Em seis anos, 2.603 crianças e adolescentes de até 18 anos foram adotadas em Santa Catarina, de acordo com dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Deste número, 37% foram crianças de até dois anos de idade — cerca de 981 pessoas. Para acolher e apoiar pais e mães que procuram por maneiras de enfrentar os desafios da adoção, mesmo após o processo já ter sido concluído, um projeto da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), batizado de Refletindo Adoção, promove encontros reflexivos.

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Atualmente, são 263 crianças disponíveis para adoção no Estado, sendo a maioria meninos maiores de 16 anos, para 2.695 pretendentes. Andreia Giacomozzi, pós-doutora em Psicologia Social e coordenadora do projeto, conta que a iniciativa foi criada quando ela percebeu que o momento da construção dos vínculos entre pais e mães e as crianças era muito delicado, principalmente pela falta de suporte nessa nova fase.

Ela lembra que a adoção envolve toda uma adaptação na vida da criança que, muitas vezes, já passou por uma série de negligências e carrega uma bagagem dolorida nas costas, necessitando de apoio psicológico para conseguir lidar com os desafios da nova realidade.

Giazomozzi trabalhava, anteriormente, como psicóloga no Poder Judiciário e viu como a falta de preparo dos pais para entender que “não basta apenas amor” muitas vezes trazia como consequência a devolução das crianças adotadas. Dessa forma, em 2019, cerca de cinco anos depois de ter ingressado como professora na UFSC, ela decidiu criar um projeto que busca justamente mostrar que é preciso paciência, persistência, envolvimento, tempo, dedicação e investimento parental.

O grupo é voltado para pessoas que já passaram pelo processo de adoção e estão em estágio de convivência, guarda provisória ou definitiva de seus filhos e filhas. Nos encontros, que acontecem quinzenalmente, se discute sobre os principais desafios, tabus e preconceitos.

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Neste mês, os encontros iniciaram no dia 28 de agosto, mas ainda é possível realizar a inscrição. No formulário, basta responder questões como nome completo, cidade em que reside, e a descrição de como está sendo o processo de adoção.

Há diversos tipos de pessoas que procuram o projeto. Alguns já estão habilitados para o processo de adoção, passaram pelo processo de avaliação e, agora, estão aguardando a criança. Entretanto, em geral, são casais, na maioria dos casos, heterossexuais, com boas condições socioeconômicas.

— Nós avaliamos possíveis dificuldades, os possíveis desafios que eles vão enfrentar para ajudá-los nessa preparação, para que a idealização seja a menor possível. Nós percebemos muito essa romantização, que vai ser tudo lindo, que o amor é suficiente para tudo, e nós percebemos que esse é um dos fatores que fazem com que as pessoas devolvam as crianças quando elas batem de cara na realidade — afirma.

A coordenadora afirma que a maioria dos casos em que houve a devolução das crianças adotadas, os pais estavam sem rede apoio, sem poder contar com profissionais especializados, como psicólogos, ou até mesmo pessoas do convívios comum, como a família e amigos, que podem auxiliar nos momentos mais desafiadores.

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— A criança traz uma história que não é bonita, é uma história com vivências de violências, negligências… E tudo isso vem para essa nova constituição familiar. Então, as pessoas precisam estar preparadas para saber lidar com isso quando essas coisas aparecerem — disse.

Para além do adotante, quem é adotado também precisa de auxílio

Alexandre Luchesse sempre soube que havia sido adotado em seu primeiro dia de vida, mas a adoção nunca tinha tido um impacto grande em sua vida. Era como se fosse somente mais um detalhe. Porém, quando começou a se aproximar dos 30 anos, Alexandre, que hoje tem 43 anos, resolveu revisitar a história dele e precisou de forças para lidar com uma sensação de solidão na busca por informações sobre sua vida.

Ele sentia que havia questões em aberto, como sensações, sentimentos e afetos. Percebeu, durante sua pesquisa, que cada pessoa que passou pelo processo de adoção tem uma forma de lidar com essa informação.

— Gostaria que as pessoas entendessem que existe uma identidade adotiva com a qual os adotivos precisam lidar, que significa podermos questionar a respeito do que significa a adoção na nossa vida. Isso pode gerar uma busca por família biológica ou não. As pessoas encontram suas próprias maneiras de se questionar e de responder suas perguntas — diz Alexandre.

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No caso dele, Alexandre encontrou sua família biológica no meio desse processo, o que deu origem ao livro “Vida de Adotivo”, onde ele busca outras histórias de adoção, além de contar a sua própria vida, de como é a experiência de ser um filho adotivo no Brasil.

Para ele, revisitar a própria trajetória foi desgastante, em um processo que exigiu “concentração, dedicação e apoio”.

— Tinha ressentimentos, mágoas, questões que estavam em aberto, e eu precisava olhar para elas com mais atenção e cuidado. Ao mesmo tempo, eu precisava acessar pessoas que pudessem me responder essas perguntas, pessoas relacionadas à minha família biológica. E elas não estavam preparadas e nem esperavam para isso — lembra.

Nada foi fácil para ele nessa busca. Alexandre lembra que procurou por muito tempo o contato da mãe biológica e, quando conseguiu, passou meses sem conseguir ligar para ela. Além da ansiedade envolvida no processo, ele também conta que sempre teve que lidar com pressões da sociedade, que o acompanharam durante toda a vida. Como, por exemplo, a sensação de que “adoção é caridade”.

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— Você é filho como qualquer outro filho. Você também deve ter a oportunidade também de errar, de se questionar, como qualquer outro filho — afirma Alexandre.

Ele concorda que só o amor não é suficiente para sustentar uma relação de adoção, mas que é necessário buscar informações e ter rede de apoio para ter um espaço de escuta e presença. Para os pais, o escritor os aconselha que leiam e se informem o máximo possível sobre adoção, estando perto de pessoas que vivenciam a experiência, seja como pais ou como filhos adotivos, além do contato com profissionais da área.

— Estarmos perto de outras pessoas que também vivenciam situações parecidas é uma maneira de nos fortalecermos e validarmos os nossos sentimentos, vendo que os outros também vivem coisas parecidas. É encorajar uns aos outros para superar momentos difíceis de questionamento — aponta.

Veja fotos de Alexandre

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