Mais de 1 milhão de doses de diversas vacinas foram parar no lixo nos últimos três anos em Santa Catarina. É o que mostra um levantamento exclusivo feito pela NSC TV junto à Secretaria de Estado da Saúde e às prefeituras dos maiores municípios do Estado. Entre os motivos estão o vencimento, desafios logísticos e baixa adesão nas campanhas de vacinação.
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A apuração começou a ser feita em fevereiro deste ano. Através da Lei de Acesso À Informação (LAI), a NSC TV perguntou às prefeituras das 10 maiores cidades do Estado, quantas doses de vacina foram descartadas nos últimos três anos — 2022 a 2024 — e os motivos dos descartes.
Foram consideradas para a pesquisa as cidades com maior população segundo o Censo do IBGE de 2022. Assim, os questionamentos foram enviados para as prefeituras de Joinville, Florianópolis, Blumenau, São José, Itajaí, Chapecó, Palhoça, Criciúma, Jaraguá do Sul e Lages. Destes municípios, seis responderam os dados de forma completa.
O município de Chapecó informou que 15.060 doses foram jogadas fora entre 2022 e 2024. A prefeitura destacou que o número ficou abaixo do limite previsto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda um teto de 5% de perdas para imunobiológicos. As perdas mais significativas ocorreram em 2022, por conta dos desafios logísticos da vacina contra a Covid-19.
Palhoça informou que 29.047 doses de vacinas foram descartadas. A prefeitura ressaltou que o principal motivo foi o vencimento do prazo de validade dos imunizantes.
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Em Criciúma, segundo a prefeitura, 41.554 doses foram descartadas no período. O município informou que os motivos foram validade vencida, danos na embalagem, falha no equipamento, procedimento inadequado, entre outros.
Em Jaraguá do Sul, 53.973 doses se perderam desde 2022. A prefeitura detalhou que os principais motivos foram vazamentos ou falhas durante a aspiração da vacina; a formação de bolhas ou a presença de partículas que impedem o uso; erros de reconstituição; e a expiração do prazo de validade após a abertura do frasco.
Em Itajaí, no mesmo período, 61.704 doses de vacinas foram jogadas fora. A prefeitura citou prazos de validade curtos e a baixa adesão da população à campanha de imunização contra a gripe como principais motivos para os descartes.
A Prefeitura de São José informou que descartou, de 2022 a 2024, 79.075 doses de imunizantes. O município citou a baixa adesão à vacina contra a Covid e a atualização da cepa viral da vacina contra a gripe, feita anualmente pelo Ministério da Saúde e que obriga os municípios a descartarem as doses remanescentes, como principais motivos.
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E Florianópolis, dos municípios que responderam ao questionamento da NSC, é o que teve o número mais alto de vacinas descartadas: nos últimos três anos, 128.154 doses de imunizantes se perderam na Capital. Como justificativa, a prefeitura citou o prazo de validade das vacinas e outras “situações pontuais no transporte ou na conservação, que acabam comprometendo a eficácia do imunizante”.
Outros dois municípios do Estado responderam a nossa solicitação de forma incompleta.
A maior cidade do Vale do Itajaí, Blumenau, enviou apenas os dados referentes às vacinas contra a gripe e Covid. Ao todo, 38.236 doses destas vacinas foram descartadas entre 2022 e 2024. A prefeitura explicou que a quebra dos recipientes e falhas pontuais na cadeia de frios foram alguns dos motivos, assim como a baixa procura da população pelos imunizantes.
E a maior cidade do Estado, Joinville, informou apenas os dados de 2024 — e, assim como Blumenau, somente das vacinas contra a gripe e Covid. Ainda assim, o relatório fornecido pelo município aponta 94.205 doses descartadas. A prefeitura disse que os descartes aconteceram porque a vacina tem prazo curto de duração. Sobre o envio parcial das informações, disse apenas que “esse é o dado técnico que a Secretaria da Saúde possui”.
A Prefeitura de Lages também foi questionada sobre os descartes de vacina. O município, no entanto, enviou dados inconclusivos, que não permitiram definir a quantidade de doses descartadas.
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Somados, os números informados pelos municípios revelam que 541.018 doses de vacinas foram jogadas fora nos últimos três anos.
Em fevereiro deste ano, também em resposta a uma solicitação da NSC, a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina divulgou que descartou, entre 2022 e 2024, 658.884 doses.
Número este que, somado aos informados pelos nove maiores municípios do Estado, revela que 1.199.902 vacinas foram desperdiçadas nos últimos três anos. O número real, no entanto, tende a ser bem maior, já que o levantamento não inclui os dados das demais 286 cidades catarinenses.
