As mortes em domicílio por doenças que não são classificadas como Covid tiveram um salto durante a pandemia. Câncer, doenças cardiovasculares e causas mal definidas foram as principais patologias que influenciaram no crescimento dos números absolutos.

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Em 2020, foram 319.319 óbitos para todas as causas de mortes domiciliares, o que representa um aumento de 20,7% em relação ao ano de 2019, com 264.628 óbitos registrados.

Já em 2021, foi observado um aumento de 18% em relação a 2019. As mortes domiciliares por Covid não fazem parte desse quantitativo. A base de dados 2021 foi liberada em março e ainda deve sofrer revisão, podendo aumentar o quantitativo.

O levantamento exclusivo foi realizado com dados do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) pela Vital Strategies, organização global composta por especialistas e pesquisadores com atuação junto a governos, a pedido da Folha de S.Paulo.

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Fátima Marinho, médica epidemiologista e especialista sênior da Vital Strategies, disse que chama a atenção que os picos de mortes domiciliares aconteceram um pouco depois dos picos de Covid-19.

“Nesses períodos houve sobrecarga do sistema de saúde e diminuição da cobertura da atenção primária. Muitas pessoas tentaram ir ao hospital e não conseguiram atendimento por conta da sobrecarga, outras nem tentaram”, disse.

Os dados apontam, por exemplo, um crescimento de mortes por câncer em ambientes domiciliares e uma redução em ambientes hospitalares. Foram 42.460 óbitos em casa em 2020 contra 34.101 em 2019, crescimento de 24,51%. Em 2021, foram 39.843 mortes em domicílio.

Os estados do Amazonas, Roraima, Piauí, Alagoas e Sergipe apresentaram maiores proporções de aumento de óbitos domiciliares por doenças não classificadas como Covid.

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Marinho disse que muitos procedimentos foram cancelados e adiados, o que pode ter agravado a situação e levado pacientes a morrerem em casa. Com o adiamento de procedimentos cirúrgicos alguns tumores oncológicos deixam de ser operáveis, por exemplo, reduzindo a expectativa de vida do paciente.

A médica avalia que, em casos de câncer mais avançados, acontece de o paciente ir para casa e ter tratamentos paliativos. Durante a pandemia esse tipo de procedimento pode ter aumentado entre os casos que normalmente seriam tratados com internação hospitalar.

A aposentada Rosemari Vieira Rodrigues, 68, perdeu a filha Jessica Hellen Rodrigues, 28, em decorrência de um câncer de fígado em setembro de 2020. A jovem faleceu em sua residência em Cascavel, Paraná, após lutar por quatro anos e meio contra a doença.

Rosemari conta que o tratamento da filha foi dificultado na pandemia e chegou a ser adiado algumas vezes pela dificuldade de ônibus, superlotação do hospital, medo de ir ao local e se infectar com coronavírus. Além de tudo, houve dificuldade financeira que piorou com a falta de trabalho.

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A família buscou atendimento em casa quando a jovem começou a passar mal, mas ele demorou quase uma hora para chegar -nesse tempo, ela morreu.

“Foi um período muito difícil, não tinha muito recurso. Ela poderia ter ido mais vezes ao hospital, mas tinha que pegar duas lotações para chegar lá, estávamos com medo de pegar a doença [Covid] e quadro foi só piorando”, disse.

O Ministério da Saúde foi procurado, mas não respondeu até o encerramento do texto.
Diego Xavier, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, afirma que os estados que apresentaram maior número de mortes domiciliares são os que entraram em colapso no sistema de saúde.

“Muitas pessoas durante a pandemia recorriam ao hospital, encontravam a unidade lotada e acabavam indo para casa sem atendimento e falecendo em casa. A partir do momento em que há o colapso do sistema de saúde, as pessoas, independentemente da doença, não podem ser atendidas adequadamente e acabam morrendo”, disse.

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Marinho acrescenta que hospitais e prontos socorros superlotados causaram também aumento das mortes cardíacas em domicílio.

Além disso, parte dessas mortes em casa podem ter acontecido devido a casos de Covid que não foram identificados, e que acabaram registrados como por causa mal definida.

Em 2020, no início da pandemia no Brasil, havia poucos testes de diagnóstico para Covid-19, o que contribuiu para o aumento das mortes por causa mal definida no domicílio e nos hospitais, crescimento que persistiu no ano seguinte.

O grupo de doenças que envolve transtornos mentais e comportamentais, apesar de ter um número de óbitos menor que outros grupos, também apresentou um grande aumento nos óbitos domiciliares durante a pandemia.

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Chama a atenção que os óbitos domiciliares foram maiores que nos hospitais de abril de 2020 a julho de 2021. Neste grupo estão incluídas doenças como depressão, transtornos mentais e comportamentais devido ao uso do álcool.

Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, que têm como principal causa a diabetes, tiveram aumento das mortes em domicílios a partir de abril de 2020.
Pacientes com consultas adiadas e exames cancelados podem ter tido a diabetes agravada por falta de intervenção oportuna.

“É uma morte evitável, poderia muitas vezes ter sido hospitalizado se houvesse vaga. Essas pessoas por algum motivo deixaram de fazer exames, consultas foram adiadas”, disse Marinho.

Xavier acrescenta que é provável que as mortes em residência reduzam com o controle da pandemia. No entanto, ainda deve ocorrer um número alto de mortes por câncer e outras doenças porque o diagnóstico da doença também foi comprometido com a pandemia.

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