A história do fim do naturismo na Praia do Pinho, em Balneário Camboriú, ganhou um novo capítulo após uma decisão da Justiça de Santa Catarina. O juiz Marcelo Neves concedeu parcialmente um pedido de habeas corpus coletivo apresentado pela Federação Brasileira de Naturismo (FBrN). Por ora, os praticantes de nudismo que estiverem apenas na faixa de areia da praia não podem ser presos ou processados por crime de ato obsceno. O magistrado argumentou que, devido ao histórico de mais de 40 anos da Praia do Pinho como espaço naturista, a simples nudez ali não configura automaticamente obscenidade.
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O juiz, porém, também reforçou que a prefeitura tem o poder de proibir a prática e pode tomar atitudes administrativas sobre o assunto (como com multas, por exemplo), validando o decreto publicado neste mês. O governo municipal vai recorrer e pretende continuar as abordagens no local, assim como a Polícia Militar.
Em resumo:
- A liminar protege os naturistas de prisão ou acusação criminal por ato obsceno apenas por estarem nus na faixa de areia da Praia do Pinho (devido ao contexto histórico e cultural do local).
- A proibição municipal, porém, continua em vigor: a prefeitura pode aplicar sanções administrativas (como multas ou orientações para vestir roupa) e desestimular a prática de outras formas legais.
- A proteção não vale fora da faixa de areia, como em trilhas, campings, restaurantes, banheiros ou ruas próximas.
Apesar de contraditório, o que o juiz Marcelo Neves quis dizer é a prefeitura pode até proibir, mas a nudez no Pinho não pode ser considerada ato obsceno e, portanto, os banhistas não devem ser autuados criminalmente por isso. Na semana passada, um homem abordado por policiais teve de assinar um Termo Circunstanciado por estar nu na praia.
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“A Praia do Pinho é reconhecida como local destinado à prática do naturismo há mais de quatro décadas, sendo, portanto, um espaço culturalmente consolidado para tal finalidade. Essa circunstância afasta, em princípio, a caracterização da nudez como ato obsceno, pois se trata de conduta socialmente aceita naquele contexto específico, não havendo conotação sexual ou intenção de ultrajar o pudor público”, escreveu o juiz na tarde deste domingo (28).
Apesar da nudez não ser considerada ilegal na faixa de areia, o naturismo continua proibido no Pinho, já que o magistrado considerou que é competência do município decidir sobre o assunto. O governo pode, inclusive, adotar “outras estratégias administrativas ou políticas públicas para desestimular a prática, desde que respeitados os direitos fundamentais e a legalidade, sem imputar aos naturistas a prática de crime inexistente”.
Neves também pediu que a Polícia Militar e a Guarda Municipal enviem até terça-feira (30) as informações sobre as medidas adotadas pelos órgãos de segurança. O Ministério Público deve dar um parecer em até 10 dias. O caso vai chegar a instâncias superiores da Justiça.
O que dizem prefeitura e PM
A prefeitura informou que continuará as abordagens em tom de orientação, pois quer que haja “convivência harmônica entre diferentes públicos”. Também destacou que apesar de não ser crime, o nudismo no local não perde “ilicitude administrativa, tampouco impede a atuação do poder público para ordenar o uso do espaço público conforme sua destinação social predominante”, diz a nota.
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O governo recorrerá da decisão por entender que a análise “realizada em sede de habeas corpus extrapola seus limites constitucionais ao interferir, ainda que indiretamente, na esfera do poder de polícia administrativa municipal”. Leia a nota da prefeitura na íntegra:
A Prefeitura de Balneário Camboriú vem a público esclarecer os termos da decisão judicial proferida em habeas corpus preventivo impetrado pela Federação Brasileira de Naturismo, bem como reafirmar sua atuação responsável na gestão e ordenamento dos espaços públicos.
Inicialmente, é importante destacar que a decisão liminar concedida não reconheceu qualquer direito adquirido ou autorização para a prática do naturismo nas praias do Município. O juízo limitou-se, de forma estrita, a afastar a imputação automática do crime de ato obsceno (art. 233 do Código Penal) exclusivamente pela simples nudez, entendimento que, inclusive, não é pacífico na jurisprudência e será objeto de recurso por parte do Município.
