Aos 47 anos, Betina Zanetti Ramos exporta inspiração. Cientista, mãe, palestrante, líder e empreendedora. São muitos papéis alicerçados no conhecimento técnico da catarinense natural de São Miguel do Oeste.
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Formada em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), concluiu o doutorado em Química pela Université Bordeaux, na França, e hoje é empresária. Em 2008, ao lado do esposo Ricardo, fundou a Nanovetores, indústria de ativos nanoencapsulados para cosméticos sediada no Sapiens Park, em Florianópolis.
Pela empresa, faz negócios com mais de 150 países e é referência para mulheres. Por exemplo, ela já presidiu o Grupo Temático de Mulheres da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), de onde atualmente é vice-presidente de Relacionamento. Já em 2017 venceu o prêmio Acif Mulher como uma das mulheres que faz a diferença.
Além da agenda cheia na atuação do dia a dia na Nanovetores, Betina também estuda Felicidade Interna Bruta, dá passos largos em direção ao autoconhecimento e é movida pelo propósito de fortalecer o protagonismo feminino, transformando os espaços em mais igualitários e diversos.
Como foi a tua entrada no empreendedorismo?
Sou natural de São Miguel do Oeste, Extremo-Oeste de Santa Catarina. Desde pequena gostava de brincar com plantas e foi isso que me motivou escolher o curso de Farmácia. Aos 17 anos vim fazer faculdade em Florianópolis. No mestrado, tive a oportunidade de começar com iniciação científica. Depois, fiz doutorado pensando em seguir carreira acadêmica, porque, afinal, eu tinha gostado muito dessa questão da pesquisa em si, da ciência. Quando conheci Ricardo [marido] – que sempre foi bastante empreendedor – comecei a pensar em empreender. Anos depois, fui uma das primeiras cientistas do Brasil a me tornar empreendedora, em 2008, e comecei uma jornada de transpor conhecimento acadêmico para um negócio. Isso foi bastante desafiador. Foi uma mudança de mindset e uma quebra de paradigmas no que eu imaginava para o desenvolvimento de produtos. Eu desenvolvia produtos usando a nanotecnologia em escalas de mls. Numa empresa, foi para uma escala de toneladas. Garantir a mesma qualidade e as mesmas características para uma proporção muito maior foi muito desafiador e inovador.
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A Nanovetores começou como uma startup?
Na época não chamávamos de startup, era uma empresa de base tecnológica. Ficou encubada por 5,6 anos para depois vir para o Sapiens Park, em Florianópolis. A Nanovetores é uma empresa que seguiu o rito da inovação. Uma ideia que sai de um conceito acadêmico (que hoje chamamos de deep techs), nasce num ecossistema que é solo fértil para realmente propiciar o desenvolvimento. Podemos fazer a analogia de bebezinho, que nasce prematuro e está numa incubadora com suporte jurídico, contábil, conexões com networking, etc. A empresa cresceu mais e nós nos graduamos, viemos para um parque tecnológico. E neste local, ganhamos uma vazão maior de crescimento captando, num segundo momento, o fundo estratégico. Então, antes de captar esse fundo estratégico, estávamos exportando já para mais de 50 países. Quando entra essa companhia, que daí não é um fundo, mas é um investidor, uma empresa, mas muito estratégica na nossa área de atuação, que é a franco-suíça Givaudan, passamos a exportar para 150 países. De uma forma bastante resumida, eu nem imaginava ir tão longe.
Hoje tem muitas mulheres que trabalham com você na Nanovetores? E que habilidades sente que elas possuem de forma diferenciada dos homens?
Tenho mais ou menos 55% de mulheres no quadro geral da empresa e 50% em cargos de liderança, que isso também é muito legal. O olhar empático é o diferencial. A gente não percebe às vezes, mas mulher tem uma essência nata para liderar. Lá na época das cavernas, as mulheres eram as que lideravam enquanto o homem saía para caçar. E a mulher era quem pegava o alimento, administrava, dividia. Ela tem naturalmente a aptidão de liderar. Dentro da nossa casa, olha o que conseguimos fazer. Cuidamos de várias coisas ao mesmo tempo e de uma forma muito natural. Uma vez eu li um livro que se chama “Liderança Shakti: O equilíbrio do poder feminino e masculino nos negócios” que fala que todos nós temos um polo masculino e um feminino na nossa mente. E que as características mais masculinas (foco e objetividade) são ótimas para as mulheres também. Assim como é bom para o homem desenvolver maior empatia, um olhar mais geral, mais holístico do que está acontecendo na companhia, na organização. O legado da gente conseguir equilibrar essas aptidões é importante porque todos nós, como seres humanos, vamos nos tornar melhores. E o outro livro que eu li, que eu gostei muito, é a “Jornada da Heroína”. Nesta obra, a reflexão de que nós, meninas, temos o pai como referência forte na nossa vida. E como o pai nos trata vai influenciar em como a mulher vai se portar como mulher. Há uma interferência de forma sutil em como escolhemos maridos, de como nos sentimos confiante ou não nos ambientes corporativos. E o livro mostra uma mulher que passa por toda uma jornada. Anos atrás víamos muitas mulheres com estigma masculino. E hoje, felizmente, estamos percebendo que a maior força da mulher vem da forma gentil de ser, doce, bonita, de se comunicar. E estamos conseguindo espaços sendo autêntica, sem precisar criar um papel. Isso traz leveza, plenitude e naturalidade para o nosso dia a dia. E vamos encontrando o poder em algo natural que é nosso.