Vacinas descartadas correspondem a quase R$ 9 milhões em investimentos públicos
Nas solicitações enviadas às prefeituras, a NSC TV também pediu os valores financeiros das vacinas descartadas, já que esta é uma informação que consta nos dados dos lotes de imunizantes recebidos pelos municípios. Das dez prefeituras, apenas cinco responderam a solicitação:
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- Blumenau informou que as vacinas da gripe descartadas no município custaram R$ 250.008,67 aos cofres públicos;
- Em Criciúma, as vacinas descartadas tiveram custo de R$ 1.028.053,33;
- Itajaí informou o valor de R$1.749.830,06 desperdiçado com os descartes;
- Em Jaraguá do Sul, as vacinas jogadas fora custaram aos cofres públicos R$ 2.161.694,03;
- Em Florianópolis, município com a maior quantidade de doses descartadas, informou o valor de R$ 3.510.031,61 para as vacinas que se perderam.
Somados, estes valores revelam um desperdício de R$ 8.699.617,70 em investimento público com as vacinas descartadas pelos respectivos municípios nos últimos três anos. Vale lembrar que a compra dos imunizantes é feita, sem exceções, pelo Ministério da Saúde.
Uso de frascos monodoses pode ajudar municípios a reduzirem desperdícios
Dentre os motivos citados pelos municípios para os descartes, uma questão técnica se destaca: a dificuldade em lidar com os frascos multidoses. Fabricantes de vacinas costumam colocar mais de uma dose do imunizante dentro do mesmo frasco. A medida visa facilitar a logística de transporte das vacinas, que geralmente são comercializadas em grandes quantidades, e acaba reduzindo o custo das doses.
Estes frascos, porém, costumam ter prazos de validade curtíssimos quando abertos para a aplicação da primeira dose. A explicação da Prefeitura de Joinville ajuda a contextualizar.
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Sobre o descarte de vacinas da Covid-19, o município disse que “após o descongelamento, o imunizante deve ser aplicado ou descartado, não pode ser reutilizado ou congelado de volta.” A prefeitura disse, ainda, que “os frascos são multidose, então quando abertos, todas as doses devem ser utilizadas. Se apenas uma pessoa é vacinada, o frasco todo deve ser desprezado”.
A Prefeitura de Jaraguá do Sul também destacou que “algumas vacinas têm validade de até 6 horas após abertas” e “o não comparecimento do número esperado de pessoas para vacinação com frascos já abertos, pode resultar em perdas.”
Os municípios de Blumenau, Chapecó e Itajaí também citaram este motivo como justificativa para parte dos descartes.
Para Alexandra Boing, epidemiologista e doutora em Saúde Coletiva, o Estado poderia solicitar ao Governo Federal a compra de vacinas em monodoses — ou seja, em frascos únicos; e priorizar a distribuição destes frascos para os municípios menores.
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— Com isso, seria possível facilitar a logística e diminuir o desperdício dos insumos, principalmente em situações de final de expediente, onde sabe-se que dificilmente mais pessoas aparecerão para serem vacinadas. Em vez de abrir um frasco multidose, que vai ter, por exemplo, dez doses; o profissional responsável pode utilizar um frasco monodose. Assim, não se perde a oportunidade de vacinar a pessoa e evita-se o desperdício — explica.
A Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina (Dive/SC) diz que já recebe frascos monodoses do Ministério da Saúde, mas que já sinalizou a intenção de contar com mais vacinas deste tipo.
Baixa adesão e barreiras de vacinação
Outro dos motivos mais citados pelas prefeituras para os descartes é a baixa adesão da população às campanhas de imunização — mais especificamente nos casos das vacinas contra gripe e Covid-19.
A Dive diz que a responsabilidade pelas estratégias de vacinação é compartilhada entre Estado e municípios, e que atua junto às prefeituras em ações de comunicação, incentivando a população a se vacinar.
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— A gente tem trabalhado muito com a capacitação dos municípios, dando todo o apoio técnico. Sobre a campanha de Influenza, por exemplo, este ano a gente alinhou com os municípios um primeiro momento com as vacinas sendo disponibilizadas para os grupos prioritários; e a partir do Dia D abrir para toda população a partir dos seis meses de idade. Continua sendo importante vacinar os grupos prioritários, mas a ideia é que não tenha doses paradas — explica o diretor de Vigilância Epidemiológica de SC, João
Augusto Fuck.
Para a epidemiologista Alexandra Boing, melhorar este cenário passa por combater as dificuldades de acesso que existem entre a população e as vacinas.
— As salas de vacinação precisam de horários flexíveis, estendidos e alternativos, inclusive no final de semana. Além da busca ativa, precisamos de uma escuta ativa da população, para entendermos quais são estas barreiras de acesso e o que a gente precisa melhorar no serviço para que as pessoas cheguem ao serviço e se vacinem — afirma.
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