Você já viu um Chester vivo? Essa piada é tão comum nas ceias natalinas quanto a presença da ave assada no centro da mesa. Ao longo de muitos anos, o segredo sobre o animal que dá origem ao produto vendido nos mercados como alternativa ao peru foi tão bem guardado que criou-se uma mitologia sobre ele.

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Atualmente, sabe-se que o Chester nada mais é do que a marca de um frango de maior porte, criado a partir de melhoramento genético. Abatida mais pesada, a ave chega a pesar entre 4 kg e 4,5 kg e se destaca pelo maior volume de carne no peito e nas coxas, característica pensada para o consumo em datas festivas.

O que pouca gente sabe é que o Chester tem origens catarinenses. Ele foi “inventado”, entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, pela Perdigão a partir de ovos trazidos dos Estados Unidos. As primeiras aves foram criadas no interior de Videira, no Meio-Oeste catarinense, na antiga sede da empresa.

Uma ave para combater o peru

O surgimento do Chester tem a ver com uma antiga rivalidade comercial. Nos anos 1970, a Perdigão concorria diretamente com Sadia, outra empresa catarinense, mas de Concórdia, no Oeste. Nos dias atuais, vale lembrar, as empresas se fundiram e formaram a gigante BRF.

Na época, a Sadia vendia perus, mas a Perdigão não. O animal, nativo da América do Norte, tem até hoje um custo de produção mais caro do que o frango, devido à menor eficiência na produção de ovos, à cadeia produtiva mais complexa, entre outros fatores.

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— Não era viável, na época, trazer mais uma ave para competir com o mesmo peru da Sadia. Com isto, a Perdigão foi em busca de uma ave diferenciada, que depositasse carne no peito e nas coxas — relembra o veterinário aposentado Vitor Hugo Brandalise, filho de um dos fundadores da Perdigão.

Edésio Brandalise (primeiro à esquerda na foto), na mesma visita em 1979, com técnicos e veterinários americanos
Diretor do setor de agropecuária da Perdigão, Edésio Brandalise (primeiro à esquerda) foi enviado em uma visita a uma granja de frangos nos EUA para encontrar alternativa ao peru da Sadia (Foto: Vitor Hugo Brandalise, Arquivo pessoal)

A história do Chester

A história do Chester começou em 1979, quando a direção da Perdigão enviou dois técnicos até os Estados Unidos com a missão de encontrar uma alternativa ao peru.

Em Maryland, o diretor do setor de agropecuária Edésio Brandalise e o veterinário Mário Ricciardi encontraram um geneticista que havia produzido uma linhagem de frangos com desenvolvimento muscular no peito e coxas. Entre 3 mil e 5,5 mil ovos foram importados ao Brasil.

— Começou aqui no interior de Videira, mais propriamente em Passo da Felicidade, [localidade que] pertence, hoje, ao município de Tangará — diz Vitor Hugo Brandalise, irmão de Edésio.

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Quadrinhos contam a origem do Chester em SC

Um início à brasileira

A chegada dos primeiros ovos marcou o início de um longo processo de adaptação. Recém-formado em Medicina Veterinária, aos 28 anos, Vitor Hugo foi responsável pela nutrição dos primeiros animais. A ração foi desenvolvida à base de milho e soja, com ajustes finos de proteína, energia, vitaminas e minerais ao longo do crescimento.

As primeiras produções, no entanto, ficaram aquém do esperado. Inicialmente, as aves demoravam até 84 dias para atingir o peso desejado. Além disso, a seleção inicial privilegiava tanto a deposição de carne, que os ossos não acompanhavam o ritmo de crescimento.

— Eles perdiam as pernas, caíam e não levantavam mais — descreve o veterinário.

A situação se agravou com um surto da doença de Newcastle, que obrigou a eliminação de um dos primeiros lotes, segundo o veterinário aposentado. Com a contratação de zootecnistas e apoio técnico da Universidade Federal de Viçosa, o programa de melhoramento finalmente ganhou tração, recorda Vitor Hugo.

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Por ser maior e mais pesada que um frango comum, a produção exigiu adaptações até no abate. O Chester era abatido separadamente, em linhas específicas, em um frigorífico de Capinzal, próximo a Videira.

— Após cerca de quatro a cinco anos de ajustes, conseguimos produzir a ave com 65 dias e peso na carne na faixa de 4 kg, uma conversão alimentar muito boa. Com isso o custo dele ficou interessante e começamos a competir com o peru da Sadia — explica Vitor.