Você é uma mulher naturalmente delicada e doce. Como é para você lidar com as pessoas num ambiente prioritariamente masculino como a tecnologia e a ciência?
A maior parte das mulheres que abre portas não fez isso no grito ou na guerra. Muitas vezes é usando ferramentas natas dela. Quando temos um bom argumento com embasamento é muito difícil alguém não ceder àquela ideia. Difícil não perceber que a proposta é sensata, baseada no conhecimento. Felizmente, as mulheres hoje já são maioria nos cursos de graduação, nas universidades. Não nos falta mais oportunidade e mulheres bem formadas e mulheres preparadas, talvez o que falta é isso, é saber exatamente qual a nossa fortaleza. E aí o que nos cabe é baixar um pouco essa síndrome da impostora. Às vezes uma conversa já ajuda a mostrar que não precisa ter medo, que a competência existe. São coisas muito simples de serem feitas, mas que exigem o primeiro passo para enfrentar com ousadia e coragem.
Ou seja, o medo também é um sentimento comum para você e esteve presente na sua ascensão profissional
Sim, é normal para todos. Acho que não tem quem não tenha. E assim, cada etapa da vida a gente acaba assumindo, às vezes, desafios diferentes. Então aquilo que para mim, um determinado momento, já estava dominado. Surge alguma outra coisa que puxa, aquilo ali é novo. Eu tenho que me submeter a esse medo de novo. Por exemplo, quando fui convidada para ser diretora do Grupo Temático de Mulheres da Acate sempre falava para elas que “treino é treino e jogo é jogo”. Dentro dos ambientes femininos estamos discutindo, crescendo, compartilhando experiências e inseguranças. Para quê? Para que ali entre nós possamos nos fortalecer. Mas onde o jogo acontece de verdade surgem ambientes mais hostis. E às vezes, é isso que eu faço. Treino no ambiente seguro e depois, quando o jogo acontece, estou preparada. Veio o convite para ser vice-presidente de Relacionamento da Acate e saí da minha zona de conforto para começar a interagir com ambientes que eu não conheço. E realmente, isso aconteceu. Eu lido com diferentes setores e numa entidade que está crescendo muito. Os momentos são mais desafiadores com projetos de sinergia, com outras lideranças. Fico pensando que me preparei para isso e aquelas seguranças que eu tinha já não posso mais ter. Então esses movimentos encorajam, transformam e isso é necessário. Agora, neste momento, eu estou viajando muito pela minha empresa. Fazendo encontros com clientes que eu jamais imaginava encontrar. Dá uma certa ansiedade, mas é uma coisa tão gostosa quando a gente vê que é capaz de fazer acontecer. E essas características femininas de sermos doce, carismática, é uma coisa que eu valorizo muito. Abre portas. Por mais desafiador que aquele ambiente seja, se você chega disposta a agregar, você já pensa na solução e começa a se diferenciar e ser respeitada. O perfil mais agressivo não abre portas. Muito pelo contrário, ele fecha. E aí a nossa diferença continua existindo.
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E como lidar com mulheres? Principalmente no meio corporativo, ainda há muito ciúme entre as próprias mulheres
Sim, este é um desafio. A gente fala muito da sonoridade, mas isso é algo recente. E anos atrás não se tinha tanta oportunidade para mulheres, tantos espaços, como agora. Então, quando uma conseguia, queria se manter lá. Ela não pensava em talvez abrir oportunidade a outras, não pensava em ter uma mulher como parceira. Hoje, felizmente, acho que a gente está mudando isso. Percebemos que a junção de mulheres acaba conectando, criando rede de apoio, propicia relações de amizade que geram fortalecimento. Eu noto que hoje é diferente e que isso está mudando. A evolução ainda está acontecendo. Ainda não chegamos no final, ainda está melhorando.
Como você enxerga a mulher ocupando espaços na ciência? O que falta ainda para melhorar?
Vejo uma melhora. Vejo muitas cientistas brasileiras que já estão se destacando. Quando a gente fala assim, Brasil em termos de ciência, às vezes não é nem só relacionado ao gênero feminino, porque a gente já é maioria nos cursos de graduação e em muitas pós-graduações também. Eu acho que a questão de talentos é muito mais a geração de oportunidades e muitas vezes também de a gente trazer esse perfil de profissional para outros ambientes que não só acadêmicos. Não temos mais vagas para acolher os mestres e doutores formados ao longo do tempo. Precisamos pensar no empreendedorismo para gerar negócios de impacto.
Antonietas
Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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