Ao lado do principal cartão postal de Florianópolis, mas sem despertar tamanha atenção, parte da história da Ilha de Santa Catarina resiste. O Forte de Santana do Estreito, ou simplesmente Forte de Santana, construído no século 18 para proteger a Vila de Nossa Senhora do Desterro de possíveis invasões espanholas conta a história de um sistema de proteção idealizado pelo governo português junto a outras fortalezas da ilha.
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Para entender a história do forte, é preciso voltar a Florianópolis de 1763, data em que a maioria dos historiadores definem como da construção da edificação. Francisco Antônio Cardoso de Menezes e Sousa era governador da Capitania de Santa Catarina.
O território que hoje é a capital catarinense ainda era chamado de Vila de Nossa Senhora do Desterro, considerado mais ilha do que cidade. Ponto estratégico para as disputas entre portugueses e espanhóis que ocorriam no sul do Brasil naquela época.
O arquiteto aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do projeto “Restauração das Fortificações Catarinenses”, Roberto Tonera, explica que foi a partir de uma invasão espanhola na cidade de Rio Grande que o governo português se preocupou em reforçar as defesas da Ilha de Santa Catarina.
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— Nesse ano, a Espanha tinha invadido o sul do continente a partir do Uruguai e tinha tomado a cidade de Rio Grande, bem no extremo do Rio Grande do Sul. Eles tomaram um forte que naquela época ainda pertencia ao Brasil, que era a Fortaleza de Santa Teresa, hoje território do Uruguai. Tomaram depois o forte de São Miguel, que fica no Chuí, bem na divisa, também projeto português, do José da Silva Paes, que foi o projetista das nossas quatro fortalezas — detalha Tonera.
Veja fotos do Forte de Santana
Depois de tomar esses fortes, os espanhóis continuaram a avançar pelo território brasileiro, o que causou preocupação no governo português. Assim, eles solicitaram que o engenheiro militar José Custódio de Sá e Faria viesse até Santa Catarina para realizar um estudo sobre as defesas da ilha.
A ideia é que o engenheiro pudesse propor alternativas para ampliar as defesas do local, que já contavam com três fortalezas, porém ao Norte da Ilha.
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— Esse engenheiro militar avaliou que se as três fortalezas da barra norte, Anhatomirim, São José da Ponta Grossa e Ratones, fossem ultrapassadas, a Vila de Nossa Senhora do Desterro, o centro da ocupação portuguesa, que era aqui, ficaria desprotegido. Não havia mais nenhuma outra fortificação nesse caminho — explica o arquiteto.
Após essa análise, foram projetadas duas construções: o Forte de Santana e o Forte de São Francisco Xavier, que já não existe mais. Esse segundo ficava na Praça Esteves Junior, na saída da rua Esteves Junior com a Beira-Mar Norte. Dois canhões que faziam parte desse forte, encontrados durante as obras de paisagismo da praça, continuam instalados no local.
— Antes da invasão espanhola, que vai acontecer aqui em 1777, uma série de outros fortes foram construídos ao longo da Beira-Mar Norte. Em frente ao Shopping Beiramar, onde hoje existe a praça com o nome do antigo forte, Praça Forte São Luiz da Praia de Fora, a Beira Mar se chamava Praia de Fora, e entre eles várias outras fortificações menores, todas elas já desaparecidas — destaca.
De defesa militar à enfermaria
Caso embarcações inimigas conseguissem ultrapassar as fortalezas e entrar no Canal Norte, hoje chamado de Baía Norte, a ideia é que o Forte Santana pudesse servir como uma barreira mais próxima do Centro da cidade. Por estar no ponto mais estreito entre os dois canais, seria mais fácil atingir uma embarcação que ali parasse. Pela distância menor, qualquer canhão da época poderia atingir um barco inimigo que estivesse passando pelo local, explica Tonera.
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— As pessoas acham que os fortes não tiveram função porque não participaram de um combate efetivo e venceram. Mas não é verdade, eu sempre falo que os fortes são como uma cerca, você precisa “guardar” o seu quintal — relata o arquiteto.
Para além da função defensiva, no sentido de demarcar um território e definir a posse de um local, os fortes também exerceram outras funções. Entre elas, um papel administrativo, como são hoje os quartéis, e atuando como enfermaria e espaços de quarentena em momentos de crise e epidemias.
