Um laudo elaborado pela Polícia Científica de Santa Catarina revelou qual foi a causa da morte de Cezar Maurício Ferreira, encontrado sem vida em uma cela na Central de Polícia de São José no dia 19 de julho. O documento atesta que o dentista morreu em decorrência de uma arritmia cardíaca causada por cardiopatia hipertrófica.

Continua depois da publicidade

Ele foi preso pela Polícia Militar, um dia antes da morte, por embriaguez ao volante. Familiares já alegavam que ele estava, na verdade, sofrendo um infarto no momento da abordagem.

A NSC trouxe o caso à tona em primeira mão no início da última semana. De acordo com relatos dos agentes no boletim de ocorrência, o dentista não conseguiu responder os policiais por “estar aparentemente embriagado”. Ele também não conseguiu fazer o teste de bafômetro, ainda conforme o registro.

O laudo pericial, assinado pelo médico legista Felipe Quintino Kuhnen descreve no exame anátomo patológico sinais que caracterizam a cardiopatia hipertrófica. Ainda, no exame toxicológico foi indicada a presença de medicamentos antidepressivos, anti-histamínicos, relaxante muscular, anti-hipertensivo, antiarrítmico e antidiabético.

A azitromicina, citalopram e sertralina, três dos medicamentos listados, aumentam o risco de arritmias ventriculares fatais, especialmente em indivíduos com alteração cardíaca, segundo o laudo.

Continua depois da publicidade

“A presença de dispositivo implantável cardíaco atesta que era portador de arritmia, sendo que o dispositivo não evita o risco de morte súbita por arritmias, podendo ser causada por falência elétrica, tempestade arrítmica ou falência mecânica aguda”, afirma um trecho do documento.

Dessa forma, o laudo da morte conclui que a causa do óbito é a cardiopatia hipertrófica, sendo o mecanismo provável morte súbita arrítmica, que pode ter sido desencadeada ou agravada pelo uso de alguns medicamentos.

Em nota, o advogado Wilson Knöner Campos, que representa a família do dentista, informou que recebeu a conclusão do laudo “com o peso da confirmação” e reiterou “seu clamor por Justiça”.

A Polícia Militar afirmou, em nova nota após a divulgação do laudo, que os policiais teriam identificado sinais de alteração psicomotora em Cezar, e que ele não relatou problemas de saúde. Ainda, o texto diz que os procedimentos adotados pelos policiais militares estão sendo analisados em inquérito policial militar.

Continua depois da publicidade

Relembre o caso

A família do dentista e servidor do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/SC), Cezar Maurício Ferreira, busca respostas após ele ser encontrado morto dentro de uma cela da delegacia de São José, no dia 19 de julho. Ele foi detido na noite do dia 18 pela Polícia Militar por embriaguez ao volante. Familiares alegam que ele estava, na verdade, sofrendo um infarto no momento da abordagem. Um inquérito foi aberto pela Polícia Civil para apurar o caso.

A PM foi acionada após Cezar bater na traseira de um outro carro, na rua Cândido Amaro Damásio, no bairro Barreiros. O dentista foi autuado por embriaguez e encaminhado à delegacia de São José. No local, segundo relato do policial civil que recebeu a ocorrência, Cezar recusou água e comida, e foi colocado em uma cela. Entre 1h e 3h, já na madrugada do dia 19, o atendente relatou ter ido às celas para checar a situação dos presos e o dentista respondeu que estava bem.

Às 7h40min, Cezar foi encontrado morto dentro da cela. O Samu foi acionado e constatou o óbito. Segundo o registro da Polícia Civil, um homem que estava preso ao lado do dentista relatou ter ouvido apenas um barulho e voltou a dormir durante a noite.

De acordo com o advogado Wilson Knöner Campos, que representa a família do dentista, o laudo pericial não apontou a causa da morte e determinou a “necessidade de exames complementares”.

Continua depois da publicidade

A família de Cezar, por meio do advogado Wilson Knöner Campos, argumenta que Cezar estava sofrendo um infarto no momento da abordagem. Conforme a defesa, no momento em que bateu o carro, ele estava saindo de uma padaria onde recém havia feito um lanche.