Habemus Chester!

O lançamento oficial veio em 1982, acompanhado de uma campanha de marketing que entrou para a história da publicidade brasileira. O slogan “Habemus Chester” marcou a chegada definitiva da ave ao mercado.

O sucesso foi imediato. Com a carne mais macia, característica do frango, o Chester rapidamente caiu no gosto dos brasileiros. Com o tempo, outras empresas foram produzindo as mesmas aves, com marcas diferentes: a Lebon começou a vender o Bruster; a Seara produz o Fiesta e até a Sadia tem o Supreme.

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Em 2009, a rivalidade que deu origem ao Chester finalmente foi apaziguada: Sadia e Perdigão anunciaram uma fusão que deu origem à BRF.

Relembre uma das propagandas do Chester

História de família

Na família Brandalise, a história do Chester sempre circulou de forma informal. “Foi meu tio que inventou o Chester”, era a frase repetida em mesas de bar pelo jornalista Vitor Hugo Brandalise Jr., filho do veterinário Vitor Hugo Brandalise e sobrinho de Edésio Brandalise.

Em 2022, a história familiar virou reportagem com a criação do podcast Rádio Novelo Apresenta. O episódio “Avis Rara”, publicado em dezembro daquele ano, contou a história de família e a disputa entre as empresas catarinenses.

— Desde 2022, quando a gente publicou [a história] pela primeira vez, muita gente pede e ouve o episódio no Natal, todos os anos. Então parece que enquanto o Chester estiver ali despertando a curiosidade das pessoas, o podcast e essa história vai continuar viva — diz o jornalista.

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Com a ave já desenvolvida, Edésio Brandalise recebe amigos em sua casa, no Natal de 1987. No centro da mesa, o Chester. Perguntas sobre a criação da ave (e questionamentos sobre o processo) o acompanha
Com a ave já desenvolvida, Edésio Brandalise recebe amigos em casa, no Natal de 1987, com Chester no centro da mesa (Foto: Vitor Hugo Brandalise, Arquivo pessoal)

Em meio a mitos

Um dos mitos mais persistentes sobre o Chester (e sobre o frango em geral) é o uso de hormônios para acelerar o crescimento. A prática, porém, não é apenas proibida no Brasil, mas também tecnicamente inviável.

— Não existe isso. O frango já tem uma condição genética que permite que ele ganhe, em 42 dias, 3,3 kg, somente com ração balanceada — afirma Marcel Manente Boiago, professor de Zootecnia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

A explicação para a proibição passa por barreiras biológicas, práticas e econômicas. Se fossem ingeridos pela ração, os hormônios seriam quebrados pelas enzimas digestivas. Se injetáveis, não fariam efeito a tempo, já que os frangos são abatidos jovens.

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— Imagina se fosse possível você teria que pegar um frango, um por um, num aviário que às vezes tem 50 mil aves e aplicar um por um… Isso é totalmente inviável — complementa o especialista.

O custo, segundo ele, seria proibitivo, devido ao alto custo dos hormônios. 

— Nós já temos um animal que é muito eficiente em ganhar peso em produzir uma carne saudável de qualidade sem ter nenhuma necessidade externa — conclui o professor.

A diferença entre frango, Chester e peru

Como é a produção nos dias atuais

Há poucas informações sobre a produção atual de Chester, já que a BRF não divulga dados detalhados sobre o produto. Embora a linhagem tenha se desenvolvido em Santa Catarina, atualmente a produção se concentra em Goiás, especificamente na região de Mineiros.

Sabe-se que o Chester, nos dias atuais, atinge o peso de 4 a 4,5 quilos, no período de 55 a 58 dias.

— É frango normal, de linha comercial, criado para fazer a ave de Natal — explica o pesquisador Elsio Figueiredo, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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O NSC Total procurou a BRF para visitar uma granja e entrevistar um especialista sobre o produto, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Fato é que, mais de quatro décadas depois, o produto desenvolvido no interior catarinense segue presente nas mesas brasileiras.

— Nas várias culturas ocidentais e orientais, foram desenvolvidas técnicas de criação das galinhas e de outras aves para servir em banquetes, como festas de aniversário, bodas de casamento e ceias de Natal. As empresas aperfeiçoaram esses métodos de criação e os tornaram industriais — diz o pesquisador da Embrapa.

Compare frangos com perus

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