Dona Rosa está há quase uma década vendo balões decolarem do terreno descampado na frente da casa onde mora. A manhã deste domingo (22), de céu azul, seria mais um dia em que, ao abrir a porta, iria ver o colorido dos equipamentos tomarem conta. Mas não foi assim. Pelo contrário. Na missa, ritual do fim de semana, ela se uniu aos vizinhos em oração pelos mortos e sobreviventes do acidente que tirou a vida de oito pessoas em Praia Grande.
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— Não os conhecia, mas são todos seres humanos como a gente. É uma tristeza — admite, ainda sem acreditar na tragédia que se abateu sobre a cidade que ganhou o apelido de Capadócia brasileira, por causa dos voos de balões.
Rosa relembra a alegria dos voos matinais. Conta sobre as várias vezes que acordou com os gritos de comemoração dos turistas e pilotos tomando conta do céu. Muitas vezes, revela, era do alto que ouvia os pedidos de cafezinho para o momento do pouso. Hoje, porém, o silêncio predominava em respeito às vítimas.
Deoclides, o vizinho, diz que na rotina, a rua de acesso à área de voo dos balões parece a BR-101, de tanto movimento. Desta vez, a cena é outra: na frente da casa dele estão duas caminhonetes estacionadas. Uma é do Cenipa, órgão de investigação de acidentes aéreos. A outra é da Sobrevoar, empresa responsável pelo voo que terminou em tragédia. O morador ainda carrega no olhar o susto de ter encontrado uma mulher morta a poucos metros do jardim. Ao que tudo indica, ela pulou do balão em chamas para se salvar, mas o impacto foi fatal.
— Eu percebi que tinha algo errado por causa dos gritos. As pessoas diziam “pelo amor de Deus, não deixe eu morrer”. Uma coisa dessas a gente nunca mais esquece — desabafa.
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Imagens mostram a rotina na cidade após tragédia
Voo de balão é principal atividade econômica
Na rua central de Praia Grande, para onde quer que se olhe, as placas convidam para um voo de balão. Essa é a principal atividade econômica da cidade de 8 mil habitantes. São cerca de 35 empresas dedicadas à atividade. Uma delas é a de Boni. Piloto com formação, estava em voo quando ocorreu o acidente e revela ter visto de longe a fumaça no balão incendiado.
Passado o impacto da notícia da tragédia e com os voos suspensos até terça-feira (24) em comum acordo do setor, ele tenta entender o que aconteceu. Nem mesmo a polícia e o advogado da Sobrevoar têm todas as respostas. Clóvis, que atua para a empresa, diz que a decolagem ocorreu normalmente, mas quando o balão estava a cerca de 300 metros de altura o piloto percebeu o fogo no fundo do cesto — estrutura onde ficam as pessoas durante o passeio. O extintor não teria funcionado, e os turistas tiraram os casacos do corpo para tentar abafar as chamas.
O foco das chamas teria sido um maçarico usado para acender o fogo que faz o balão de ar quente decolar. Clóvis diz que foi tudo muito rápido. Cerca de quatro minutos entre a decolagem e o cesto incendiado cair no chão, segundo as primeiras apurações do inquérito.
O que aconteceu durante esses quatro minutos é que a polícia investiga. O piloto ainda não concedeu entrevista por recomendação da psicóloga, segundo o advogado. Mas Clóvis explica que tão logo ele percebeu o fogo, já começou um pouso de emergência e avisou os 20 passageiros que teria de sair do balão assim que o equipamento tocasse o solo. Durante a descida, o piloto jogou o maçarico para fora.
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O pouso de emergência ocorreu em uma área a poucos metros do local da decolagem. Foi em um banhado onde há uma plantação de arroz. Era lá que a equipe do Cenipa estava na manhã deste domingo fotografando. As imagens mostram as pegadas na lama. É perto da casa de seu Deoclides.
— Não vi o pouso de emergência, nem como as pessoas saíram do balão. Só percebi pelos gritos de socorro, mas aí o balão subiu bem rápido, uns 30 metros, não tinha o que fazer — lamenta o morador.