No ano de 1857, a estrutura foi utilizada para a Escola de Aprendizes Marinheiros. Já em 1876, se tornou sede da Companhia dos Inválidos, que é uma das companhias militares do organograma do exército. No ano de 1880, ela serviu de polícia do Porto, no período em que o Porto de Florianópolis ficava localizado na região em frente à alfândega.
O espaço passou a ser utilizado como uma estação meteorológica do Ministério da Agricultura, em 1912, momento em que não era mais uma fortificação. Entre os anos de 1863 e 1876 voltou a abrigar a Companhia dos Inválidos.
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A fortificação foi a primeira em Santa Catarina a ser restaurada, no ano de 1969, por iniciativa do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) junto com ao Governo do Estado de Santa Catarina. Dessa forma, o forte foi o precursor da recuperação do sistema defensivo da Ilha de Santa Catarina. Mais tarde, em 1975, foi agregada à parte antiga o Museu de Armas Major Lara Ribas, por iniciativa da Polícia Militar de Santa Catarina.
Revolução Federalista e Revolta Armada
O Forte de Santana teve entre seus episódios marcantes um momento durante a Revolução Federalista e a Revolta da Armada, no ano de de 1893. A cidade de Desterro foi considerada a capital de um novo país, separado do Brasil, momento em que o governo de Floriano Peixoto enviou tropas para combater essa insurreição.
— Ele trouxe navios de grande potência, muito superiores às defesas fixas que a ilha tinha. O forte Santana chegou a disparar alguns tiros contra essa esquadra do Floriano, mas ela foi logo dissipada pela maior potência, maior alcance dos canhões das embarcações. Elas ficavam muito mais longe do alcance da artilharia do forte, que, bombardeado, foi forçado a se render — detalha o coordenador do projeto “Restauração das Fortificações Catarinenses”.
Surgimento do nome
De devoção religiosa católica muito forte, os espanhóis e portugueses costumavam dar nomes de santos aos fortes, embarcações e até canhões, além das próprias cidades. Foi assim com o Forte de Santana, em homenagem à Santa Ana, mãe de Nossa Senhora. Porém, para diferenciar a construção de outras do país, era acrescentado mais um nome.
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— Eles davam o nome do Santo, que podia se repetir em várias outras localizações do Brasil e do mundo, e para diferenciar, dar uma certa personalidade à fortificação que tu estavas querendo te referir, eles sempre agregavam a localização onde o Forte estava — afirma Tonera.
Assim, o local ganhou o nome de Forte de Santana do Estreito. Ainda que hoje se conheça como Estreito o bairro na parte continental de Florianópolis, na época a parte insular, onde está localizada o forte, é que se chamava Estreito, e o lado do continente pertencia ao município de São José.
Roberto Tonera explica que os termos Baía Norte e Baía Sul são contemporâneos, e que tecnicamente, não se tratam de baías, e sim de um Canal Norte e um Canal Sul. Isso porque a baía seria fechada, como um saco, a exemplo da Baía de Guanabara, com apenas uma boca de entrada e saída.
Em Florianópolis, Roberto explica que não há baía e sim o canal que divide o continente da Ilha de Santa Catarina, com o Canal Norte e Canal Sul. Esses dois canais são separados por um estreito de mar, distância mais próxima entre um lado e outro.
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— Por isso que ali tinha uma fortificação. Depois vai haver uma outra fortificação no continente também, na cabeceira continental da ponte, semelhante ao Santana, que cruzavam fogos. Porque é o local mais estreito, é o mais fácil de ser defendido — explica o arquiteto.
O Forte de São João, no continente, hoje é apenas uma ruína, conta o arquiteto. Algumas pessoas afirmam até que ele já desapareceu, mas as ruínas seguem no local e foram tombadas pelo Governo do Estado recentemente. A edificação foi construída em 1793, ainda que ali já tivesse uma estrutura de defesa em 1777.
— A parte insular em que hoje está o forte Santana é que se chamava Estreito, e o lado continental pertencia a São José. E depois aquele bairro passou a se chamar João Pessoa. Só na década de 1930, 1940 que o nome passou a ser Estreito, pertencente ao município, aí sim, de Florianópolis — finaliza.
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