a gente tá aqui em Blumenau e essas pessoas estão em outros lugares normalmente”.

Quando os primeiros clientes renomados surgiram, ela nem acreditava. Na ocasião em que Jade Picon comprou um produto dela, Ingrid chegou a pesquisar quantas pessoas no Brasil têm esse nome. A compra deu certo e não se tratava de um golpe.

Continua depois da publicidade

Ingrid é uma blumenauense que inova, uma mente que cria produtos fora do convencional e leva o nome de Blumenau país afora. A história de Blumenau mostra que essa tendência de inovação vem de berço, nos mais diferentes segmentos.

Referência em prevenção de desastres

A cada episódio de chuva ou ventos fortes, uma iniciativa de Blumenau volta a ser referenciada por cidades e estados de todo o país: o AlertaBlu. É recorrente que os corredores do primeiro andar do prédio da prefeitura fiquem cheios de coordenadores de Defesas Civis e prefeitos que vêm a Blumenau entender como a plataforma funciona. 

Para Caroline Prieto, moradora do bairro da Velha, não há mais como imaginar a rotina sem os avisos do AlertaBlu. A rua em que ela mora sofre com problemas de drenagem. Como alaga, ela criou uma contenção no portão principal de casa. 

— Às vezes, tem noites que eu não fecho a contenção porque penso que não vai dar nada. Aí vem o alerta e me diz que tem previsão de chuvas fortes. Aí eu fecho meu portão.

Continua depois da publicidade

Blumenau durante a grande enchente de 1983 (Foto: Arquivo do Jornal de Santa Catarina)

São poucas as cidades em que os moradores confiam e buscam tanto os serviços da Defesa Civil assim. No caso do AlertaBlu, ele foi desenvolvido por servidores da prefeitura em 2014, sem a necessidade de contratação de empresas terceirizadas. Três diretorias abastecem o sistema com informações: a de hidrologia, que foca no rio; a de geologia, que foca no solo; e a de meteorologia, que foca no tempo.

Quem acessa o site ou o aplicativo encontra o nível do Itajaí-Açu em tempo real, previsão do tempo, cotas de enchentes das ruas e rotas de fuga em alagamentos, algo pouco possível de ser elaborado por inúmeras Defesas Civis pelo estado e país. Fundamental em épocas de desastres naturais, a plataforma divide os sentimentos de quem trabalha nela. 

— Por mais que seja gratificante, é também uma responsabilidade muito grande. Isso faz com que muitas vezes a gente fique vários dias fora de casa, que a gente tenha que se dedicar muito mais ao trabalho, porque o nosso trabalho impacta toda uma população, mais do que só propriamente as nossas famílias que estão em casa — afirma Tatiane Martins, meteorologista do serviço.

Destaque na saúde

Quando o assunto é transplante de órgãos em Santa Catarina, é de Blumenau o hospital líder em número de procedimentos: o Santa Isabel. A história do hospital nos transplantes vem de tempos. Primeiro vieram os de rins. Depois, no começo dos anos 2000, vieram os de coração. E, em 2002, o hospital virou notícia ao ser o primeiro do estado a fazer transplante de fígado pela rede pública.

Continua depois da publicidade

O NSC Total Blumenau contou, no último mês, a história dos irmãos José e Paulo Paim, que sofrem de uma doença genética chamada cardiomiopatia dilatada. 

— É uma doença que vai desestruturando o sistema muscular e você tem aí uma falência da bomba da contração. Isso vai gerando problemas até um ponto em que corre o risco de morte se não houver transplante – conta o cirurgião cardiovascular Frederico José Di Giovanni.

Irmãos Paim fizeram cirurgia de transplante de coração com poucos dias de diferença (Foto: NSC TV, Reprodução)

A história dos irmãos Paim foi bem-sucedida. Em um intervalo de 15 dias, eles, que moram na Grande Florianópolis, receberam, no mesmo hospital, das mãos do mesmo cirurgião, um novo coração. O próprio cirurgião reconhece que é um fato raro. Dos irmãos, José já tem planos com o novo coração: 

— Vou subir o Everest. Vou às alturas. Tá louco?! Eu vou aproveitar cada momento. Quem é que ganha duas vidas numa vida, né?

Continua depois da publicidade

Os transplantes dele e de Paulo foram apenas dois dos mais de 4,9 mil que o Hospital Santa Isabel já realizou até hoje.

— E o outro aspecto muito importante é que, além dos transplantes, o Santa Isabel se tornou uma liderança em doação de órgãos também. A comissão hospitalar de transplante desempenha um papel fundamental no estado como uma instituição líder — afirma Joel de Andrade, coordenador da SC Transplantes, que reconhece que tais índices foram alcançados graças às capacitações feitas internamente para sensibilizar os familiares que autorizam as doações.

Da indústria à tecnologia

Além das tradições germânicas, quando se fala de Blumenau, no imaginário coletivo vêm à mente as grandes e tradicionais indústrias têxteis. A cidade, de fato, foi pioneira no setor no estado e abriga ainda hoje algumas das maiores indústrias do segmento.

O que muitos desconhecem é que dessa industrialização, anos depois, outro segmento fundamental da economia blumenauense veio surgir: o da tecnologia da informação. As primeiras grandes empresas de tecnologia do estado também nasceram aqui. A maior delas, fundada em 1969, foi a Cetil (Centro Eletrônico da Indústria Têxtil), criada justamente para prestar serviços para indústrias têxteis.

Continua depois da publicidade

— O primeiro contrato firmado foi para digitalizar a folha de pagamento dessas empresas todas. Tudo, até então, era manual, mais demorado, mais moroso, mais complicado e burocrático. Esse primeiro serviço prestado já foi um enorme avanço — relembra Marcus Greuel, filho de um dos fundadores da empresa.

Com o tempo, a Cetil ampliou o escopo de atividades, passando a cuidar das contas correntes, faturamento e almoxarifado dessas indústrias. A empresa se expandiu, chegando a ter sedes em 17 cidades de sete estados, mais outra no Distrito Federal.

O “império” acabou sendo desfeito por conta do avanço da mesma tecnologia que fez a empresa surgir. A partir de meados da década de 1980, os computadores — até então um luxo — começaram a ficar mais acessíveis, e as indústrias foram criando seus próprios departamentos de TI.

Mas a Cetil deixou heranças. A Blusoft, polo tecnológico de Blumenau, surgiu a partir dela. Hoje, Blumenau é referência na área de TI.

Continua depois da publicidade

De acordo com o atual presidente da Blusoft, Cesar Griebeler, “de 2019 até o ano de 2023, nós crescemos mais de 1000% na arrecadação de ISS para as empresas de tecnologia em Blumenau. Isso demonstra que temos um interesse, uma cultura diferenciada, todo um ecossistema que está unido de alguma forma para que a gente consiga acolher essas empresas”.

Nesse cenário, a cidade se prepara para receber, em breve, o primeiro distrito de inovação do estado. Dos teares da indústria têxtil a um byte de armazenamento… Essa é a história de uma cidade inovadora por vocação.