Lançado esta semana pela editora FGV, o livro ‘O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo’, conta a história do movimento que foi o “fascismo à moda brasileira” dos anos 1930 e mostra como os ideais seguem vivos atualmente e presentes, inclusive, no governo federal.
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Em entrevista exclusiva à reportagem do DC, os historiadores Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, autores da obra, falam sobre a forte presença do integralismo em Santa Catarina e da aproximação do movimento hoje em dia com grupos neonazistas e neofascistas.
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Confira a conversa na íntegra:
DC: Os registros históricos apontam que o integralismo encontrou, logo após a sua criação, um grande espaço na política em Santa Catarina, especialmente nas regiões de colonização germânica e italiana. Qual foi a importância e o tamanho de SC e do Sul do Brasil no movimento integralista?
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Leandro Pereira Gonçalves: O integralismo foi forte no Brasil inteiro, nos anos 1930 especialmente, em todos os estados houve uma presença significativa de militantes do integralismo, os chamados Camisas-verdes. Em Santa Catarina em particular, em todo o Sul do Brasil, mas principalmente SC e RS, a presença dos integralistas foi muito significativa. Santa Catarina recebeu o terceiro maior número de adeptos militantes do país. O integralismo em SC foi muito forte, claro que ele tem uma relação com a colonização alemã e italiana, mas não apenas isso. O movimento foi nacionalista, de base anticomunista, antiliberal, antijudaica, antimaçonica. Esse discurso não está apenas restrito a colonização alemã e italiana, mas é claro que no caso de Santa Catarina, o fato de ter um processo de colonização forte, principalmente no Vale do Itajaí e no Norte de SC, o integralismo acabou se colocando como uma alternativa política.
O integralismo é fundado em outubro 1932 em São Paulo, e em Santa Catarina a força do integralismo é mais significativa em 1934, quando ele já tem uma amplitude por todo o território nacional e várias cidades de SC tiveram a presença do movimento. A principal é Blumenau, mas não apenas. Blumenau, Joinville, Jaraguá do Sul, Brusque. O integralismo começou a ser organizado em Santa Catarina em Itajaí, era a base original do movimento no Estado. Nos anos 1930 existiam 43 municípios em SC, e 39 tinham uma sede do núcleo integralista. Ou seja, a presença era realmente muito ampla. E os militantes do integralismo em SC eram os típicos integralistas de qualquer outra região do Brasil: profissionais liberais, funcionário públicos, militares, grupos que vinham de famílias aristocráticas, pequenos comerciantes. Uma classe média, também com pequenos proprietários rurais.
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Existem alguns episódios que colocam o integralismo em Santa Catarina em destaque, e o principal, que inclusive a gente coloca no livro, foi um evento muito importante que aconteceu em outubro de 1935, é chamado de o “Primeiro Congresso Integralista das Províncias Meridionais”, que foi realizado em Blumenau. É considerado até hoje uma das principais concentrações de Camisas-verdes no mesmo local. Existe uma contabilidade de que cerca de 40 mil integralistas participaram desse congresso.
Santa Catarina recebeu o terceiro maior número de adeptos militantes do país. O integralismo em SC foi muito forte.
– É possível traçar um paralelo com os anos 1930 e enxergar resquícios dos ideais integralistas até hoje? Como o livro aborda essa presença contemporânea dos Camisas-verdes?
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Leandro: Esse é um dos pontos centrais do nosso livro. Um dos fatos que motivou a gente a escrever foi justamente essa necessidade de ter uma análise mais precisa em relação à história da direita e a história do fascismo no Brasil. E principalmente verificar de que forma essa história do fascismo brasileiro, através do integralismo, contribui para reflexões do presente, da política atual. Temos grupos que hoje defendem uma política antidemocrática, nacionalista extrema, pautada em aspectos da violência, só que ao mesmo tempo a gente observa o resquício através de simbologias. Uma das expressões do integralismo nos anos 1930 era o lema “Deus, pátria e família”. Hoje ele é reapropriado, usado por diversos grupos políticos, organizações de cunho mais radical. É só lembrar do exemplo claro do partido que está sendo criado, Aliança Pelo Brasil, que tem como uma de suas expressões o “Deus, pátria, família”, fazendo essa relação com o passado nacionalista autoritário do Brasil.
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– No Brasil, de que forma os ideais integralistas dos anos 1930 coincidem nos dias de hoje com expressões neofascistas e até neonazistas?
Leandro: O integralismo brasileiro foi um movimento criado em outubro de 1932, através de um intelectual paulista chamado Plínio Salgado, que era um homem cristão, que utilizava determinados ideais da doutrina da igreja para desenvolver sua prática política. Um ponto chave é o início do nosso livro, nós começamos falando justamente do encontro de Mussolini com Plínio Salgado. Ele viaja pra Europa em 1930 e é recebido por Mussolini, nesse encontro ele passa a ter a sedução com o fascismo, ele passa a admirar ainda mais a proposta política da cultura italiana naquele momento. A partir desse contato com a política italiana o Plínio busca transpor para o Brasil uma prática política semelhante.
