Muita água, frutas e camisa térmica preta. Essas são algumas das saídas que Glauco de Oliveira Barbosa, de 34 anos, encontra para enfrentar o “calorão” nas praias do Norte da Ilha, em Florianópolis, onde trabalha como ambulante vendendo água, cerveja, refrigerante, energéticos, caipirinhas, sucos, entre outras bebidas.
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Glauco também faz eventos, como o “Ensaios da Anitta”, que aconteceu no último domingo (16) na capital catarinense. Quando o ambulante chegou ao evento, às 14h, a temperatura era de 33°C, com sensação térmica de 40°C. Lá, ele vendeu cerveja de várias marcas, e, quando o show chegou ao fim, foi ao Centro Histórico de Florianópolis para continuar as vendas. Nesse momento, entre 23h e 1h, fazia 27°C, com sensação térmica de 30°C.
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— Fiquei sempre na sombra das árvores, porque não passei protetor solar. Estava abafado, mas suportável. Me hidratei muito, o negócio é hidratar — diz Glauco, que trabalha há 17 anos como ambulante, “metade da vida”, como ele mesmo diz.
Sensação térmica: Entenda o que é e como ela afeta o dia a dia
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Nesses eventos, o tempo debaixo do sol que o ambulante enfrenta varia. Em média, são 10 horas. Em alguns eventos, ele fica 12 horas, e às vezes 15, 18, ou 24 horas.
Normalmente, quando trabalha em Jurerê, ele faz no mínimo quatro voltas na praia, de Jurerê Tradicional até Jurerê Internacional. São cerca de 3,38 quilômetros, ou seja, pouco mais de 13 quilômetros por dia debaixo do sol.
Na praia, o “calorão” pode ser um aliado. Uma vez, ele vendeu todo o açaí em duas horas, após somente meia volta na praia, quando estava com um estoque seis vezes maior do que o normal. Por isso, enquanto a recomendação da Defesa Civil de Santa Catarina para lidar com o calor intenso é “evitar exposição nas horas mais quentes do dia”, das 10h às 16h, Glauco está trabalhando sem pausas.

— Quanto mais calor, mais vende água, mais vende cerveja, mais vende picolé, mais vende açaí. Todas as vezes que eu “sequei” o carrinho, foi por causa do calor. Não existem pausas, você chega às 9h na praia e às 17h ela começa a esvaziar. Enquanto está vendendo, tem que trabalhar. Começa, termina, não reclama, só trabalha, porque senão você não consegue ganhar dinheiro — conta.
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O calor da Ilha de Santa Catarina, para Glauco, é perfeitamente suportável, e ele nunca chegou a passar mal — fato que ele atribui a ter crescido em Cuiabá. Em 2024, a cidade do Mato Grosso bateu vários recordes de temperaturas: 41°C em agosto, 42,6°C, em setembro e 44,1°C em outubro, conforme medições do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Sintomas da exaustão térmica
O único sintoma que Glauco já sentiu devido às horas no sol foi a dor de cabeça, que é comum ocorrer na exaustão térmica, segundo Gustavo Vinicius Meirelles Tenfen, clínico geral e diretor médico do Hospital do Coração, em Balneário Camboriú. Essa condição pode causar também câimbras e taquicardia, de acordo com o médico.
O calor excessivo somado à desidratação também pode causar fraqueza, tontura ou confusão mental, segundo Tenfen. Outra condição proveniente da exposição ao calor excessivo é a hipertermia ou insolação, que pode causar delírios, perda da consciência e, nos casos mais graves, falência orgânica, condição em que dois ou mais órgãos vitais perdem a função.
É o que alguns colegas do catarinense Lucas Moraes*, de 26 anos, experienciam no dia a dia. O trabalhador, que preferiu manter o local onde trabalha em sigilo, passa o expediente todo na rua enquanto usa roupas pesadas, que visam manter a segurança dos funcionários.
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— Como nossa profissão é algo de extremo risco, as roupas são pesadas e com diversas camadas. Além dela, temos as proteções de borracha e balaclavas. No fim da atividade, estamos sempre ensopados de suor. Infelizmente, não tem o que fazer, porque trabalhar sem elas seria praticamente um suicídio, caso haja um incidente — relata.
Os trabalhadores também devem usar botas de canos longos, que pioram a sensação de calor. Por isso, Lucas* conta que não é algo raro ver os colegas passando mal em dias muito quentes.
— Normalmente, eles ficam tontos ou com aquela aparência branca. A própria equipe já identifica e deixa o funcionário sentado em alguma sombra, tomando água até melhorar.
Para lidar com as altas temperaturas, os funcionários sempre têm água gelada à disposição. Eles também costumam trabalhar sem camiseta por baixo do jaleco de proteção, para amenizar o calor.
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— Já é um serviço bem puxado, onde lidamos com diversas situações. As altas temperaturas, com certeza, não ajudam nem um pouco — diz.
Construção civil
Muitos trabalhadores acabam tomando providências, sozinhos, para se “adaptar” às altas temperaturas. É o caso de Jean Carlos, de 24 anos, que atua como pedreiro em Florianópolis. Trabalhando cerca de nove horas por dia, Jean é autônomo, então as formas para lidar com o calor partem dele e da equipe de obras.
— A gente aprende a lidar. Conforme vai trabalhando, acaba se acostumando e vai se adaptando conforme dá. No verão, acabo tomando muita água — conta ele, que está há dois anos na área da construção civil.
Apesar disso, Jean não costuma aplicar protetor solar, que é recomendável, inclusive, de duas em duas horas para as pessoas que se expõem com tanta frequência ao sol, segundo o clínico geral Victor Francia Veloso Borges, que atua no Hospital Unimed, em São José. Além disso, para proteger a pele, o recomendado também é usar roupas longas e frescas e chapéus de abas largas.
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— É importante sempre buscar o máximo de sombra possível. Ajuda tanto a evitar a sua pressão a cair, quanto a evitar o surgimento de lesões de pele — recomenda o médico.
O ideal é sempre pensar em ingerir mais líquidos do que se perde com o suor: beber água, água de coco, sucos naturais, bebidas isotônicas, frutas, e evitar bebidas diuréticas, como o café e o álcool, conforme Borges.
Filipi Maciel dos Passos segue essas recomendações à risca. Ele é entregador pelo Ifood e trabalha com a própria bicicleta, percorrendo em torno de 30 a 40 quilômetros por dia. São em média sete a nove horas de trabalho diárias, que Filipi concilia com o curso de Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, e com o estágio na Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), que fica no Itacorubi.

