O delegado Rafael Gomes de Chiara, responsável pelo inquérito relacionado à queda do balão em Praia Grande, município do Sul catarinense, que deixou oito mortos e 13 sobreviventes, foi exonerado do cargo pelo Governo do Estado. A demissão foi publicada no Diário Oficial do Estado na última sexta-feira (7).

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Rafael era titular da delegacia de Santa Rosa do Sul e conduziu a investigação, com apoio das delegacias de Praia Grande, Passo de Torres e São João do Sul, que tinha como objetivo apurar as causas da queda do balão, que aconteceu no dia 21 de junho, e terminou sem o indiciamento de ninguém.

De acordo com o Governo do Estado, a decisão para exonerar o profissional foi tomada por infrações disciplinares quando ele estava em exercício na Central Regional de Plantão Policial de Itapema, ainda em 2021.

À época, segundo o documento que aponta as motivações, ele teria pedido à Justiça para ficar temporariamente com um veículo que havia sido apreendido pela polícia em uma ação em flagrante. O pedido foi autorizado pela Justiça, com o argumento de que o veículo seria usado em operações contra o tráfico de drogas e outras investigações policiais. Entretanto, o documento afirma que ele teria usado o carro para outras finalidades, de forma indevida, em junho de 2021, em um local distante do posto onde o veículo deveria ficar e durante seu período de férias.

Segundo a decisão, ele também teria deixado de comparecer sem justificativa em audiência da Corregedoria-Geral da Polícia Civil para prestar declaração sobre a infração. Outra irregularidade apontada foi a publicação em uma rede social afirmando que a Corregedoria da Polícia Civil servia para “perseguir policiais”, “praticar assédio moral” e “montar um circo de hipocrisia, pois são os paladinos da moral”.

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O documento aponta ainda que Rafael teria se dirigido a uma autoridade responsável pela apuração de uma sindicância de maneira desrespeitosa, afirmando que não iria prestar depoimento pois não iria “participar desse novo circo”.

Com a demissão, o delegado fica impossibilitado de ocupar cargo público pelo período de seis anos. Agora, o delegado André Coltro assume os trabalhos em Santa Rosa do Sul.

Inquérito sobre a queda do balão

O inquérito conduzido por Rafael não indiciou nenhuma pessoa, incluindo o piloto do equipamento. De acordo com o relatório final da Polícia Civil, o conjunto das provas não comprovou a existência de conduta humana dolosa ou culposa que tenha dado causa ao incêndio em voo. 

Conforme a Polícia Civil, foram ouvidas mais de 20 pessoas, entre sobreviventes, testemunhas, piloto, representante dos fabricantes do balão e do extintor que estava a bordo. Também foram produzidos laudos de necrópsia, de identificação por arcada dentária, análise de substâncias nas vítimas, perícia em parte de óculos de sol que poderia conter gravação do acidente, criminalística de local e laudo de engenharia.

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Sobre a possibilidade de novas diligências sobre o caso, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) disse, em nota, que o órgão segue apurando o caso, que está em sigilo.

O que diz a defesa do delegado

Em nota, a advogada de Rafael, Francine Kuhnen, afirmou que a exoneração do delegado é uma “grave distorção institucional que se instalou após a conclusão do inquérito referente ao acidente com balão em Praia Grande”.

A defesa afirma que depois da entrega do relatório final, o delegado “passou a sofrer ataques públicos e privados”, com pedido de demissão “baseado em fatos administrativos antigos que jamais justificaram punição extrema em toda a história da Polícia Civil”.

Segundo Francine, a defesa “tomará todas as medidas judiciais necessárias, inclusive para responsabilização individual de quem se valeu do cargo para perseguição política”.

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Veja a nota na íntegra

“A defesa do Delegado de Polícia Rafael vem a público denunciar a grave distorção institucional que se instalou após a conclusão do inquérito referente ao acidente com balão em Praia Grande.

Logo após a entrega do relatório final — construído com rigor técnico, independência e absoluta fidelidade às provas — o Delegado passou a sofrer ataques públicos e privados, inclusive uma ligação direta do Delegado-Geral afirmando que levaria ao Governador pedido de demissão, baseado em fatos administrativos antigos que jamais justificaram punição extrema em toda a história da Polícia Civil.

A súbita movimentação de procedimentos administrativos paralisados há anos, coincidente com a divulgação do relatório à imprensa, revela uma dinâmica que não pode ser ignorada: uso político da máquina pública e tentativa de retaliação contra um delegado que apenas cumpriu a lei e recusou-se a fabricar indiciamentos sem justa causa.

É inadmissível que uma autoridade máxima da instituição trate decisões técnicas de forma política. É inadmissível que um delegado seja ameaçado de demissão por cumprir seu dever legal. É inadmissível que a máquina pública seja instrumentalizada para atender ambições individuais.

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A defesa reforça: o procedimento disciplinar que deu origem à decisão de demissão foi instaurado em 11 de março de 2022, remetido ao Governador em 04 de setembro de 2023, e somente foi ressuscitado após o delegado não ceder às pressões e se recusar a indiciar pessoas sem fundamento jurídico. A coincidência não é ingênua. É evidente. É perigosa.

O país assiste, em diversas instituições, a tentativas de transformar cargos públicos em palanques eleitorais. Esse episódio é mais um alerta: quando a independência funcional é violada, não é apenas um delegado que sofre; é a sociedade que perde.

A defesa tomará todas as medidas judiciais necessárias — inclusive para responsabilização individual de quem se valeu do cargo para perseguição política — a fim de restaurar a legalidade e proteger a integridade de um servidor que sempre atuou com técnica, dignidade e respeito ao Estado de Direito.

A verdade não se curva à conveniência política. E não será agora.

Atenciosamente,
Francine Kuhnen”

Relembre o caso

O acidente aconteceu perto das 8h do dia 21 de junho de 2025, quando o piloto, Elves Crescêncio, e 20 turistas saíram para um voo em um balão da empresa Sobrevoar perto da Cachoeira Nova Fátima. Durante a decolagem, o piloto percebeu, depois de cerca de cinco minutos no ar, que o balão estava pegando fogo.

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À polícia, Elves relatou que o fogo começou em um maçarico auxiliar que estava no chão do cesto e, em seguida, se espalhou para a capa de tecido que envolvia um cilindro de gás. Ele disse que jogou o maçarico para fora e tentou usar um extintor de incêndio que não funcionou. 

Elves, então, forçou um pouso emergencial e avisou a todos que pulassem quando o balão tocasse o solo. Ele foi um dos primeiros a pular, segundo relatos dos sobreviventes. No total, 13 passageiros conseguiram sair. Com menos peso e mais fogo, o balão voltou a subir, levando oito pessoas que não conseguiram escapar.

Veja fotos do local do acidente