Por trás de cada diagnóstico, há duas histórias que se cruzam, a de quem recebe a notícia e a de quem precisa comunicá-la. No livro Duas Versões da Mesma História, o médico mastologista Dr. Fernando Vecchi Martins e sua paciente Giane Borrelli decidiram registrar esse encontro de perspectivas trazendo um relato sobre coragem, empatia e o encontro entre ciência e sensibilidade no enfrentamento do câncer de mama.
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O resultado é uma narrativa de duplo olhar, com pontos de vistas que se encontram mas também divergem. De um lado, a voz de Giane revela o medo do desconhecido, as dúvidas sobre o futuro e o impacto do diagnóstico sobre sua identidade. Do outro, Dr. Fernando reflete sobre a responsabilidade de conduzir o tratamento e a importância de enxergar o ser humano além do corpo doente.
O Dr. Fernando começa lembrando, rindo, do capítulo sobre autoestima e cuidados durante a quimioterapia. — Eu descrevo a importância da touca de resfriamento, que ajuda a evitar a queda de cabelo. Já a Giane começa o capítulo dizendo, entre outras palavras, que a touca é uma bosta. Ela achava horrível, e para ela o cabelo voltava, que o câncer era muito mais que isso. Essa divergência mostra o quanto a experiência médica e a vivência pessoal são diferentes e complementares —, diz Fernando.
A ideia do livro, conta o Dr. Fernando, nasceu dentro do consultório e cresceu em meio às conversas com outras pacientes e colegas de profissão. — Quando eu me tornei mastologista, percebi que era ali que estaria o meu destino literário. Via muitos médicos escrevendo sobre pacientes e pacientes contando suas trajetórias, mas nunca as duas versões juntas, e aí veio a ideia de ter as duas versões ao mesmo momento — relembra.
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Encontro entre razão e emoção
No livro, o relato do especialista mostra o quanto a prática médica vai além da técnica. Ele fala sobre as palavras escolhidas na hora de comunicar o diagnóstico, sobre os silêncios que se impõem nas consultas e sobre o quanto o olhar clínico também é atravessado por emoções.
— O câncer não atinge apenas o corpo. Ele mexe com sonhos, família e identidade. Mais do que um livro sobre medicina, é uma obra sobre empatia, sobre entender o que significa estar em cada lado dessa jornada — diz o médico, que atua há anos em Santa Catarina com foco na prevenção e tratamento do câncer de mama.
Para Giane, o livro foi uma forma de criar uma identificação genuína com quem enfrenta o câncer, mostrando a realidade da jornada, com medos, dores, desafios, mas também pequenas vitórias e momentos de alegria, assim como é um convite a refletir sobre o autoconhecimento e a vida.
— Eu coloquei no papel o que realmente aconteceu, como vivi e o que foi preciso para não afundar e me levantar. Não foi fácil, mas quando eu consegui realmente me abrir para a escrita tudo fluiu, eu consegui baixar todo aquele escudo, aquela armadura que criei para enfrentar a doença e me abrir —
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O livro busca aproximar a prática clínica do afeto. Para o mastologista, é impossível tratar o câncer sem empatia. — O dia que eu sair de casa e eu não me envolver com as situações enfrentadas no meu consultório, eu posso ficar em casa e parar de trabalhar. Precisa e deve ser inerente ao exercício da medicina nós termos o sentimento de compaixão — defende.
— Temos que manter o equilíbrio, porque nós somos a fonte de informações e o porto seguro para a paciente resolver o problema dela. Eu falo para as minhas pacientes ‘eu lamento demais o teu diagnóstico, não queria que você estivesse atravessando um diagnóstico de câncer de mama, mas eu vou fazer de tudo para você se livrar desse problema — pontua o mastologista.
— O câncer, querendo ou não, traz a eminência da morte, quando você recebe o diagnóstico está encarando a morte, você não sabe se vai superar o tratamento, se vai superar a doença. Por mais fé que tenha, talvez no final nada dê certo. Mas o câncer te traz a chance de você se redescobrir, de viver de novo, de ponderar certas coisas na vida, traz a chance de dizer: ‘vou me dedicar ao tratamento e a mim um pouquinho — destaca a advogada.
O livro
Lançado em meio às campanhas do Outubro Rosa, o projeto também reforça a importância do diagnóstico precoce e do olhar integral para a saúde da mulher. Entre 2015 e 2023, Santa Catarina foi o sexto estado do país com maior proporção de diagnósticos precoces de câncer de mama, com 64,2% das mulheres identificadas ainda nos estágios iniciais da doença, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) divulgados no Panorama da Atenção ao Câncer de Mama no SUS, em junho deste ano. Para 2025, a previsão é de que mais de 3,8 mil novos casos sejam detectados em território catarinense.
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— O câncer de mama hoje é praticamente uma nova doença, graças aos avanços da medicina. Não é uma sentença de morte. É um desafio, uma travessia e há vida depois disso—, explica o médico, que aponta quatro pilares para o enfrentamento da doença: aceitar o diagnóstico, contar com uma rede de apoio de familiares e amigos que ofereçam acolhimento, manter a fé ou espiritualidade de cada um, e confiar no tratamento e no profissional que acompanha o caso.
Giane aproveita para alertr para os perigos do que chama de “comercial de margarina” quando o paciente compara o próprio tratamento com o de outras pessoas que parecem enfrentar a doença sem dificuldades ou já retomando atividades intensas, como treinos pesados.
— Você não deve se comparar o tratamento com o outro, porque cada tratamento ele é único, e tem reações diferentes e isso acaba sendo uma grande armadilha, porque podemos acabar menosprezando a dor que a gente tá sentindo e isso ser um retrocesso no tratamento — aconselha.
Giane quer que as leitoras encontrem no livro uma mensagem de força e determinação. — Existe vida mesmo durante o tratamento e você não pode deixar que esse diagnóstico te arraste para o fundo do poço, você tem que mostrar que é você que manda e que você que vai determinar como você vai passar por aquilo — finaliza
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