— O que ele estava passando era por um infarto agudo com os sintomas típicos, inclusive delírios que podem sim ser confundidos com o estado de embriaguez, num primeiro momento. Mas sem odor etílico, sem outros sinais de embriaguez, é absolutamente inaceitável que seja rotulado dessa forma — disse o advogado que defende a família, Wilson Knöner Campos, em entrevista à NSC TV.

Veja a nota completa da Polícia Civil

“A Polícia Civil de Santa Catarina informa que está investigando as circunstâncias da morte de um homem, na noite de sábado, 19 de julho, após prisão em flagrante realizada pela Polícia Militar.

A vítima teria se envolvido em um acidente de trânsito e foi conduzida pela Polícia Militar à Central de Plantão Policial de São José em razão de indícios de que estaria dirigindo sob efeito de álcool.

Continua depois da publicidade

Ao tomar conhecimento dos fatos, na tarde de ontem, o Delegado-Geral da Polícia Civil, Ulisses Gabriel, que solicitou um relatório de inteligência da Diretoria de Inteligência (DINT/PCSC), enviando as informações para a Delegacia Regional de São José, para que os fatos fossem devidamente apurados, com a máxima urgência“.

Veja a nota da Polícia Militar

A Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Polícia Militar e a Polícia Civil lamentam profundamente o falecimento de Cezar Maurício Ferreira e se solidarizam com seus familiares e amigos neste momento de dor.

Cezar foi abordado por policiais após colidir seu veículo na traseira de outro carro. Durante a abordagem, os agentes identificaram sinais de alteração psicomotora. Ele conversava com os policiais e apresentava indícios de estar sob efeito de álcool ou medicação, não tendo, no entanto, relatado qualquer problema de saúde. Diante do quadro, foi conduzido à delegacia para os procedimentos legais, onde ocorreu o fato relatado.

Os procedimentos adotados pelos policiais militares estão sendo analisados em inquérito policial militar e a PMSC só poderá se manifestar depois de todos os tramites necessário serem finalizados e o laudo pericial for apresentado oficialmente.

Continua depois da publicidade

Da mesma forma, a Polícia Civil está com inquérito policial em instrução para apurar a causa da morte, com base no laudo oficial da Polícia Científica.”

Veja a nota da defesa da família

“Laudo confirma: Dr. Cezar passava por uma emergência médica cardíaca e seus sintomas nada tinham a ver com “consumo de bebida alcoólica”. Sua agonizante morte na gélida cela da Delegacia decorreu do problema cardíaco. O Dr. Cezar foi vítima de vários crimes e de uma desumanidade sem precedentes. A Família clama por responsabilização.

O Advogado da Família do Dr. Cezar Maurício Ferreira, diante do Laudo Pericial Complementar que determinou a causa da morte, considerando o interesse público e a necessidade de restabelecer a verdade dos fatos, manifesta-se por meio da presente nota. O Laudo Pericial confirmou o que a família da vítima, seus amigos e colegas afirmavam desde o momento em que souberam da estarrecedora sequência de erros que resultaram em sua morte: a causa da morte foi um evento cardíaco agudo. O laudo é conclusivo ao apontar que o Dr. Cezar foi vítima de uma “Arritmia cardíaca causada por cardiopatia hipertrófica”, uma doença grave da qual era portador. Seus sintomas de desorientação e incapacidade de comunicação não eram sinais do crime de “embriaguez ao volante”, mas sim o prenúncio de uma tragédia médica que se desenrolava em tempo real e que podia e deveria ser evitada pelos dois Policiais Militares e Policiais Civis que o prenderam e o confinaram naquela maldita gélida cela da delegacia para ter uma morte agonizante, sozinho, sem socorro algum.

A tese de “embriaguez ao volante” era uma farsa. Conforme a família sempre sustentou, o Dr. Cezar não havia consumido álcool. Não era de seu feitio e todos que o conheciam sabiam disso. A pecha vexatória, contudo, lançou mancha escarlata sobre a biografia de um homem íntegro e de reputação ilibada. O laudo, ao determinar uma causa de morte estritamente patológica, somado ao exame toxicológico anterior que já havia atestado a ausência de álcool, serve como prova científica definitiva da natureza leviana e falaciosa da acusação que fundamentou sua prisão ilegal e que deu causa a todos os demais atos que se seguiram.

