“Tormento”, “tortura” e “medo”. Assim moradores das proximidades do 63º Batalhão de Infantaria (BI), no bairro Estreito, em Florianópolis, descrevem os 70 dias de tensão que viveram após a instalação de um acampamento bolsonarista na área. O protesto golpista provocou barulho, intimidou pedestres e motoristas e deu trabalho à Polícia Militar.
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Nesta segunda-feira (9), o assentamento montado dois dias após o segundo turno das eleições, começou a ser desmontado. A ordem judicial para desmobilização dos acampamentos, montados em frente a quartéis do Exército por todo o país, veio após os ataques golpistas contra prédios públicos neste domingo (8). Durante a desmobilização, duas equipes de reportagem foram agredidas por bolsonaristas radicais no local.
A manifestação golpista no Estreito se tornou um dos principais locais de concentração, em Santa Catarina, dos bolsonaristas descontentes com o resultado das eleições. A estrutura contou com tendas, caixas de isopor e de som, banheiros químicos e grades — tudo instalado nas calçadas ou em terrenos em frente ao quartel.
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Ato antidemocrático tinha “revezamento” de participantes
Moradores que residem perto do local contam que os gritos em coro, a execução frequente do hino nacional e as buzinas de motoristas que apoiam ou criticam o ato ao passar pela rua acabaram com o sossego da população. Segundo a Polícia Militar, foram registradas 24 ocorrências no local somente em um período de 17 dias, entre 18 de dezembro e 3 de janeiro. A maioria dos casos é de conflito de trânsito, atrito verbal, lesão corporal e perturbação do sossego.
— As pessoas estavam na frente do Exército se revezando, então o nosso sossego foi afetado 24 horas por dia, sete dias por semana. Porque eles estão se revezando, depois vão para as suas casas e têm o seu ambiente de sossego para descansar, e nós aqui nos arredores não temos essa possibilidade — conta um dos moradores ouvidos pela reportagem da NSC TV, que não terá a identidade divulgada para preservar sua segurança.
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Segundo ele, o barulho provocado pelos que ficavam no acampamento atrapalhava o momento de dormir ou mesmo de atividades simples para relaxar.
— Só com um fone de ouvido para ouvirmos algum som, uma música, um filme que seja, e para trabalharmos, né? — queixa-se.
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“Eles atiram pedras e ovos em veículos”
Além do barulho, moradores relatam também situações de conflito que teriam aumentado nas últimas semanas. Bolsonaristas presentes no acampamento atiraram ovos contra carros que passavam pelo local — as ocorrências são confirmadas pela Polícia Militar. Alguns desses casos foram registrados em vídeo pela própria comunidade (confira vídeos abaixo).
— Eles atiram pedras e ovos em veículos. Cercam os veículos, porque tem uma sinaleira logo após a manifestação e às vezes a pessoa é obrigada a parar. Neste momento eles são cercados, são intimidados, eles hostilizam. Tentam tirar a pessoa do carro — conta um deles.
A situação provocou sensação de insegurança em parte de moradores do bairro, que temiam a existência de pessoas armadas no acampamento e o risco de ver “algo pior acontecer”.
— Foi um tormento, uma tortura psicológica porque quando a gente queria voltar para casa e ter descanso e sossego, a gente já volta aflito. Sem saber com que a gente vai se deparar, já dá um misto de ansiedade. É muito desgastante… — afirma.
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“Vivo com medo de andar na região onde moro”
Os moradores contam que ao longo das últimas semanas acionaram órgãos de segurança pública para tentar encontrar uma solução. Os relatos são de que a polícia, quando aparecia após os chamados, não teria tomado medidas para resolver a questão.
— “Atiramos” para todos os lados, para todas as autoridades, todas as pessoas que estão envolvidas para ver se a gente conseguia encontrar alguma solução — reclama um dos moradores.
Outro morador diz que viver no local nos últimos meses foi “um inferno” e que os moradores se sentiam reféns do grupo que estava no acampamento.
— Você não sabe o que pode acontecer. Será que vão jogar pedra no meu carro? Será que vou jogar ovo no meu carro? Será que eu vou ver alguém sendo violentado na minha frente? Eu não sei, eu vivo com medo agora. Vivo com medo de andar na região onde moro — conta outro morador.
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O que dizem os órgãos de segurança
A Polícia Militar informou que fez relatórios sobre a situação no local e os encaminhou ao Ministério Público de Santa Catarina e à prefeitura de Florianópolis. A intenção foi pedir apoio aos órgãos a medidas como a retirada dos banheiros químicos, grades e a fiscalização de atividades como o preparo de alimentos, que vinha acontecendo na calçada. Até o fim de semana, no entanto, a PM informou que não teria recebido resposta.
— É uma coisa que vai além da área de atuação da Polícia Militar, por isso a gente encaminhou esses relatórios para outros órgãos — afirma o capitão Fernando Hakim, do 22º Batalhão da PM, responsável pelo policiamento da região continental de Florianópolis.
O capitão diz que uma viatura passava pelo local a cada meia hora e que havia chamados praticamente todos os dias sobre incidentes no local.
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A Polícia Civil de Santa Catarina informou que instaurou um termo circunstanciado por perturbação do sossego, que já foi encaminhado para decisão da Justiça. Além disso, outros fatos registrados no local estão sendo investigados e podem ser alvo de outros termos circunstanciados. Segundo o delegado Márcio Forkamp, da Delegacia de Polícia do Continente, atualmente a investigação busca identificar os autores dos atos e os líderes do movimento.
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O MPSC também informou que acompanha o assunto desde novembro e que neste momento acompanha o cumprimento da ordem judicial do ministro do STF, Alexandre de Moraes, para a desmobilização dos acampamentos.
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A prefeitura de Florianópolis foi questionada se instalou as grades e outros objetos usados no local do acampamento, mas não respondeu à reportagem até a publicação. Em nota, o município informou apenas que após a decisão federal de desmobilização do acampamento, “as autoridades de segurança da prefeitura irão aguardar os encaminhamentos do Estado/PM”.
Na semana passada, em respostas enviadas ao portal g1 SC, a prefeitura disse que os banheiros químicos, tendas e abrigos são particulares e foram deslocados da calçada para um terreno privado após solicitação da prefeitura no início dos protestos. Na última semana, teriam novamente sido colocadas nas calçadas. As grades, o município admitiu que instalou, mas com o entendimento de que poderiam prevenir a invasão da pista pelos bolsonaristas.
O Exército foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a última atualização desta reportagem.
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Agora, com o fim da ocupação das calçadas e ruas da região, moradores esperam voltar a ter paz e sossego, sem intimidações ou barulho. E, 70 dias depois, ter de volta seu sagrado “direito de ir e vir” – a livre locomoção no território nacional em tempos de paz, como garante a Constituição Federal de 1988, em seu famoso artigo 5º.
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