Quando o balão tocou o chão, 12 passageiros e o piloto desceram. Acredita-se que isso reduziu bastante o peso dentro do cesto, que acabou o levantando subitamente com oito pessoas ainda dentro. A perícia mostrou que quatro morreram ao se jogar do cesto em chamas e as demais foram carbonizadas. O advogado da Sobrevoar afirma que, de acordo com o piloto, durante esse pouso de emergência o “fogo já estava incontrolável .
“Fica a incerteza”
João, dono de uma pousada em Praia Grande, enche os olhos de lágrimas ao tocar no assunto. Ao ir para o trabalho cedo neste domingo, se deparou com as dezenas de agências de voos de balão da cidade fechadas. Ele mesmo registrou cancelamentos de hóspedes. Teve que acolher os que estavam no local do voo. Não havia nenhum cliente dele no balão do acidente, mas o impacto, claro, é inevitável.
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— Teve uma família que tinha voo marcado para esse domingo e foi desmarcado. Eles disseram que vão voltar em outro momento. A gente entende, não tem clima para isso agora. Mas também fica a incerteza se a atividade vai contribuir — pontua o empresário.
O voo comercial de balão, embora não seja proibido, não é regulamentado no Brasil. A situação expõe a necessidade de discutir o tema com mais celeridade. A prefeitura, em parceria com o Senai e os pilotos, cobra essa regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), afinal o próprio Ministério do Turismo vê potencial no balonismo.
Em visita recente a Praia Grande, a secretária Nacional de Políticas de Turismo, Cristiane Leal Sampaio, “defendeu a criação de regras específicas para a operação turística e comercial da atividade”, segundo nota da prefeitura divulgada na data do encontro.
Quem nutre paixão pelos voos de balão respeita a pausa nas decolagens em respeito às vítimas. Joseli saiu de Taquaras, no Rio Grande do Sul, para viver a experiência pela primeira vez com a esposa, a filha e o genro. Eles não conseguiram voar neste fim de semana como previsto, mas ele garante que vai voltar a Santa Catarina para conhecer a região dos cânions do alto.
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Isso, claro, quando a dor do luto estiver melhor assimilada no peito da comunidade de Praia Grande.
— Com certeza que eu vou voar — garante.
Entenda o acidente
O piloto, que sobreviveu, informou à Polícia Civil que o fogo teria começado no cesto, vindo de um maçarico usado no balão de ar quente. Ele disse que tentou controlar o incêndio, mas o extintor não funcionou. Como o balão ainda estava próximo ao solo, o piloto teria dito que desceria até o chão e orientou as pessoas a pularem do cesto.
Dos passageiros, 13 conseguiram saltar. No entanto, o balão logo voltou a subir, devido à diminuição do peso no cesto e ao ar quente causado pelas chamas. Vídeos feitos por pessoas que passaram pelo local registraram o momento em que cesto está em chamas, no ar, e poucos segundos depois se solta e despenca no chão. De acordo com os bombeiros, quatro pessoas morreram carbonizadas dentro do cesto e outras quatro morreram na queda.
A investigação foi iniciada logo depois do acidente. Além do piloto, a Polícia Civil já ouviu cinco sobreviventes. Imagens ainda estão sendo colhidas e documentos indicaram que a empresa tinha autorização para a prática.
A Polícia Civil deve responder se houve negligência, imprudência, imperícia ou dolo para assumir o resultado. A depender das análises, piloto e proprietário da empresa responsável pelo voo podem ser indiciados por homicídio doloso ou culposo, informaram os investigadores no sábado, em entrevista coletiva.
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Em nota, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) da Força Aérea Brasileira (Fab), informou que investigadores se deslocaram da base aérea de Canoas (RS) até o local do acidente para levantar informações iniciais sobre a queda do balão.
“A conclusão dessa investigação ocorrerá no menor prazo possível, dependendo sempre da complexidade da ocorrência e, ainda, da necessidade de descobrir os possíveis fatores contribuintes. Quando concluído, o Relatório Final será publicado no site do Cenipa, acessível a toda a sociedade”, disse o Cenipa.
A empresa responsável pelo passeio, Sobrevoar, informou que todas as operações foram encerradas por tempo indeterminado, em nota divulgada no sábado. A companhia também disse que cumpria todas as regras da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e que está prestando apoio aos familiares das vítimas.
Quem são os mortos
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