Um TikTok feito por duas estudantes de medicina resultou em uma queixa na delegacia e em uma ação no Ministério Público na última terça-feira (8). A medida foi adotada pela família de uma jovem de 26 anos que morreu em fevereiro após lutar contra uma cardiopatia congênita. As alunas publicaram um vídeo na rede social expondo e ironizando o caso da paciente, que foi atendida no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. As informações são do g1.

Continua depois da publicidade

Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp

Na publicação, as duas falam sobre os três transplantes de coração feitos por Vitória Chaves na unidade médica. Elas afirmam que a recuperação de um deles não foi bem-sucedida porque a jovem não tomou os medicamentos corretamente. A família pede uma retratação.

Segundo a irmã da paciente, o vídeo foi publicado no dia 17 de fevereiro deste ano, nove dias antes de Vitória morrer por choque séptico e insuficiência renal crônica. O TikTok chegou à família dela somente na semana passada.

— Um amigo dela [da Vitória] que mora na Holanda reconheceu a história e nos enviou. Ficamos em choque quando descobrimos. As duas estudantes fizeram estágio de 30 dias na instituição [Incor]. Nem chegaram a conhecer a minha irmã. Nunca foram vê-la. Por conta dessa desinformação, as pessoas passaram a criticar minha irmã — disse Giovana Chaves, ao g1.

Continua depois da publicidade

A publicação foi apagada das redes sociais. Nela, aparecem duas estudantes dizendo que estavam no Incor, em São Paulo. Embora não citem o nome de Vitória, descrevem o caso dela perfeitamente. As estudantes dizem que estavam “chocadas” após saberem que uma paciente tinha recebido três corações e um rim.

— A gente está em choque, sem acreditar até agora. São sete horas da manhã. Uma paciente que fez transplante cardíaco três vezes. Um transplante cardíaco já é burocrático, é raro, tem questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor — disse uma delas no vídeo.

A outra aluna segue dizendo que o segundo transplante teve rejeição pela “falta de comprometimento da paciente em tomar os remédios”.

— A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou e teve que transplantar de novo, por um erro dela. Agora, ela transplantou de novo, aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações — afirmou.

Continua depois da publicidade

No final do vídeo, uma das estudantes ironiza:

— Essa menina está achando que tem sete vidas. Não sei. Já é tão raro, difícil a questão de compatibilidade, doação, “n” fatores que não sei especificamente por que não passamos por cirurgia cardíaca ainda. Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que passou por três transplantes de coração. Ela recebeu três corações diferentes.

Até a última atualização da reportagem, o g1 não conseguiu contato com as estudantes de medicina que aparecem no vídeo.

Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), responsável pelo Incor, comunicou, por nota, que as alunas são “graduandas de outras instituições e estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês)”. A faculdade adicionou, também, que “repudia com veemência qualquer forma de desrespeito a pacientes e reafirma o compromisso inegociável com a ética”.

Doença de enxerto afetou recebimento do órgão

De acordo com a irmã de Vitória, o segundo transplante não foi bem-sucedido por conta da doença do enxerto. Em 2016, o Profissão Repórter mostrou a cirurgia de Vitória. Em 2021, ela concedeu uma entrevista ao programa novamente, onde disse estar debilitada e o coração não estar “100%”.

Continua depois da publicidade

— Elas fazem essa afirmação e não foi isso. Nós temos prova com o testemunho da médica que cuidou da minha irmã por 22 anos. Ela teve doença do enxerto, que é normal dar em órgão transplantado — afirma Giovana.

Ao assistir ao TikTok, a família de Vitória decidiu registrar boletim de ocorrência e procurar o Ministério Público. Eles também procuraram o Incor, que disse aos parentes que não estava ciente do vídeo e que isso vai contra a ética da instituição.

— Também fomos na faculdade de uma delas. Eles demonstraram repúdio ao ato. Queremos que elas se retratem conosco, porque tocou numa ferida muito aberta, e retratação em vídeo para que desmentissem e passar essa desinformação porque todo mundo está criticando minha irmã — diz.

O Ministério Público informou, em nota, que o caso foi distribuído para o 4º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital, que avalia o caso. Até esta quarta-feira (9), ele ainda não havia se manifestado.

Continua depois da publicidade

Leia a nota da FMUSP na íntegra

“A FMUSP esclarece que as alunas envolvidas na ocorrência são graduandas de outras instituições, que estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). Atualmente, não possuem qualquer vínculo acadêmico com a FMUSP ou com o InCor.

Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis.

Internamente, a FMUSP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição.

A FMUSP repudia com veemência qualquer forma de desrespeito a pacientes e reafirma o compromisso inegociável com a ética, a dignidade humana e os valores que norteiam a boa prática médica.

Continua depois da publicidade

A instituição reforça ainda a missão de formar profissionais comprometidos com a excelência e com o cuidado humano, valores que são inegociáveis em nossa Instituição.”

Luta de Vitória teve início na infância

Vitória nasceu em Luziânia, em Goiânia, e foi diagnosticada com grave cardiopatia congênita chamada Anomalia de Ebstein, uma doença rara que afeta a válvula do coração. Na época, os médicos a deram 15 dias de vida.

Aos quatro anos, ela foi para São Paulo depois de passar por várias cirurgias e complicações. Ela teve uma parada cardíaca durante um cateterismo, e foi diagnosticada com a necessidade de um transplante de coração. Depois de passar um ano e quatro meses na fila, realizou o primeiro transplante em 2005, no Incor, quando tinha cinco anos.

Dez anos depois, a jovem voltou a ter problemas. Isso fez com que ela tivesse que passar por um novo transplante, em 2016, uma vez que o coração funcionava apenas 3%. Na ocasião, o Profissão Repórter mostrou o caso dela novamente.

Continua depois da publicidade

Em 2019, ela começou a sofrer quadro de rejeição aguda do órgão e ficou internada em um hospital do Distrito Federal. Mesmo nesta situação, Vitória recebeu liberação médica e foi de ambulância fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao g1, ela disse que o sonho era ser médica.

— Só de conseguir fazer a prova já é uma vitória. Estou confiante, já deu certo. Quero deixar de ser paciente para atender, me especializar em cardiologia pediátrica e retribuir tudo o que os médicos fizeram por mim — afirmou na época.

Em 2023, ela teve que passar por transplante de rim e voltou para a fila novamente para um novo coração. O terceiro transplante foi em 2024.

Em fevereiro de 2025, Vitória morreu por insuficiência renal crônica e choque séptico. Ela estava na UTI do Incor havia um ano e nove meses.

Continua depois da publicidade

*Sob supervisão de Luana Amorim

Leia também

Registro raro mostra botos ajudando pescadores em Laguna; VÍDEO

Hang e Facebook se enfrentam na Justiça de SC em discussão inédita; saiba o resultado