A própria decisão judicial ressalvou expressamente que não impede a adoção, pelo Município, de estratégias administrativas, normativas e de políticas públicas voltadas a desestimular a prática, o que confirma a legitimidade da atuação municipal no ordenamento do uso das praias.
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O Município exerce, nos termos da Constituição Federal, competência para disciplinar o uso de bens de uso comum do povo, como as praias, com fundamento na proteção do interesse público, da ordem urbana, do bem-estar social, da segurança e da convivência harmônica entre diferentes públicos.
As medidas previstas no Decreto n.º 12.909/2025 (em vigência) — orientação, advertência, dispersão e encaminhamento às autoridades competentes, quando cabível — são instrumentos típicos de poder de polícia administrativa, voltados à prevenção de conflitos, à proteção de públicos vulneráveis e à garantia da fruição isonômica dos espaços públicos.
Em especial, o Município tem o dever constitucional e legal de assegurar a proteção integral de crianças e adolescentes, bem como de resguardar famílias, idosos, pessoas com deficiência e demais frequentadores que utilizam a praia como espaço de lazer coletivo.
Ressalta-se que a ausência de tipificação penal automática não significa ausência de ilicitude administrativa, tampouco impede a atuação do Poder Público para ordenar o uso do espaço público conforme sua destinação social predominante.
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A praia é bem público de acesso universal, devendo atender, de forma equilibrada, a toda a coletividade.
Diante disso, o Município informa que recorrerá da decisão, buscando sua reforma, por entender que a análise realizada em sede de habeas corpus extrapola seus limites constitucionais ao interferir, ainda que indiretamente, na esfera do poder de polícia administrativa municipal.
Por fim, o Município reafirma que continuará adotando medidas preventivas, educativas e orientativas, pautadas na legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, com o objetivo de assegurar a convivência harmônica entre diferentes públicos, protegendo toda a comunidade e garantindo que os espaços públicos sejam usufruídos de forma segura, respeitosa e inclusiva por toda a população.
A Polícia Militar reforçou que o nudismo no Pinho está completamente proibido e que, se a pessoa estiver pelada e for caracterizado o ato obsceno, haverá sim prisão.
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Decisão é comemorada
O habeas corpus coletivo que deu origem à decisão de Neves foi impetrado pela Federação Brasileira de Naturismo. Para a presidente da instituição, Paula Silveira, a comunidade que adota a prática sai vitoriosa:
— Esta decisão é uma vitória para a comunidade naturista, para a cultura brasileira e para o turismo de Balneário Camboriú — disse.
A federação destacou que a permissão vale apenas na faixa de areia e que em qualquer outro local, como acesso a rua, restaurante, bar e banheiros localizados na praia é preciso estar vestido. “Quaisquer atos praticados por pessoas não naturistas, que venham a coagir ou constranger naturista, devem ser comunicados às autoridades policiais. Neste caso, orientamos que os atos sejam filmados para que possamos identificar os infratores e providenciar a devida punição”, orientou.
Fim do naturismo no Pinho
O nudismo está proibido na Praia do Pinho, em Balneário Camboriú, desde o dia 19 de dezembro, quando o Plano Diretor deixou de prever o local como destinado à prática. Na mesma data, a prefeitura também publicou um decreto reafirmando a proibição.
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Considerada o berço do nudismo no Brasil por décadas, a Praia do Pinho deu visibilidade nacional a Balneário Camboriú. Em 2006, o Plano Diretor passou a prever a área como voltada ao nudismo. Desde então, outros projetos de lei tentaram proibir a prática, mas isso só era possível na revisão do documento, o que ocorreu recentemente, após quase duas décadas da liberação oficial.
A Praia do Pinho sempre esteve na berlinda devido a queixas de cenas de cunho sexual no local. Os adeptos dizem que isso nunca partiu dos naturistas, que têm regras de comportamento rígidas.
Com a proibição do naturismo nesta segunda quinzena de dezembro, a prefeitura fez uma força-tarefa para limpar os arredores da praia e passou a fiscalizar os desavisados com o auxílio da Polícia Militar. Agora, porém, as abordagens não poderão resultar em autuação por ato obsceno.