Com o tempo o movimento foi se reorganizando, mas em 1975 tem um rompimento com a morte do Plínio Salgado. Com a morte dele a gente passa a ter o que a gente chama de neointegralismo, e muitos desses grupos que surgiram depois tinham relações com o neofascismo e até mesmo o neonazismo. Nos anos 1980 a relação dos neointegralistas era muito forte com os skinheads, eles dialogavam em torno de um projeto comum. Hoje existem grupos neointegralistas mais teóricos, outros mais radicais que vão para as ruas. O episódio mais claro é o ataque à produtora Porta dos Fundos, feito por um grupo neointegralista com coquetéis molotov, um ato de violência.
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Odilon Caldeira Neto: O integralismo dos anos 1930 ele tem um grande componente de contribuição para uma cultura política autoritária brasileira. As ideias integralistas não se restringem exclusivamente aos integralistas, então não é de se espantar que alguns lemas, discursos, ideias, estejam além do próprio campo integralista na atualidade. Então o discurso autoritário, conservador, moralista, conspiracionista, anticomunista, em algumas instâncias antissemitas, fornecem elementos de interação com o neofascismo, com o neonazismo, com outras correntes da extrema direita brasileira.
– No ano passado, uma pesquisadora da Unicamp mapeou células neonazistas na internet e encontrou ao menos 69 grupos em Santa Catarina, sendo ao menos dois autointitulados como células da KKK. Como os autores enxergam essa retomada, às vezes com nova roupagem, desses ideais?
Odilon: Quando a gente vai entender o impacto da história do integralismo na história política brasileira, a gente não está falando apenas de intelectuais, lideranças e militâncias, mas de ideias políticas. Essas ideias são criadas ali na primeira metade do século 20 mas elas têm uma vida útil mais longa que as próprias organizações integralistas.Não é de se espantar que muitas dessas ideias são retomadas. Afinal essas ideias estão presentes desde a década de 1930, há momentos em que elas são basicamente esquecidas, e há momentos em que há uma maior reivindicação. O panorama político brasileiro dos últimos anos passou por um elemento de radicalização política, que possibilitou a organização de diversos grupos de extrema-direita e diversos grupos integralistas. Por mais que essas ideias estivessem vivas desde 1932, elas necessitam e necessitam de um panorama, um contexto mais propício à divulgação. São ideias que estavam adormecidas, mas em um momento de radicalização da política brasileira, isso possibilita a inserção.
O panorama político brasileiro dos últimos anos passou por um elemento de radicalização política, que possibilitou a organização de diversos grupos de extrema-direita e diversos grupos integralistas.
– Neste cenário de crescimento da extrema-direita, alt right nos EUA, e movimento neofascistas, há espaço no Brasil para um novo crescimento do integralismo?
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Odilon: O contexto do neofascismo no Brasil nunca esteve tão forte, tão ativo e tão diversificado tal qual nos últimos anos. Desde a transição democrática até a atualidade, a gente veio por um processo de inserção de novas ideias, de novos grupos, novas práticas, justamente porque não é apenas o neointegralismo que está agitando o campo do neofascismo brasileiro. A gente tem diversas ideias, diversas tendências, sejam elas europeias ou norte-americanas. Mais do que ideias, a gente tem modelos de grupelhos de organizações neofascistas. Na atualidade a gente vê esse processo de uma maior intensificação desses movimentos neofascistas, uma maior diversificação da natureza política desses grupos, e por isso mesmo eles têm um maior impacto social. Ao invés de ser apenas um grupo, são vários. Eles não concordam necessariamente entre si, mas vão propondo narrativas que têm ideias diferentes, mas tem um quorum ideológico comum. Esse é o estado do neofascismo brasileiro atualmente: mais diversificado, mais radicalizado, tentando impor algumas agendas inclusive no governo federal, e por isso mesmo mais presente e mais atuante.
O contexto do neofascismo no Brasil nunca esteve tão forte, tão ativo e tão diversificado.
– Entre as organizações neointegralistas mapeadas, como a FIB (Frente Integralista Brasileira) e a Accale (Associação Cívico Cultural Arcy Lopes Estrella), é possível notar uma expansão em vários estados brasileiros ou o movimento ainda é muito focado no Sudeste?
Odilon: A presença deles é relativamente majoritária no Sul e no Sudeste, mas isso não quer dizer que eles não estejam presentes em outros estados do Brasil. Esses grupos se fomentam, se radicalizam e conseguem impulsionar sua dimensão pela internet também. Eles conseguem ter contato com militantes neofascistas internacionais e neointegralistas de todo o país. Como a AIB (Ação Integralista Brasileira) utilizou a imprensa nos anos 1930 para divulgar seus ideias e formar novos militantes, a internet é usada de maneira bastante similar hoje em dia pelos movimentos neointegralistas.