A chegada de um bebê ao mundo pode ser marcada por uma “montanha-russa” de emoções para uma mãe: se por lado existe a felicidade pelo nascimento do novo membro da família, do outro a queda abrupta dos hormônios, alinhada a insônia e a exaustão, pode trazer momentos de tristeza profunda. Ao NSC Total, mães de Santa Catarina relataram os desafios com a saúde mental que enfrentaram durante o puerpério, período que marca os primeiros meses após o parto, em meio ao baby blues e a depressão pós-parto, temas que ainda são cercados por estigmas.
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Em 2020, a chegada da pequena Aurora foi rodeada de expectativas por Otaviane Soares Pinheiro, de 39 anos, moradora de Coqueiros, parte continental de Florianópolis. Com uma gravidez tranquila e sem enjoos, a funcionária pública brinca que passaria pelo período da gestação “umas dez vezes” se pudesse. Apesar de não ter sentido sintomas físicos durante os nove meses, os sintomas emocionais após o parto vieram “bem fortes”.
— A gente nunca sabe se vamos conseguir ou não, se vamos dar conta. E são muitos medos. É um terreno que eu achava que eu não estava preparada realmente. Então, acho que isso foi um fator que veio muito forte para mim, a noção de que eu não estava preparada para assumir essa nova vida — relata.
Mãe solo, Otaviane conta que passou por um sentimento de tristeza profunda, com choros incontroláveis, momentos de ira, além da dificuldade de criar vínculo com a bebê após o parto. A sensação, segundo a servidora, era de estar em meio a um “furacão”, no qual tentava resolver os problemas e não conseguia:
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— Quando a gente se vê em um momento em que precisamos dar conta de ter roupa limpa para a criança, de ter que sair para o mercado de trabalho, de ter que cuidar dela, estruturar esse afeto, esse vínculo, isso acaba trazendo uma carga de estresse muito alta. Foi o que eu senti, um estresse absurdo.
Otaviane buscou ajuda quando Aurora completou três meses ao perceber que não estava conseguindo sair de um ciclo emocional sobrecarregado. Com dificuldade de falar sobre o assunto, ela iniciou o tratamento com terapia e psicoterapia.
— Eu tinha vergonha de falar na terapia o que eu sentia em relação à minha filha. Eu sentia vergonha de trazer para o próprio profissional porque a gente olha e fala que não é justo eu sentir isso em relação à minha filha — conta.
Além da vida pessoal, os sintomas depressivos após o parto influenciaram também na vida profissional da servidora pública, que precisou se afastar do trabalho três vezes devido ao estresse. Ela não chegou a ter um diagnóstico formal de depressão pós-parto, mas conta que conviveu com os sentimentos por quase quatro anos.
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— Foi através da psicoterapia que a pessoa lá olhou e falou “olha, você precisa de ajuda psiquiátrica”. Eu fazia acompanhamento por outras coisas [antes de engravidar], mas imaginar que a maternidade fosse trazer outros ângulos, eu não imaginava. Eu realmente não pensava nisso, não pensava em saúde mental. Eu achava que a maternidade ia me curar de muitas coisas — alega.
“Nasce uma mãe, nasce uma culpa”
Assim como Otaviane, Juliana Fontes deu à luz ao primeiro filho no período da pandemia de Covid-19. Durante a gravidez, a jornalista continuou trabalhando, vendo os amigos e fazendo coisas que gostava, mas o cenário mudou quando Antônio nasceu.
— Nasce uma mãe, nasce uma culpa. Parece um ditado clichê, mas as culpas só acumulam. Porque você se sente culpada por não estar do jeito que todo mundo espera, por você não se reconhecer, porque você não é mais a mesma pessoa que você era antes e você não consegue entender isso em tão pouco tempo, você sente saudade de quem você era, sente que não vai dar conta, sente que está deixando de lado, de dar atenção para outras pessoas que são importantes, mas nunca para e pensa que está deixando de lado você — relata.
Juliana, assim como outras mães, enfrentou os sintomas de depressão pós-parto sem saber que estava com a condição. As suspeitas começaram ao notar o cansaço extremo, tristeza e falta de disposição quando o bebê tinha seis meses. O diagnóstico formal foi feito apenas um ano após o parto.
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— Eu não sabia que era depressão pós-parto. O primeiro médico que eu fui, depois que eu tive o bebê, foi o ginecologista para ver se estava tudo bem, se as taxas hormonais estavam normais, porque eu reclamava muito do cansaço. Na verdade, eu achava muito estranho esse cansaço extremo, essa tristeza, essa falta de disposição. Às vezes a gente banaliza muito que é só exaustão, mas tem muitas coisas por trás — conta.
Juliana começou o tratamento com remédios e terapia, mas diz que não sente que a saúde mental tenha se restabelecido 100%. Para ela, esse é um processo que envolve altos e baixos:
— A depressão pós-parto não é feio. Não é porque você não ama um bebê. É porque é pesado demais e quando você não compreende isso, você leva um peso por muito mais tempo. […] Você precisa estar bem, você precisa estar feliz, você acabou de ter um bebê. É um momento mais especial na vida de muitas mulheres, na vida de muitas pessoas, na vida da família, mas esse momento acaba sendo tão carregado de expectativas romantizadas, que você acaba se perdendo nisso tudo.
