Ernesto Schmidt Neto, de 48 anos, foi uma das 44 mortes registradas em ocorrências policiais nos primeiros cinco meses do ano em Santa Catarina de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) obtidos pela NSC por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). É o mesmo número registrado em todo o Estado em 2022, ano com a menor quantidade de vítimas dos últimos seis anos, conforme o levantamento.
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Os dados mostram que houve um aumento no número de mortes entre 2019 e 2020, com 78 e 86 vítimas, respectivamente. Depois, uma queda em 2021, que passou para 70, com uma redução ainda mais acentuada em 2022, quando foram 44 casos. No ano seguinte, porém, os números voltaram a crescer. Em 2023 foram 80 mortes — quase o dobro do total do ano anterior — e em 2024, 79.
Enquanto isso, os seis primeiros meses de 2025 já registram nove mortes a mais do que o contabilizado no mesmo período de 2024, um aumento de 21,4% no número de ocorrências. Se levar em conta o ano de 2022, foram 31 a mais.
Os dados sobre os confrontos policiais, como são classificados pela SSP, mostram que as cidades da Grande Florianópolis lideram o número de casos entre 2022 e 2025. Das 44 mortes registradas entre janeiro e maio de 2025, por exemplo, mais da metade ocorreram na região, que somou 23 óbitos. Nos anos anteriores, entre 2019 e 2021, a liderança era do Vale do Itajaí: dos 227 óbitos no período, 93 foram na região.
Outro padrão que se repete é no que diz respeito à idade das vítimas. A maioria é homem e jovem, com idade entre 20 e 39 anos. Neste ano, foram 30 mortes nesta faixa etária, o que representa 68,2% do número de mortos.
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Para Maíra Marchi Gomes, psicóloga policial, não se pode afirmar que houve um aumento no número de ocorrências de confrontos policiais em um corte de sete anos. Isso porque, para ela, seria necessário analisar dados com um maior tempo de acompanhamento. No entanto, explica que o aumento ou não da violência policial também pode ter ligação com a política governamental presente naquele momento.
— Falando genericamente sobre o que, talvez, causaria um aumento nessa situação. Tem muita relação com o governo vigente e a política de governo em relação à segurança pública. Por exemplo, um governo que incentiva a repressão, que tem uma política de segurança pública que acaba fortalecendo o aparato repressivo, com quase que uma uma maior legitimação, uma maior autorização, ainda que velada e, muitas vezes, nem é velada, muitas vezes é explícita, para que aconteçam confrontos. E quando eu digo governo, eu estou pensando no governo estadual, federal e mesmo municipal — cita.
A NSC solicitou à Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) uma entrevista para falar sobre os números no Estado. No entanto, por considerar que não houve um aumento significativo, o órgão preferiu responder apenas por meio de nota.
No texto, a corporação afirma que vem “intensificando as ações preventivas e operacionais, alcançando recordes históricos na apreensão de drogas e armas, o que contribui para o reconhecimento de Santa Catarina como o Estado mais seguro do país”. Diz, ainda, que o Estado se destaca pela queda em 22% no número de mortes violentas, atualmente com um dos menores patamares do índice de homicídio da série histórica. “Dessa forma, os resultados, reconhecidos pela sociedade catarinense como positivos, qualificam o efetivo da PMSC para desempenhar suas funções operacionais e administrativas da melhor forma possível”, disse, ainda, a PMSC em nota.
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Mortes em confrontos com a polícia crescem em SC em contraste à diminuição de crimes
Na contramão, Estado tem queda de homicídios
Ainda segundo dados da SSP, a curva dos homicídios vem caindo desde 2019. Naquele ano foram registrados 643 crimes. Já em 2024, foram 512, por exemplo. Em 2022, ano em que foi registrado o menor número de mortes em confrontos desde 2019, também houve queda no número de homicídios.
Além disso, ainda conforme a SSP, também houve redução em outros indicadores de violência como furto (-3,3%), roubo (-17,2%), estelionato (-7,2%), violência doméstica (-3,6%), latrocínio (-11,1%) e feminicídio (-30,3%) nos primeiros meses de 2025 se comparado ao mesmo período de 2024. O único índice que segue em alta é justamente aquele que mede a violência policial.
Para Guilherme Stinghen Gottardi, vice-presidente da Comissão de Segurança, Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Catarina, houve de fato um aumento nas mortes decorrentes de confrontos a partir de 2023, mas aponta que isso pode ocorrer também por conta dos crescentes confrontos entre as próprias facções criminosas.
— A polícia teve que adotar procedimentos baseados em ações mais efetivas contra a criminalidade, inclusive com a utilização de armamento letal, já que, em muitas oportunidades, os policiais foram recebidos a bala durante as abordagens — aponta.
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Sobre a redução nos índices de homicídio, o especialista comenta que a maior presença policial nas áreas dominadas pelas facções criminosas, além de inibir o crime organizado, resulta em um aumento de apreensões de armas e drogas e, por consequência, gera a queda em diversos indicadores.
— A queda no índice de homicídios desde 2019 reflete o comprometimento das forças de segurança do Estado, a eficiência das estratégias integradas e os investimentos feitos pelo governo do Estado, que consolida Santa Catarina em posição de destaque nacional como referência em segurança pública — defende.
Jovens mortos são homenageados em muros
Nas areias das dunas dos Ingleses se ergue a Comunidade do Siri onde famílias que moram em casas simples buscam na Capital uma vida mais digna. No entanto, uma pintura chama a atenção: em um muro, o sorriso e a lembrança de Gabriel Correa da Silva Piazzolli estão eternizados em amarelo e azul. A mãe do jovem olha a imagem e chora de saudades. Mesmo quatro anos depois, a dor não foi embora, assim como a revolta: o filho morreu após uma intervenção da polícia no local. Mãe de um bebê com meses de vida, a ela sente falta do primogênito como se fosse o primeiro dia.
