O povo kaingang se despede de uma das mulheres símbolo de sua luta e resistência. Na manhã desta segunda-feira (4), ancestralizou Maria Celestina Rodrigues, 96 anos. Conhecida como “Mãe Veia”, a anciã e líder espiritual foi uma das entrevistadas na série de reportagens Originários SC, em 2022, pela NSC.

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Ela morava no território Toldo Chimbangue, em Chapecó, onde criava galinhas, tinha uma pequena roça e fumava cigarros feitos com fumo de corda e palha de milho. Plantava milho, batata doce e aipim. A vida de Mãe Veia está ligada aos tempos de expulsão por colonizadores e retomada do Toldo, na década de 1980. Foi mãe de oito filhos, alguns dos quais se tornaram caciques, além de acolher outros que precisavam de apoio. Ganhou, então, o apelido Mãe Veia.

Para a anciã Kaingang, apesar de tantos sacrifícios, “valeu a pena, pois ganhamos essa história”

Maria Celestina é símbolo do protagonismo feminino entre os povos originários no sul do Brasil: esteve ao lado de Ana Fēn’Nó, nome histórico para o movimento indígena, no processo da retomada do território tradicional. A demarcação da Terra Indígena (TI) Toldo Chimbangue, em 1985, deu fim a décadas de invasões de colonos e ditou o ritmo das demarcações no Brasil pós-ditadura. A TI foi o primeiro território então inteiramente ocupado por não indígenas a ser considerado originário. O Chimbangue mudou as regras do jogo em favor dos povos indígenas, traçando novos parâmetros para estudos antropológicos que demarcaram outros territórios no país. Quando recebeu nossa equipe em sua casa, ao redor do fogão a lenha e fumando o palheiro, respondeu ao ser perguntada sobre a vida com dificuldades que enfrentou ao longo dos anos:

— Fomos até Brasília. Ficamos 13 dias lá, acampados. Valeu a pena ter ido, ter lutado, ter passado tanto sacrifício com as outras mulheres. Ganhamos essa história — contou à reportagem Originários SC.

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Veja fotos da anciã

Presença serena e amorosa num momento difícil, o da luta pela terra

Maria Celestina morreu no hospital. O corpo foi velado na igreja católica da comunidade e sepultado na manhã desta terça-feira, no cemitério do Toldo do Chimbangue. Em nota, o Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, manifestou seu pesar pela morte. Destacou a presença serena e amorosa na luta pela terra, onde a Kaingang semeou os valores da justiça e da solidariedade. O texto diz que “Topé – Deus – agora a recebe de braços abertos e a acolhe com o mesmo amor que ela dedicou aos seus filhos e aqueles de outras famílias que tomou como seus”, encerra a nota.

O CIMI Sul, no ano de 2023, através do projeto de comunicação popular e independente chamado “A Fronte Jornalismo das Gentes”, dedicou uma homenagem a Maria Celestina no vídeo “Anciãos/as – Vidas em luta”.

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