Comuns, mas cada vez mais atrelados a desastres. Essa foi uma das conclusões que um estudo chegou sobre os ciclones extratropicais e frentes frias. O levantamento, divulgado durante a 30ª Conferência das Partes (COP) no mês passado, traz números que confirmam a sensação de quem mora em Santa Catarina.

Continua depois da publicidade

O documento revela que o número de desastres climáticos relacionados aos dois fenômenos está 19 vezes maior — o equivalente a 1.800% a mais — em comparação à década de 1990. Desde o começo dos anos 90 até o ano passado, 407 desastres relacionados a frentes frias, ciclones e ondas de frio foram registrados no Brasil, fazendo a média anual saltar de 2,3 registros para 44 nos últimos tempos.

Entre os Estados mais afetados está Santa Catarina. Ainda conforme a pesquisa da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica em parceria com outras instituições, as regiões Sul e Centro-Oeste concentram 74% das ocorrências, com destaque para o aumento expressivo de eventos extremos no interior do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O estudo identificou 232 municípios brasileiros atingidos por desastres devido a ciclones, frentes frias e ondas de frio, sendo que 70% estão localizados no interior e 30% na zona costeira. Enquanto o interior sofre majoritariamente com ondas de frio (83%), os municípios litorâneos são impactados principalmente por ciclones (93%).

Quando se associa o desastre ao fenômeno, fica claro que as ondas de frio representam 54% dos casos (218 registros), ciclones em segundo lugar (38%, 156 registros) e frentes frias em terceiro (8%, 33 registros). Embora menos frequentes, as frentes frias são responsáveis por desencadear boa parte dos episódios de chuvas intensas e extremos climáticos no país.

Continua depois da publicidade

Nesta semana, Santa Catarina espera a passagem de um ciclone extratropical que deixará o tempo instável em todos os municípios. O risco é alto para alagamentos e enxurradas, o que deixa o Estado mais uma vez alerta para fenômenos relacionados a chuvas intensas.

Por que os desastres estão mais frequentes?

De acordo com o estudo, o aquecimento global está ampliando a intensidade de frentes frias, ciclones e ondas de frio no Brasil.

— A superfície do mar mais quente (em um estado que chamamos de oceano febril) libera mais calor e umidade, alimentando e intensificando esses sistemas e provocando ventos e chuvas cada vez mais fortes — explica Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Unifesp e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Para o pesquisador, a adaptação climática é urgente, uma vez que os municípios vão enfrentar cada vez mais situações extremas e precisarão de apoio e financiamento climático para ações imediatas de prevenção e recuperação.

Continua depois da publicidade

O estudo também apresenta caminhos para fortalecer a adaptação e a prevenção aos desastres. Nas cidades costeiras, o uso de Soluções Baseadas na Natureza — como a restauração de manguezais, dunas, restingas e recifes — pode reduzir os impactos de ondas, ventos e ressacas, além de proteger a biodiversidade e oferecer benefícios como alimento, turismo e pesca.

Já nas regiões do interior, o foco deve ser o fortalecimento da agricultura sustentável e da segurança alimentar. A adoção de práticas como sistemas agroflorestais, plantio direto, rotação de culturas e o manejo eficiente da água é fundamental para aumentar a resiliência climática e produtiva das comunidades rurais.

Prejuízos

Nesse período, o setor público acumula cerca de R$ 200 milhões em perdas, concentradas principalmente nos setores de energia, transporte e distribuição, que têm sido fortemente impactados pelos ciclones. Já o setor privado registra R$ 2,5 bilhões em prejuízos, resultado sobretudo das ondas de frio, que afetam diretamente a agricultura e o comércio. Entre os bens danificados, habitações correspondem a 52% dos casos, enquanto obras de infraestrutura representam 46% do total de danos registrados.

Desde 1991, os desastres analisados impactaram 1,2 milhão de pessoas no Brasil, com crescimento de 206% em relação à década anterior e quase 40 vezes mais que nos anos 1990. Entre os registros diretos, há 27,6 mil desalojados e desabrigados, 2,2 mil feridos ou enfermos e oito mortes.

Continua depois da publicidade

Os fenômenos

Um ciclone extratropical é um sistema de baixa pressão atmosférica que se forma em latitudes médias, fora da região tropical, geralmente associado à presença de uma frente fria e ao contraste entre massas de ar quente e frio. Esse tipo de ciclone provoca mudanças bruscas no tempo, com ventos fortes, chuvas intensas e queda de temperatura. Em casos extremos, podem evoluir para uma “ciclogênese explosiva”, popularmente chamada de ciclone-bomba.

A frente fria é a faixa de transição entre uma massa de ar frio e uma massa de ar quente. Quando o ar frio avança, empurrando o ar quente, ocorre instabilidade atmosférica, que costuma trazer chuvas, ventos e queda de temperatura. Elas estão associadas aos ciclones justamente porque eles “organizam” as frentes (fria e quente) e a frente fria é uma parte do sistema.

Já a onda de frio é caracterizada por uma massa de ar polar muito intensa e persistente, que provoca declínio acentuado das temperaturas por vários dias consecutivos. Esse fenômeno pode causar geadas, neve nas serras do Sul e impactos na agricultura. Para ser considerada uma onda de frio, a queda de temperatura deve ser significativa e durar pelo menos três dias, afetando uma ampla região, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia. No Brasil, as ondas de frio costumam ocorrer entre maio e agosto, mas podem aparecer em outras épocas do ano.