Os olhos se enchem de lágrimas ao relembrar aquele dia. A mãe conta que Gabriel estava com a namorada quando saiu para comprar marmita. No caminho, encontrou amigos e acabou se atrasando para voltar para casa. A mãe tinha voltado da igreja e preparava comida para o filho mais novo quando ouviu o barulho de tiros. Era a polícia durante uma operação que realizava na região.
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— Nunca vou esquecer. De repente, escutei os tiros e daí apertou meu coração — lembra a mãe sobre o telefonema que recebeu da nora na época.
Imediatamente, a moradora do Siri saiu da casa de madeira onde mora nas dunas e marchou até o local, enquanto rezava.
— Cheguei e já estava todo mundo lá dizendo “irmã, irmã”. Todos sabiam que era o Gabriel, mas ninguém queria me falar que era o Gabriel. Era um desespero porque eles não deixaram eu ver. E quando veio a Civil e o IML, aí ele veio “o que eu posso ver para identificar o seu filho?” Daí, eu disse que ele tinha o meu nome no pescoço, tatuado. Ele voltou e disse: “O seu filho usava arma?” Eu disse ‘não’. Ele viu que não tinha nada na mão do meu filho, não teve confronto como eles falaram, até porque foi um tiro pelas costas. Se tivesse confronto, meu filho tinha sido baleado pela frente e, na verdade, foi pelas costas. É que nem eu falo: o único tiro direto no coração — defende a mãe.
A Polícia Civil investigou o caso da morte de Gabriel e, assim como na ocorrência de Betinho, obteve somente a versão dos policiais e da perícia, já que ninguém quis testemunhar a favor da família.
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— Como que eu vou botar os sete rapazes que estavam com o meu filho à frente da bala? Quando eu entregasse o nome deles, já estariam mortos — diz, com medo de retaliação por parte da polícia.
Conforme o delegado Ênio Mattos, da Delegacia de Homicídios da Capital, Gabriel tinha passagens policiais por tráfico de drogas. De acordo com a investigação, uma arma teria sido encontrada no local do crime. Entretanto, outra versão poderia ter mudado o rumo do inquérito, que acabou não tendo um indiciado pela morte do jovem que tinha 19 anos na época. Ou seja, ao fim, a investigação concluiu que foi legítima defesa dos policiais e foi arquivada.
— Os policiais entraram lá, foram recebidos a tiros e, claro, revidaram. Enquanto estavam incursionando para procurar, ver se conseguiam achar as pessoas que fugiram, encontraram a pistola e do lado estava a vítima morta no chão. E tinha também anotações de tráfico — aponta o delegado.
Além de Gabriel, a comunidade afirma que outros dois jovens foram mortos em supostos confrontos policiais com a PM na região nos últimos quatro anos, isso sem contar os que resistiram aos ferimentos. Como homenagem, seus rostos foram pintados nas paredes das casas.
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Perfil das vítimas e números de mortes por homicídios e em supostos confrontos
Veja a nota da Polícia Militar na íntegra
“A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) considera que o número de confrontos policiais não aumentou de forma significativa, conforme mencionado em seu questionamento. Por esse motivo, encaminhamos esta resposta por escrito, sem vislumbrar a necessidade de prolongar o assunto. A PMSC vem intensificando suas ações preventivas e operacionais, alcançando recordes históricos na apreensão de drogas e armas, o que contribui para o reconhecimento de Santa Catarina como o estado mais seguro do país. Destaca-se a queda em 22% no número de mortes violentas, atualmente com um dos menores patamares do índice de homicídio da série histórica. Em relação às câmeras corporais, a PMSC já divulgou amplamente os encaminhamentos adotados sobre o tema. Assim que novas soluções forem viáveis, a corporação fará os devidos anúncios. Dessa forma, os resultados, reconhecidos pela sociedade catarinense como positivos, qualificam o efetivo da PMSC para desempenhar suas funções operacionais e administrativas da melhor forma possível”.
Confira a nota da SSP na íntegra
O trabalho ostensivo das forças policiais no combate à criminalidade tem produzido resultados extremamente positivos nos últimos anos em Santa Catarina, a exemplo dos inúmeros recordes computados no primeiro semestre de 2025. Com destaque para as quedas nos indicadores de mortes violentas, homicídios e roubos que, nos seis primeiros meses do ano, superam todos os resultados da série histórica.
O aumento das mortes por intervenção legal de agente do estado (MILAE) surge como uma inevitável resposta do trabalho policial contra criminosos armados e de maior periculosidade. Nos esforços contra a violência, em especial no combate ao tráfico de drogas, roubos e homicídios, as forças policiais são inúmeras vezes recebidas com resposta armada e são alvos de atentados contra a vida, gerando a necessidade de agir em legítima defesa. Prova disso, no primeiro semestre de 2025, cerca de 70% dos mortos em confronto com a polícia tinham antecedentes criminais relevantes, tais como crimes contra a vida, tráfico de drogas, crimes contra o patrimônio e porte ilegal de arma de fogo.
A Secretaria da Segurança Pública reforça que as Polícias Militar e Civil de Santa Catarina têm caráter humanitário e, acima de tudo, atuam na defesa da vida e na proteção dos cidadãos, incluindo os agentes de segurança que diariamente arriscam suas vidas para garantir a ordem social.
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*Os nomes das entrevistadas foram alterados para preservar suas identidades.