Continua depois da publicidade

O Dr. Cesar precisava de ambulância e atendimento médico, não de um camburão e prisão. Isso já era evidente desde a abordagem e prisão no local da colisão e se tornou mais nítido ainda com seu interrogatório de “faz de contas” pela delegada de polícia. As normas da própria polícia civil impediam que Cezar fosse recebido na DP naquela condição. A norma fala “não será recebido o conduzido que necessite de atendimento médico, mesmo que não existam lesões aparentes ou que a lesão não tenha relação com a ocorrência”. Já na entrada, era visível a desorientação total e incapacidade de se autodeterminar, ou seja, a necessidade de atendimento médico. Mas, em vez de socorro, seus algozes – os agentes estatais – lhe deixaram sem atendimento médico, o que, num caso de cardiopatia que escancarava sinais de emergência, equivaleu a uma sentença de morte por omissão.

O que as provas agora demonstram inequivocamente é que, na noite de 18 de julho, os agentes do Estado se depararam com um cidadão em seu momento de maior vulnerabilidade. Um servidor público exemplar, um pai de família, um homem que precisava de uma ambulância, mas que, por uma presunção infundada e por uma grosseira falha de avaliação, recebeu como resposta uma viatura, uma acusação falsa e uma cela. A morte do Dr. Cezar não foi um acaso e nem um acidente. Foi o resultado direto de lhe ter sido negado o socorro médico que a situação exigia. Sim, policial não é médico e nem enfermeiro e por isso mesmo é que deveriam chamar atendimento médico ainda enquanto havia vida, e não só às 7h40 da manhã do dia seguinte e apenas para constatar a morte da vítima Dr. Cezar.

Diante dos evidentes sinais de um homem agonizando e prestes a morrer, diante da inexistência de “odor etílico” [agora, até a escrivã e a delegada reconheceram expressamente, no novo inquérito, que ‘não havia odor etílico algum’] cada minuto em que permaneceu sob a falsa acusação de embriaguez foi um minuto a menos em suas chances de sobreviver. E o avanço do inquérito e da investigação defensiva que apura sua morte já desnudou coisas horripilantes que ocorreram naquela noite: só um PM disse no inquérito que existiu “odor etílico”, e mais ninguém. Onde está a embriaguez caracterizada pelo “odor etílico”? Apenas na mente perversa de quem inventou essa mentira.

O que levou os PMs a prenderem Cezar foi o suposto “odor etílico”. Os demais ‘sinais de embriaguez’ eram qualquer coisa, menos resultado de consumo de álcool. Mas agora, desvelada a mentira, já se ouve o burburinho sobre um novo ‘scapegoat’ que tentam inserir sorrateiramente: a invencionisse que os remédios que Cezar tomava é que geraram a prisão. Nada mais leviano. Afinal, sem o “odor etílico”, o que restaria? O motorista do outro carro envolvido na colisão, ouvido, frisou expressamente que não havia ‘odor etílico’ nem cheiro de remédio em Cezar. Ao chegar na DP, Cezar não ficou sentado nas cadeiras aguardando ser ouvido ou sendo ‘monitorado’. Ao contrário, ele foi para a cela, de onde posteriormente foi retirado para um interrogatório por videoconferência e, em seguida, devolvido à cela; prevaleceu a presunção de que era “mais um bêbado” fingindo desorientação a fim de escapar da vergonha de ter que informar familiares e do escândalo que adviria [há um policial que diz isso!!!]; submeteram-no a um interrogatório de ‘faz de conta’, no qual a própria delegada admitiu que ele ‘não tinha condições’ de participar; omitiram a revista ou exame que teria revelado em segundos sua condição de cardiopata; e, por fim, o abandonaram em uma cela para morrer. São apenas a “ponta do iceberg” das revelações decorrentes das investigações.

Continua depois da publicidade

A família recebe a conclusão do laudo com o peso da confirmação, mas reitera seu clamor por Justiça. A verdade sobre a causa da morte está agora estabelecida. Falta, ainda, apurar e punir exemplarmente todos os responsáveis pela cadeia de negligências que permitiram que uma emergência de saúde fosse tratada como um caso de polícia, com consequências tão devastadoras e irreversíveis.”

Leia também

Laudo revela que dentista morto em cela preso por embriaguez não ingeriu bebida alcoólica

Policiais envolvidos na prisão de dentista encontrado morto em cela de SC começam a ser ouvidos