Poder contar com o apoio do companheiro, família e amigos durante o nascimento do bebê influencia positivamente na saúde mental materna. Mesmo assim, nem todas as mães se sentem acolhidas durante o processo que pode ser, muitas vezes, solitário.
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— O companheiro muitas vezes não tem noção do que é ser pai. Ele precisa pegar junto. Não é porque ele trabalha o dia inteiro que ele vai ajudar quando chega, porque está cansado. A mãe também está cansada. A mãe não tem feriado, não tem férias, não tem descanso, tem que acordar para amamentar, precisa voltar ao seu corpo, precisa voltar a trabalhar. É uma cobrança muito grande — pontua.
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Montanha-russa emocional
Conhecido como baby blues, os sentimentos enfrentados por Otaviane e Juliana após o parto não são um caso isolado e podem atingir de 50% a 80% das mulheres que passam pelo puerpério, explica a psicóloga Juliana Baron, autora do livro Maternidade Possível. A condição não é considerada clinicamente um problema, desde que não permaneça por mais de três meses.
— O Baby Blues é mais uma montanha russa emocional, é o que elas relatam. Elas estão felizes com aquele bebê, com aquela vida e ao mesmo tempo, de alguma forma elas estão tristes, por isso muitas vezes se julgam ou são julgadas. “Como é que você pode estar assim?”, “O seu bebê tem saúde?”, “Você está bem?” ou “você quis tanto esse filho”. Mas uma coisa não invalida a outra. Ela pode estar muito feliz e ainda assim se sentir muito atravessada por todas aquelas mudanças no contexto social da família dela — explica.
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Os sintomas do baby blues são tristeza, desânimo, choro fácil, irritabilidade e ansiedade. Em situação de normalidade, eles costumam desaparecer em até três meses após o nascimento do bebê. Caso isso não ocorra, a psicóloga alerta para a importância de procurar um especialista, pois pode se transformar em um quadro de depressão pós-parto.
— Acho importante a gente normalizar e naturalizar esse turbilhão de emoções que a mulher vive, mas a gente também não pode ignorar que às vezes isso pode, sim, se transformar num quadro depressivo. A gente sabe que a depressão é uma doença e precisa ser tratada como tal — alerta.
Diferente do baby blues, a depressão pós-parto é marcada por sintomas intensos e duradouros, e afeta duas a cada 10 mulheres durante o puerpério, explica a obstetra Karol Soares. Ao longo dos nove meses de gestação, a mãe passa pelo aumento expressivo dos níveis de estrogênio e progesterona que, além de prepararem o corpo para a gravidez, também modulam neurotransmissores cerebrais relacionados ao humor, como a serotonina.
— A placenta é um órgão que se forma exclusivamente para a gestação e assim produz hormônios. No momento do nascimento, a placenta vai embora e com ela temos a queda vertiginosa de vários hormônios. […] No pós-parto essas alterações hormonais, somadas às demandas emocionais, privação de sono e adaptações sociais, aumentam o risco de transtornos como a depressão pós-parto e de ansiedade — explica a médica.
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De acordo com o Ministério da Saúde, a depressão pós-parto é classificada como uma condição de profunda tristeza, desespero e falta de esperança que acontece logo após o parto. Não existe uma única causa conhecida, mas pode estar associada a fatores físicos, emocionais, estilo e qualidade de vida, além de ter ligação, também, com histórico de outros problemas e transtornos mentais. O diagnóstico deve ser feito por um psiquiatra.
— A depressão pós parto também acontece com mulheres que planejaram engravidar, que conquistaram a via de parto dos seus sonhos, que tem um bebê lindo e saudável em casa e que dividem isto tudo com a sua família “de comercial de margarina”! A causa da depressão é antes de mais nada uma desregulação da química cerebral e não algo que basta a gente se esforçar para melhorar — fala a especialista ao destacar que atualmente existem medicações seguras que podem ser usadas pelas mães durante a amamentação ou na gestação.
Tema ainda precisar avançar
Considerado o mês das mães, maio também é destinado à conscientização da saúde mental materna através da campanha “Maio Furta-cor”. O movimento busca ampliar o olhar para as mulheres que enfrentam a situação, além de falar mais sobre um assunto que ainda precisa ser muito discutido, como diz a psicóloga Juliana Baron:
— Eu acho que a gente tem falado cada vez mais, mas a gente ainda está falando pouco. Todos os dias eu encontro mulheres que me dizem: “ah, ninguém me falou sobre isso”, “foi tão difícil o meu puerpério”, “eu não tinha ninguém para conversar, ninguém entendia”. Isso é um sinal de que a gente ainda precisa falar mais.
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A obstetra Karol Soares também acredita que, apesar do tabu, a saúde mental materna é mais discutida atualmente do que era no passado. Mesmo assim, a visão romantizada do maternar continua impedindo que mulheres procurem assistência em caso de depressão pós-parto, por exemplo.
— Fazemos mais diagnóstico hoje porque as pacientes têm mais informações e estão mais atentas. As famílias também, como rede de apoio, estão mais preparadas. Inúmeras vezes é o marido ou a mãe da paciente que vem ao consultório pedir ajuda: “Ela está diferente, doutora!”. Isto já nos acende um alerta. As pessoas também têm aceitado mais usar antidepressivos, frequentar psicoterapeutas e consultas com psiquiatra — finaliza.
Antonietas
Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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