A Defensoria Pública de Santa Catarina encaminhou um ofício à prefeitura de Florianópolis cobrando explicações sobre a medida divulgada em um vídeo pelo prefeito Topázio Neto (PSD), em relação à criação de um posto da Secretaria de Assistência Social na Rodoviária de Florianópolis, para “garantir o controle de quem chega” à capital catarinense. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou, em nota, que acompanha a situação.

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De acordo com a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, o discurso da “devolução” de pessoas é preocupante e pode configurar violação de direitos.

— Como que está vendo essa abordagem? Como que se está obtendo informação de que essas pessoas estão chegando a Florianópolis numa condição de vulnerabilidade? É pela cor? É pela raça? É pela vestimenta? Se forem esse tipo de abordagem, a gente já tem uma situação completamente violadora de direitos — declarou, em entrevista à NSC TV.

O vídeo foi publicado por Topázio Neto no domingo (2). Na publicação, ele diz que mais de 500 pessoas já foram “devolvidas pelo trabalho da assistência social”. O critério, segundo Topázio, é saber se a pessoa que desembarca dos ônibus que chegam à Rodoviária Rita Maria tem casa ou trabalho em Florianópolis. Se a resposta for não, a prefeitura “dá passagem de volta” para a cidade de origem.

— Não podemos impedir ninguém de tentar uma vida melhor em Florianópolis, mas precisamos manter a ordem e as regras. Quem aqui desembarca deve respeitar as nossas regras e a nossa cultura. Simples assim — diz o prefeito, no vídeo nas redes sociais.

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Nesta quinta-feira (6), Topázio se posicionou de forma diferente em entrevista à NSC TV. Ele afirmou que a prefeitura atua para dar informações e “resgatar o vínculo” das pessoas em situação de rua com as suas famílias, fazendo abordagens apenas quando identifica que elas estejam “sem rumo”. 

— Quando você tem ali o salão de desembarque, tem pessoas que chegam ali e não sabem nem para onde vão. Pessoas que estão totalmente perdidas. Nós estamos ali para ajudar. E é dessa forma que a gente faz. Não existe nada de bloquear a entrada das pessoas na cidade — falou o prefeito.

Segundo a defensora pública, mesmo que a prefeitura conceda passagem de retorno à origem quando as pessoas manifestam espontaneamente a sua vontade de retornar, existem requisitos legais que precisam ser atendidos:

— Além da voluntariedade, é preciso verificar se esse local de retorno é um local seguro, se existe uma rede de apoio, se essa família que vai receber também está recebendo de forma espontânea, porque senão a gente pode acarretar um círculo de violência em relação às pessoas que estão sendo submetidas a essa situação. Essas pessoas podem estar fugindo de círculos de violência doméstica, de abuso, de vínculos familiares rompidos. O direito de ir e vir e permanecer é uma garantia condicional a todos os cidadãos.

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Entenda o caso

Especialistas e entidades reagem

A Contituição de 1989 prevê, no artigo 5, que é “livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Já a lei nº 7.716, também da constituição, define como crime as ações resultantes de discriminação ou preconceito de procedência nacional.

— Esses atos de repulsa ao migrante, esses atos de xenofobia, crime definido na lei 7.716 de 1989, eles atentam contra uma garantia constitucional, que é uma garantia de ir, vir e comparecer — disse Marcelino Meleu, doutor em Direito Público e professor na Universidade Regional de Blumenau (Furb).

Entidades de defesa dos direitos humanos defendem que a abordagem a pessoas em situação de vulnerabilidade seja ampla.

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— Enquanto Santa Catarina e a Capital não pensarem, não se mobilizarem com outros setores da sociedade para pensar programas de inclusão, de reestruturação dessas vidas, todo o resto é gasto financeiro que não vai gerar resultado. O empobrecimento é real, é um problema social, econômico, não é um problema de marginalidade, que se tenha que despachar e empurrar para outro lugar — defende Ivone Maria Perassa, que atua na Pastoral Nacional do Povo de Rua.

Em nota, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) disse que acompanha o caso e irá encaminhar o vídeo publicado por Topázio às Promotorias de Justiça com atribuição na área da cidadania, “para ciência e adoção das providências que julgarem cabíveis”.

O que diz a Prefeitura de Florianópolis

Em nota, a Prefeitura de Florianópolis afirma que “mantém um serviço de assistência social na rodoviária municipal para dar suporte a todas as pessoas que chegam na cidade e precisam de alguma orientação”.

“Quando identificamos que essas pessoas chegam sem ter um contato de trabalho ou família, sem saber o que fazer e identificamos que foram enviadas a cidade por outros municípios, buscamos entender os motivos e enviamos de volta para a cidade de origem. É importante explicar que a assistência social sempre entra em contato com a cidade de origem e/ou familiares para dar o encaminhamento correto”, destaca.

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Veja as notas na íntegra

Defensoria Pública

“A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, por meio do Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos e Ações Coletivas (NUCIDH), instaurou procedimento para apurar medidas que estariam impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade em Florianópolis e determinando seu retorno às cidades de origem. A iniciativa ocorre diante da divulgação de que mais de 500 pessoas teriam sido “devolvidas” pela Prefeitura da capital.

Para a Defensoria Pública, é essencial que o poder público mantenha serviços socioassistenciais acessíveis e acolhedores para orientar e proteger quem chega ao município em busca de melhores condições de vida. Esses serviços devem existir para oferecer apoio e encaminhamentos adequados, garantindo que ninguém fique desamparado.

O que causa preocupação, no entanto, é o discurso e a forma de abordagem adotados, que passam a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade ou estão sendo identificadas e “devolvidas” com base em critérios discriminatórios.

“O vídeo divulgado pela Prefeitura traz um discurso de estigmatização e exclusão, ao dar a entender que pessoas pobres não podem permanecer na cidade. Além de ferir a dignidade humana, isso pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição”, destaca a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do NUCIDH.

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A Defensoria lembra ainda que não existe qualquer controle de fronteira entre municípios e que ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia. A remoção ou o transporte compulsório de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e por legislações municipais que regulamentam o benefício eventual de passagem – que só pode ser concedido quando há vontade expressa da pessoa em retornar e comprovação de vínculo familiar ou comunitário na cidade de destino.

Diante da gravidade dos fatos, a Defensoria Pública informa que irá acompanhar e apurar a situação, a fim de garantir que nenhum direito fundamental seja violado e que a atuação da assistência social em Florianópolis ocorra dentro dos princípios de dignidade, acolhimento e não discriminação que devem nortear as políticas públicas”

Prefeitura de Florianópolis

“A Prefeitura de Florianópolis mantem um serviço de assistência social na rodoviária municipal para dar suporte a todas as pessoas que chegam na cidade e precisam de alguma orientação. Quando identificamos que essas pessoas chegam sem ter um contato de trabalho ou família, sem saber o que fazer e identificamos que foram enviadas a cidade por outros municípios, buscamos entender os motivos e enviamos de volta para a cidade de origem. 
É importante explicar que a assistência social sempre entra em contato com a cidade de origem e/ou familiares para dar o encaminhamento correto.”