— Tomo muita água, levo garrafa com gelo na mochila (bag) e [uso] roupas que cobrem a maior parte do corpo. O boné também é indispensável, e sempre que consigo, levo protetor solar na bag — compartilha.
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Uma dica que Filipi recebe dos entregadores mais experientes, com quem conversa em grupos do WhatsApp, é molhar o chapéu ou boné com água sempre que possível. A prática, segundo ele, ajuda a evitar a dor de cabeça que vem com as horas de exposição ao sol.
O estudante soma a renda do Ifood com a do estágio para dar conta do aluguel na capital catarinense.
“Sufocante”
A pipoqueira Ana Félix Barbosa, de 32 anos, trabalhava na Rua Felipe Schmidt, no Centro de Florianópolis, na última segunda-feira (17), quando os termômetros marcavam 33°C. Este foi o dia mais quente do ano na Capital, de acordo com dados disponibilizados pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). Por volta de 13h, a sensação térmica na cidade era de 44°C.
Ainda assim, Ana, que geralmente vende pipoca no Centro da Capital, não considerava o dia tão quente.
— A terça e quarta passadas foram mais quentes, para mim. Aí, o calor era sufocante — diz ela.

Ana mantém os cuidados básicos, como a hidratação e o protetor solar. O cabelo, sempre preso para manter a higiene durante o trabalho, também acaba caindo bem nos dias de calor.
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Com o “calorão”, até as pessoas com empregos não tão convencionais acabam sofrendo com problemas que também não são tão comuns. Na capital catarinense, nem Robson, ou homem prata, como é conhecido nas sinaleiras de Florianópolis, escapa. Durante oito horas por dia, Robson, de 35 anos, pode ser visto nas sinaleiras da Capital fazendo malabarismo com cones.

— Está quente, muito quente, mesmo. Eu fico “derretendo”, a tinta sai toda hora — relata.
Para ficar com a pele prateada, Robson usa um hidratante e um pó metálico, que juntos formam uma pasta. Ao transpirar, a cor começa a sair.
Robson não faz uso do protetor solar, mas se hidrata constantemente com água ou isotônico. Estando há pouco menos de um mês em Florianópolis, o maior calor que “pegou”, segundo ele, foi na última segunda-feira (17), quando a sensação térmica chegou aos 44ºC na Capital.
Normalmente, a rotina de homem prata para Robson começa às 9h. Às 12h, ele vai almoçar, descansa, e volta às 13h, ficando até às 19h. Mas o calor dos últimos dias obrigou ele a fazer mais pausas.
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— Com o calor, parei bem mais. Dessas oito horas, acho que eu parei umas duas horas e meia. É muito quente — revela.
Robson fica de janeiro a fevereiro na capital catarinense, e depois sobe para o Paraná, depois para São Paulo. Ele continua o show nas sinaleiras, enquanto se hospeda em casa de amigos que faz pelo caminho.
Veja fotos dos trabalhadores
As consequências da exposição ao calor a longo prazo
Que a exposição ao calor excessivo pode trazer riscos agudos como exaustão térmica e insolação, as pessoas já sabem. Os menos conhecidos, no entanto, são os riscos crônicos, como aponta o médico Gustavo Vinicius Meirelles Tenfen.
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Entre esses riscos está a desidratação crônica, que aumenta o risco de cálculos renais e pode levar a injúria aguda dos rins e insuficiência renal. Outro risco é a descompensação de doenças cardiovasculares prévias, além das lesões cutâneas, como o próprio melanoma, outros tipos de câncer de pele ou até mesmo infecções pelo excesso de suor ou pela utilização de roupas inadequadas.
O comprometimento cognitivo, que pode causar uma diminuição da memória e da concentração, também é uma possibilidade, de acordo com o médico.
— O calor pode alterar a saúde dos órgãos, porque pode aumentar a frequência cardíaca e descompensar doenças de base (crônicas) que carecem de uma maior atenção — pontua.
Alguns exemplos de doenças de base são: cardiopatia, diabetes, HIV/AIDS, câncer, doenças autoimunes, obesidade, hipertensão, asma, depressão e Acidente Vascular Cerebral (AVC).
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*O nome foi alterado para manter o anonimato da fonte.
**Sob supervisão de Andréa da Luz
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